A Bienal de Arquitetura de São Paulo finalmente se abriu para a cidade, sua complexidade, seus conflitos e contradições. Em sua décima edição, a Bienal trouxe como tema central “Cidade, modos de fazer, modos de usar”, rompendo com a melancolia dos anos anteriores – quando, a despeito da abnegação do IAB em não permitir que o evento simplesmente deixasse de existir, a Bienal converteu-se em algo entre mostra e feira de objetos arquitetônicos e propagandas institucionais de governos e seus parceiros corporativos, enquanto a cidade lá fora se desmilinguia…
Mas, se as bienais andavam mal das pernas era porque a própria arquitetura – em um mundo onde o espaço construído se transformou cada vez mais em mercadoria e ativo financeiro e a arte e a cultura em suportes essenciais de marketing – tornou-se uma espécie de portadora de grife, isca espetacularizada para a abertura de frentes de expansão imobiliária. Assim, cidades foram ganhando “pontes de Santiago Calatrava”, museus Guggenheim, torres brilhantes e vistosas assinadas por nomes famosos, e a arquitetura e o urbanismo foram perdendo vigor e sentido.
Nesta Bienal, a primeira ruptura notável com esse modelo se deu no próprio espaço de exposição, que ocupou diversos locais da cidade simultaneamente, penetrando-a e deixando-se contaminar por ela. A segunda foi temática e curatorial: constituindo uma rede com diversos parceiros que, a partir de seus lugares, de alguma forma já estavam engajados em problematizar a cidade, a bienal tem a cidade banal, e não o objeto arquitetônico, como seu tema central.
Modos de agir, de habitar, de fluir, de encontrar, de atravessar, de negociar, de ser moderno, de colaborar, de ver: estes foram os eixos que orientaram exposições, mostras, exibições de filmes, debates e intervenções em espaços diversos como o Centro Cultural São Paulo, Museu da Casa Brasileira, estações de metrô, minhocão, vão livre do Masp, Sesc Pompeia, Praça Victor Civita, Centro Universitário Maria Antônia, Casa do Povo, Teatro Oficina, IAB, entre outros, falando sobre os carros, as densidades, as precariedades, as resistências, a habitação…
Infelizmente, porém, embora grandes temas tenham aparecido, as intervenções propostas no campo da arquitetura/urbanismo para lidar com essas questões parecem ainda padecer de uma espécie de “síndrome de Marte”: algo externo, que chega de cima pra baixo, alisando o território, se recusando a interagir com suas dobras…
As exceções (sim, elas também estão ali) se apresentam como reflexão mais livre e radical a partir do trabalho colaborativo de arquitetos, urbanistas, artistas, universidades, escritórios de arquitetura e design, ainda infinitamente longe de sua realização. O grande mérito dessa Bienal é justamente mostrar esse vazio: estupefatos diante de um artefato urbano monstruoso, começamos, pelo menos, a enxergar…
Pra quem ainda não foi conferir, é bom correr, pois o evento se encerra no próximo final de semana.
*X Bienal de Arquitetura de São Paulo: até 1º de dezembro
Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.