Publicado originalmente na revista National Endowment of the Arts como "The Suburban Canvas: An Emerging Architectural Model of Artistic Possibilities"
Durante a maior parte da sua existência, os subúrbios norte-americanos foram considerados um despropósito arquitetônico. De shopping centers a mansões passando por empreendimentos residenciais, os subúrbios de Connecticut a Califórnia parecem estranhamente similares e compartilham o mesmo padrão de construção rápida e barata que deixa pouco ou nenhum espaço para um projeto sério.
Mas com a recente crise imobiliária e crescentes preocupações ambientais, novas oportunidades surgiram para se repensar os subúrbios como comunidades sustentáveis e arquitetonicamente inovadoras. Ainda que as demais plataformas artísticas analisadas nesta edição estejam consolidadas, o projeto suburbano - tradicionalmente dominado pelos empreendedores em busca de lucros - apenas agora surge como um campo de produção de arte. Alimentados por exposições como "Foreclosed: Rehousing the American Dream", do Museu de Arte Moderna, e o concurso Reburbia da revista Dwell, arquitetos e designers começam a explorar o que os subúrbios podem se tornar. Falamos como diversos arquitetos que lideram essa tendência crescente e literalmente criam novas possibilidades para todas essas "casinhas nas colinas". Em suas próprias palavras, aqui estão alguns de projetos, questões e visões.
JUNE WILLIAMSON
Professora Adjunta de arquitetura do City College de Nova Iorque, June Williamson é coautora dos livros Retrofitting Suburbia: Urban Design Solutions for Redesigning Suburbs (2011) e Designing Suburban Futures: New Models from Build a Better Burb (2013). Também atuou no júri do concurso Build a Burb, que buscou repensar possibilidades para espaços abandonados ou subutilizados em Long Island, Nova Iorque.
Somos treinados, ao estudar arquitetura, a voltar-se às cidades e ao ambiente urbano. Mas possuía esse interesse persistente no que estava acontecendo nos vastos territórios os quais fui ensinada que não diziam respeito aos arquitetos e sim aos empreiteiros. Eram negócios, produtos, trabalho comercial.
Mais que pelos grandes arquitetos que fazem projetos que lidam com essa ironia do desenvolvimento comercial ou residencial suburbano, o diálogo é estabelecido entre acadêmicos e alunos, interessados no impacto em sua própria vida, de seus pais e seus filhos. Eles entendem e isso os motiva. Penso que as comunidades em desenvolvimento, em parte devido aos baques da recessão, entendem que é preciso fazer as coisas de outro jeito. Elas têm de ser criativas financeiramente. Mais atentas aos impactos e benefícios do que propõe. Tudo isso promete trazer os conhecimentos à tona de uma forma menos pré-concebida.
Muitas pessoas criativas que cresceram nesse ambiente e têm perguntas sobre ele vivem o declínio ou a perda de investimento em algumas dessas propriedades. Pensam sobre o que significará e o que estes lugares podem se tornar. É interessante como fotógrafos e outros artistas, que têm uma visão muito mais matizada, eu penso, do positivo e do negativo nestes lugares [imaginam novas possibilidades para os subúrbios]. É intrigante.
Há muitas maneiras do design otimizar a área de sua residencia. Uma das coisas que enfatizamos em Build a Better Burb, que esta se realmente se difundindo em todo o país, é a oportunidade de permitir unidades habitacionais secundárias. [Acredito] que as pessoas devem ser capazes de fazer o que quiserem com suas casas. Se você quer adaptar um apartamento para seu filho adulto, ou para seus pais já idosos, ou ainda para alugar e ganhar um pouco mais de dinheiro para descontar da hipoteca.
Então, existe a questão de como usar seu terreno. Eles poderiam ser usados de forma mais consciente com a água, ou receber tratamentos paisagísticos com materiais locais ou para cultivar alimentos. Há muitas oportunidades interessantes quanto a isso.
Culturalmente, precisamos passar por cima das restrições obsoletas ligadas à oposição cidade - subúrbio. Estamos todos ligados à metrópole, portanto, há uma mentalidade metropolitana que deve aflorar... penso que o design tem um papel significante nisto, tanto em visualizar esta mudança cultural, ajudando as pessoas a compreender as informações e tendências, quanto em ser otimista em relação a estas mudanças, construindo estruturas e projetos que demonstrem como estas podem acontecer.
PAUL LUKEZ
Paul Lukez é diretor e fundador do escritório Paul Lukez Architecture, e lecionou arquitetura durante 20 anos. Em 2007, publicou o livro "Suburban Transformations", que destaca modos de transformar os subúrbios em comunidades sustentáveis como identidades únicas. Ele coloca estas ideias em prática através de desenho urbano e projetos arquitetônicos em escala local, regional e (inter)nacional, frequentemente com uma equipe multidisciplinar de colaboradores.
Uma das coisas que faltam nos subúrbios é um sentido de espaço. Todos fazem suas próprias coisas. Constroem um objeto, e este objeto não se relaciona com outros objetos, tampouco com a paisagem. Isto tende a gerar um mundo muito monótono.
O que buscamos é criar uma relação mais tridimensional, tanto entre os edifícios quanto entre eles e a paisagem. Assim, conforme se sobe e desce no interior de um edifício, temos diferentes experiências da paisagem, de nossa vizinhança, de outros edifícios. Uma riqueza é criada, uma variedade que não existia antes.
Penso que existe agora uma consciência mais ampla do poder do design. As pessoas estão se educando mais sobre as diferentes opções disponíveis e sobre a importância do design em nossas vidas. Quando começam a olhar para seu ambiente, perguntam-se: "Como podemos melhorá-lo? Como podemos torná-lo melhor"?
O papel dos espaços públicos torna-se muito central. Estes lugares aos quais vamos, sejam restaurantes, lojas, bibliotecas, escolas, lugares de trabalho todos possuem um aspecto público. O modo como são projetados individualmente e se relacionam cria uma rede, física e experiencial. Quanto mais essas redes se inter-relacionam, maior é o impacto que desempenham em nossa consciência. Há muito que podemos fazer para tornar os lugares memoráveis. Podemos integrar a paisagem de maneira agradável, estimulando os sentidos. Podemos criar lugares de trabalho e moradia aprazíveis. Podemos criar lugares que estimulam a interação social e a oportunidade de interagir com outras pessoas. É possível criar e conformar espaços e comunidades capazes de reforçar a experiência humana.
Maior nem sempre é melhor. Penso que o futuro prioriza a construção inteligente e a consciência sobre o que estamos fazendo em relação à paisagem, às comunidades e à vida cotidiana.
SHANE COEN
Em Minneapolis, Shane Coen fundou o escritório de arquitetura da paisagem Coen + Partners. Seu trabalho foi incluído na exposição do Walker Art Center Worlds Away: New Suburban Landscapes e seus projetos premiados para as comunidades de Jackson Meadow e Mayo Woodlands laureados pela sua integração delicada de elementos naturais e artificiais. Jackson Meadow, sobre o qual discorre, é um empreendimento residencial em Marine St. Croix. Minnesota.
[Na Europa] a arquitetura e o design estão integrados à formação básica, ao contrario daqui. Não temos alguém nos ensinando a ver, a olhar as coisas e perguntar por que são bonitas e porque gostamos e porque não gostamos delas; nossa sociedade tende a não pensar sobre isso. Penso que os incorporadores atraídos pelos subúrbios não se interessavam por design. Estavam em uma missão motivada pelo lucro que comparo às redes de fast-food. Fast-food e centros de compras e empreendimentos habitacionais preocupavam-se com rapidez e com a maior metragem quadrada pelo menor preço.
[Em Jackson Meadow,] nossa filosofia foi que se criássemos uma comunidade segundo aspectos artísticos, sutis, isso contribuiria para atrair pessoas que se importassem com estas questões. E isso de fato ocorreu.
O conceito arquitetônico baseou-se na arquitetura finlandesa da região; uma versão moderna desta arquitetura. [As casas] são bastante contextuais e possuem um significado profundo, respeitoso à tradição regional mas adaptado à atualidade.
Usamos bastante vidro; a luz natural é revigorante para a vida cotidiana. Literalmente se sente a conexão com o exterior o tempo todo. O mesmo se dá com a garagem externa. É possível entrar pela porta da casa ao invés de uma lavanderia e assim ter a experiência que de outra forma ficaria relegada aos visitantes. E ainda criamos um espaço entre a garagem, a casa de hóspedes e a casa principal, conformando um agrupamento dos edifício reminiscente da arquitetura rural.
Mesmo sendo um arquiteto paisagista, nunca meesqueço de quando me mudei para essa casa. Para onde quer que me voltasse, estava rodeado de luz e conectado ao exterior. Ainda me sinto como se estivesse de férias o ano todo.
[No futuro,] espero que o planejamento se aproxime da paisagem. Muitos subúrbios forma planejados de dentro de um escritório; não olharam para um pedaço de terra para descobrir o que ele pedia que se fizesse com ele... Certamente, acredito que uma vez que se está em uma região suburbana, a existência de um sistema de espaços livres conectados deveria ser uma exigência. A terra continuará a ser explorada, não há como evitar. Se não nos focarmos, vamos repetir os mesmos padrões.
BING THOM
Nascido em Hong Kong e residente em Vancouver e Washington, fundou Bing Thom Architects em 1982. Laureado com a Order of Canada e a Medalha de Ouro de Arquitetura da RAIC em 2011, Thom conduz projetos residenciais, comerciais e culturais pelo mundo, incluindo a nova Arena Stage em Washington, DC. Um de seus projetos mais recente foi o Plano Diretor de Blaris no qual cria diretrizes para a transformação de um conjunto de apartamentos e lojas de 27 acres em Silver Spring, Maryland, em uma comunidade vibrante e adequada ao pedestre. Abaixo, Thom discute o projeto, apresentado em fevereiro de 2013.
Penso que um dos grandes problemas do subúrbio é que as famílias se refugiam em pequenas manchas de verde, mas ficam completamente isoladas. Esse isolamento é muito ruim para a construção de valores comunitários. Defendo fortemente que as pessoas vivam mais próximas, compartilhando mais espaços públicos e livres. Isto cria uma sociedade focada em valores comuns de compartilhamento em vez de espaços privados. Já possuímos este legado de 50 anos, famílias que se isolam, refugiadas em suas unidades hermeticamente fechadas.
A nova geração rompe com este padrão. Há um desejo de interação e compartilhamento. Vivem em espaços privados menores, mas habitam mais espaços públicos. No fim das contas, tem uma vida social melhor.
[O Plano Diretor de Blairs] tenta consolidar o centro urbano crescente de Silver Spring. A cidade possui o centro difuso; [o centro] encontra-se em um dos lados da via expressa. O terreno de Blairs, por outro lado, não se integrava com este nó viário.
Criamos um projeto que permite que as pessoas circulem a caminho da estação. É algo sem precedente um empreendedor que diz "Queremos convidar as pessoas a caminhar pela nossa propriedade". Então em vez de criar a comunidade suburbana murada tradicional, este projeto age para criar uma maior conexão.
Criamos um número significativo de casas, que penso ser muito boas para casais jovens com filhos pequenos. É uma alternativa à casa suburbana. A ideia, é claro, é que haja atividade 24 horas por dia. Então não se trata de um espaço verde vazio, mas sim um espaço ativo e vibrante aos fins de semanas e durante a noite.
Tentamos criar um tipo de centro urbano diferente daqueles voltados aos automóveis. Nosso é moldado em função do ciclista e dos sistemas de uso compartilhado de carros. Construímos menos vagas de estacionamento do que se costuma destinar a esse tipo de empreendimento, encorajando os demais tipos de transporte. Assim permitimos a circulação de crianças, dos pedestres, estimulamos os encontros e o uso dos espaços comuns... Considero esta uma tendência crescente, o que é algo muito bom.
Penso que a vida é composta pelos encontros fortuitos. A descoberta vem dos acidentes. Você vai para a rua e conhece dez novos amigos ou encontra alguém que não via há 15 anos. Isso não acontece com a mesma intensidade no subúrbio porque não existem tantas colisões ao acaso. Mas [em um subúrbio bem projetado] os encontros com a natureza são melhores. Quando se tem uma concentração mista é mais fácil deslocar-se para a natureza. A questão é a qualidade do espaço, não a quantidade.
TED PORTER & MERI TEPPER
Ted Porter e Meri Tepper integram o Ryall Porter Sheridan Architects, escritório de nova Iorque especializado em projetos sustentáveis para casas, apartamentos e instituições. Recentemente, diversos membros do escritório participaram da proposta vencedora do concurso Build a Better Burb, que convidou arquitetos a pensar novas possibilidades para o subúrbio de Long Island. A proposta, chamada "Sited in the Setback: IncreasingDensity in Levittown", explorou a ideia da construção de unidades habitacionais acessórias em lotes suburbanos existentes. Estas unidades - os "granny flats" [apartamento da vovó] - serviriam para acomodar parentes idosos ou cuidadores de residentes com necessidades especiais, ou ainda para ser alugados e serem uma fonte extra de renda. Abaixo, Porter e Tepper, que lideraram o projeto, discutem a lógica por trás do conceito.
TED PORTER: O isolamento é um problema inerente, sensível nos subúrbios, especialmente com o envelhecimento e a impossibilidade de dirigir. Esse é um fato que ocorre em todo o país.
MERI TEPPER: As opções são muito mais escassas para quem se aposenta e quer continuar morando no mesmo lugar. Não existem opções de residência para quem quer morar na mesma vizinhança dos pais idosos, ou para quem precisa de um cuidador em tempo integral. As pessoas são obrigadas a se mudarem mesmo contra a sua vontade... E para as pessoas que decidem morar na mesma comunidade em que cresceram a variedade e a acessibilidade não são as mesmas.
O projeto [Build a Better Burb] é uma questão primária de zoneamento, desafiando a noção do recuo lateral cercado. E se fosse possível redefini-lo para receber uma unidade habitacional adicional? A opção de como fazê-lo seria do proprietário. Mas a pré-fabricação seria uma alternativa para minimizar o trabalho in loco.
PORTER: Resumidamente, o objetivo é aumentar a densidade de uma vizinhança existente. Através dessa densificação, possibilita-se uma fonte de renda potencial, a reunião de famílias, o alojamento de profissionais cuidadores, o desenvolvimento de comunidades, todos atributos positivos.
TEPPER: Penso que a maioria das pessoas acolheria a liberdade de maximizar o potencial econômico e social das suas propriedades. Obviamente isto depende do zoneamento, sendo uma decisão tomada localmente.
PORTER: Antes, os subúrbios se originavam de um medo da diversidade de estratos sociais e etnias. Penso que avançamos muito nisso, mas ainda não o superamos. Ainda são muito homogêneos economicamente... O projeto ajudaria muito nisso. Seria possível alugar sua unidade adicional para casais mais novos ou mais velhos, redefinindo o perfil das vizinhanças. E penso que isso tornaria os subúrbios lugares melhores para todos.
Rebecca Gross é escritora e editora, residente em Washington. É editora da revista National Endowment for the Arts, e escreve para National Geographic, AOL, e a revista belga Bulletin.