Iremos publicar o livro de Nikos Salíngaros, Unified Architectural Theory, em uma série de trechos, tornando-o disponível digitalmente e gratuitamente a todos os estudantes e arquitetos. O capítulo a seguir postula que a estrutura geométrica da arquitetura determina sua "vitalidade" e quanto mais a forma incorpora a complexidade, configurações e padrões, o mais vital será a arquitetura resultante. Se você perdeu os outros capítulos, certifique-se de ler antes a Introdução, o Capítulo 1, o 2A e o 2B.
A qualidade de vida percebida em edifícios e áreas urbanas vem da geometria (a forma das estruturas em todas as escalas e a sua coerência), e como a geometria conecta-se ao indivíduo. Ela também catalisa interações entre as pessoas - se for feita com êxito.
A maneira mais fácil de perceber essa qualidade de "vida" é comparar pares de objetos ou configurações e julgar intuitivamente qual deles têm mais "vida". Depois de uma série de experiências deste tipo, torna-se óbvio que o grau de "vida" na arquitetura surge da estrutura geométrica.
No entanto, a vida percebida não tem nada a ver com a geometria formal. Ela surge, em vez disso, de configurações, da complexidade e dos padrões em uma situação, muitas vezes justaposições inesperadas e formas que funcionam muito bem, e que geralmente evoluem ao longo do tempo e não foram planejadas inicialmente.
A geometria do edifício é o resultado da aplicação de uma linguagem formal particular, escolhida pelo arquiteto. Isso irá determinar, em grande medida, a resposta emocional e fisiológica do utilizador. A linguagem formal pode procurar maximizar o grau de percepção de "vida" no edifício. Caso contrário, pode ter outros objetivos, totalmente distintos, dependendo da preferência do arquiteto que a emprega ou cria.
Uma linguagem formal inclui os elementos básicos: pisos, paredes, tetos, volumes e sua subdivisão, janelas, materiais, ornamentação, e as regras para combiná-los. A composição arquitetônica no contexto de uma linguagem formal particular permite o projeto neste idioma.
Toda arquitetura tradicional tem sua própria linguagem formal: mais precisamente, um grupo de linguagens relacionadas, uma vez que estas evoluem com variações ao longo do tempo e em diferentes locais. A linguagem depende do clima e dos materiais locais. Também é uma continuação das artes tradicionais, práticas sociais e cultura material.
A Arquitetura é adaptativa se sua linguagem formal mistura-se e conecta-se com a linguagem padrão e todas as linguagens tradicionais formais evoluídas o fazem. No entanto, uma linguagem formal pode ter outros objetivos e não ser adaptável.
O século XX testemunhou um fenômeno novo: Linguagens formais que foram separadas de suas linguagens padrões. Essas linguagens já não faziam parte de um sistema adaptativo de arquitetura, mas tornaram-se entidades auto-suficientes. Elas foram validadas a partir de critérios artísticos, políticos e filosóficos.
Outro fenômeno relacionado que surge quando a prática arquitetônica não está enraizada em uma linguagem padrão é a substituição de um padrão de evolução (que acomoda a vida humana e sensibilidades) pelo seu oposto - um antipadrão. Um antipadrão pode ser disfuncional, e pode causar ansiedade e angústia física. Uma linguagem formal poderia juntar-se a anti-padrões, mas o que, naturalmente, não o torna adaptativo.
Linguagens formais podem ser estudadas separadamente de suas ligações com a linguagem de padrões. Elas podem ter diferentes graus de complexidade interna. Assim como linguagens escritas e faladas, as linguagens formais são caracterizadas por sua quantidade de vocabulário e riquezas de combinação de regras para a geração de novas expressões; adaptabilidade à situação, que poderia ser um romance, por exemplo. Ou uma forma de linguagem poderia ser muito primitiva, com um vocabulário limitado e regras combinatórias.
Uma linguagem formal particular pode ter muitas más adaptações, mas podem ser apelativas visualmente. Este recurso é suficiente para garantir a sua sobrevivência na sociedade contemporânea, especialmente desde a revolução das comunicações. É duvidoso que esta teria ocorrido em uma sociedade historicamente tradicional, onde os recursos eram escassos.
Em contraste com os tempos históricos, a cultura consumista global de hoje trata a linguagem formal como um produto comercial. Assim, o seu sucesso depende tanto das estratégias de marketing de seus proponentes, como dos lucros que serão atingidos por aqueles que aplicá-las. A adaptação não entra na equação.
Uma linguagem formal nasce ou morre com base em considerações bastante comuns: (i) Alguém decide usar essa linguagem formal para um novo edifício, e (ii) a sociedade valoriza uma linguagem formal mais antiga suficientemente para deixá-la como um exemplo sozinho. As decisões sobre os novos edifícios podem ser baseadas no valor de adaptação, como as pessoas se sentem confortáveis neste, a facilidade de uso, um bom ambiente para a produtividade humana, durabilidade comprovada de materiais, praticidade para reutilização, entre outros. Ou um cliente poderia utilizar motivos totalmente diferentes, como um apelo percebido de marketing, a reutilização de uma tipologia comercialmente bem sucedida na construção especulativa, a redução de custos, a maximização do espaço utilizável, etc.
Outro fator crucial é a inércia que vem de custos burocráticos incorporados investidos pelos setores bancários, de construção e de seguros. Todos estes resistem às mudanças técnicas na sua maneira estabelecida de fazer negócios com a arquitetura e a construção.
Para o segundo fator, que apresenta ameaças para a conservação, cada geração enfrenta o canto da sereia de dar aos edifícios mais antigos e espaços urbanos uma cara nova para acompanhar as novas "tendências". As sociedades humanas anseiam por parecer atualizadas, e decidem o que sacrificar com o intuito de perseguir este ideal.
Deixando de lado as questões de adaptação, é essencial para catalogar e classificar as distintas linguagens formais. Um único edifício, ou grupo de edificações, o trabalho de um único arquiteto, ou todo um movimento arquitetônico dependem de uma linguagem formal. O fato de ser construído fornece informações sobre a forma de linguagem. Outro arquiteto pode extrair as linguagens da edificação estudando os exemplos já construídos.
Em raros casos, um arquiteto escreve as regras para a linguagem de formas, de modo que é então fácil para alguém aplicá-la. Na maioria das vezes, no entanto, as regras têm de ser derivadas a partir dos próprios edifícios.
Os arquitetos podem aprender uma linguagem formal, e então usá-la para construir muitos edifícios, sem alterá-la, em qualquer forma. Outros arquitetos variam uma linguagem de forma em diferentes graus, introduzindo as suas próprias alterações, que podem ou não ser adaptáveis. Outros ainda inventam sua própria linguagem formal para que seus edifícios possam tornar-se uma "marca". Isso ajuda a alcançar o sucesso em uma época de marcas corporativas.
Alguns arquitetos podem passar suas carreiras mudando de uma linguagem a outra, tanto linguagens formais tradicionalmente evoluídas, ou aquelas que eles mesmos inventaram. Por essa razão, nem sempre é possível identificar um arquiteto com uma linguagem específica formal.
Todas as linguagens formais tradicionais tiveram de evoluir em conjunto com o projeto de adaptação, e isso pressupõe um certo limite de complexidade. Assim como todas as linguagens humanas compartilham uma complexidade subjacente que permite uma variedade de expressões. As linguagens formais recentes, no entanto, não seguem restrição alguma.
Há muitos exemplos de linguagens formais do século XX que se encontram abaixo do limiar de complexidade. Isso é verdade por duas razões relacionadas com: (1) a linguagem foi inventada e não evoluiu, e (2) ela não teve que se adaptar a uma linguagem padrão.
Vou utilizar uma analogia biológica para a arquitetura e suas duas linguagens. Consideramos a linguagem padrão como a parte do metabolismo dos organismos, e a linguagem formal como a parte de replicação de suas estruturas. A arquitetura é, portanto, diretamente identificada como um processo vivo (falaremos mais sobre isso depois). Os seres humanos interagem com os edifícios, a fim de usá-los e repará-los, num processo análogo ao metabolismo.
A função de replicação é cuidada pela linguagem formal. Um tipo de arquitetura apenas sobrevive através da geração de cópias e variações de si mesmo usando uma linguagem de forma específica. Assim como com os organismos, contudo, uma entidade de replicação não é necessária para metabolizar.
Os vírus replicam complexos orgânicos que não metabolizam. Por esta razão, eles têm, por conseguinte, um teor de complexidade muito inferior. Como resultado, se replicam muito mais eficientemente do que os organismos com metabolismos mais complexos conseguem.
Este curso tenta apresentar uma verdadeira teoria da arquitetura, uma vez que as noções que estudamos possuem previsões que podem ser verificadas. Formas mais simples propagam-se mais rapidamente e podem acabar deslocando entidades mais complexas. Na verdade, linguagens formais simplificadas usando formas e materiais industriais proliferaram-se no século XX, substituindo as linguagens formais que eram adaptativas e, portanto, eram mais complexas.
Há um outro fenômeno que agora possui algum tipo de explicação: por que a linguagem padrão não é rotineiramente ensinada nas escolas de arquitetura? A razão é que, uma vez que as linguagens formais do modernismo não associaram-se às linguagem padrão, esta deixou de ser de todo o interesse da profissão, que focou-se, então, exclusivamente para o Modernismo.
A linguagem padrão determina a adaptação humana nas construções e, não obstante, a conexão de edifícios com a natureza. A fim de criar um ambiente construído sensível e sustentável, a linguagem padrão tem que voltar a tomar sua posição central na arquitetura.
As linguagens formais do século XX eram, e continuam a ser, um sucesso de marketing tremendo. Elas têm gerado enormes vendas e lucros para os arquitetos e construtores que as utilizam, e maior reconhecimento da marca. Mas isso não significa que eles tinham os melhores interesses do usuário e do meio ambiente em mente. Na verdade, as razões habitualmente dadas para o sucesso dessas linguagens formais, como novos materiais industriais, que permitiram maiores vãos nos espaços e pés-direitos mais altos, já havia ocorrido no final do século XIX. Esses fatores precederam e não tem nada a ver com a característica aparência modernista.
Hoje, com o colapso ecológico iminente, as nossas atitudes devem ser menos estritamente focadas nos fins lucrativos em benefício estrito de indivíduos ou pequenos grupos. Estamos mais preocupados com a sustentabilidade no sentido real, e não apenas com aparelhos adicionados, e para a sociedade como um todo.
A conexão com as necessidades profundas dos seres humanos e da ordem natural nos traz de volta a reconsiderar a utilização das linguagens padrão. Gostaríamos de ser capazes de distinguir entre as linguagens formais que se conectam com a natureza e daquelas que são apenas símbolos de moda de sucesso. Tais símbolos são baseados em critérios definidos por outros, mas eles não são expressões de valores humanos profundos.
Leituras Adicionais:
Christopher Alexander, The Phenomenon of Life, Capítulo 2, “Degrees of Life” (Center for Environmental Structure, Berkeley, 2001).
Christopher Alexander, trecho de “A Pattern Language”, disponível online em http://www.patternlanguage.com/apl/aplsample/aplsample.htm
Ou veja o livro: C. Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, M. Jacobson, I. Fiksdahl-King, and S. Angel A Pattern Language (Oxford University Press, New York, 1977). Versão em Espanhol: Un Lenguaje de Patrones: Ciudades, Edificios, Construcciones (Gustavo Gili, Barcelona, 1980).
Nikos Salingaros, A Theory of Architecture, Capítulo 11, “Two Languages for Architecture” (Umbau-Verlag, Solingen, 2006).
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