Se as discussões recentemente travadas na Batalha de Ideias servem com indicação, parece que nós, arquitetos, estamos vivendo uma certa crise de confiança.
Nenhuma nova visão utópica foi apresentada nos últimos 30 anos, lamentou Theodore Dounas; todas essas inovações surgindo são apenas evidência, disse Pedro Bismarck e Alastair Donald, da temerosa relutância da arquitetura em enfrentar problemas complexos ou agir como um agente legítimo para a mudança em tudo; e depois tem o problema, manifestado por Rory Olcayto, de arquitetos sendo intimidados por seus clientes na execução de agendas questionáveis.
Essas interpretações - de arquitetos como mansos, cautelosos, respeitosos, com medo de responsabilidade - estão longe de ser o estereótipo do arquiteto como artista megalomaníaco. No entanto, dois artigos recentes castigam arquitetos justamente por isso: “Porque Abandonei a Profissão de Arquiteta” de Christine Outram e “The Fountainhead All Over Again" de Tudby Lance Hosey. Ambos criticam os egos fora do controle dos arquitetos, a falta de senso comum, e a falta de respeito pelas pessoas que seus projetos deveriam servir.
Então arquitetos são muito tímidos para afirmar sua experiência? Ou são inspirados em Roark, e têm o ego inflado ao ponto de "não darem ouvidos às pessoas"?
Na verdade ambos. E é aqui que está o problema.
A visão de Outram e Hosey é dirigida contra uma sub-seção especial de arquitetos: por um lado, o grupo que nós já chamamos aqui de “starchitects”, ou mais precisamente, os arquitetos de renome que muitas vezes são chamados para fornecer um "ícone", ou mesmo para simplesmente provar, acima de qualquer suspeita, que a entidade financiadora do edifício "se preocupa com o bom projeto". Por outro lado, geralmente são práticas relativamente anônimas e sobretudo grandes, que são adeptas a satisfazer os desejos de seus clientes comerciais - as práticas que fazem um mantra de altas proporções de espaços rentáveis e com baixos custos de construção.
No entanto, nem todos os arquitetos podem ser classificados nesses dois grupos - ou pelo menos muitos fazem o seu melhor para evitar cair na armadilha - e são essas pessoas desafortunadas que sofrem desta crise de confiança. São os humanistas que se recusam a apresentar o seu trabalho como um jogo puro de finanças, e não desejam reduzi-lo a alguma noção arbitrária de cultura para seu próprio bem.
Eles são os únicos que têm sido sugados para um ciclo vicioso da galinha-e-do-ovo, onde perder uma luta para manter relevância leva à uma crise de confiança, o que leva a soluções de projeto "dóceis", que por sua vez levam a uma redução ainda maior de relevância. Qual crise veio primeiro: a confiança ou relevância? Como começou esse ciclo?
Penny Lewis, quando falou no debate Masterplanning the Future na Batalha de Ideias, ofereceu uma origem bastante convincente para este fenômeno: Michel Foucault. Em sua incessante busca durante os anos 1960 e 70 para descobrir as origens e os mecanismos de poder, as ideias do filósofo francês vieram permear toda nossa cultura, mudando para sempre o modo como nós pensamos em relação às pessoas que detém o poder. Nestas teorias o poder está nas mãos dos políticos (ou do guarda da prisão), e os arquitetos estão totalmente despreparados para lidar com eles.
Quando de repente se viram conscientes do poder que exercem e, ainda, totalmente inexperientes para lidar com ele - e com algumas das maiores falhas do modernismo ainda frescos em suas memórias – arquitetos recuaram frente a soluções ousadas, fortes e confiantes. O antídoto para seu poder era a participação comunitária, e quanto mais dela, melhor.
Essa atitude ainda corre nas veias da profissão, e enquanto se mantém como uma solução eficiente ao problema do poder, cada vez mais o público está vendo por trás dos panos; arquitetos estão fazendo pouca coisa além de moldar as propostas que as próprias comunidades estão concebendo, simplesmente aplicando uma camada de conhecimento técnico para fazer essas propostas possíveis - daí a luta da arquitetura para permanecer relevante.
Além do mais, essas batalhas pela confiança e relevância não são travadas exclusivamente nos interesses egoístas da profissão. Sem o fundo criativo dos arquitetos, estas propostas voltadas para a comunidade são limitadas em sua visão, apresentando versões camufladas de uma realidade já presente, ao invés de ideias para um futuro melhor - um pouco como a famosa piada de Henry Ford: "Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, teriam dito cavalos mais rápidos."
Esta é a origem da cultura que tanto desapontou muitos 'palestrantes' na Batalha de Ideias. Arquitetos têm se apoiado em um canto onde a sua capacidade de propor novas ideias é mínima, o o medo de qualquer coisa que não tem automaticamente amplo apoio público é enorme, e ainda por cima de tudo isso, graças a um braço separado da profissão que não compartilha de suas preocupações humanistas, a percepção do público sobre os arquitetos permanece a do egoísta esotérico.
Como então estes arquitetos mudam seu destino? A primeira parte do processo é se separar das porções desagradáveis de sua própria profissão. Os comentários de ambos os artigos de Outram e Hosey evidenciam claramente que muitos arquitetos se preocupam bastante nas pessoas para quem estão projetando. Como é que então podem ser confundidos com outros tipos de arquitetos que claramente não o fazem? O conceito de uma profissão única que caminha para uma única direção é falsa e prejudicial.
Uma vez distintos dos membros "venenosos" da profissão, os arquitetos humanistas devem aceitar seu poder. Provavelmente muitos deles recusarão esta sugestão (é muitas vezes acreditado que a aceitação de poder é o primeiro passo para abusar dele); porém, é um passo crucial. Afinal, admitir que você tem um problema é o primeiro passo para lidar com ele, e uma crise de confiança não será resolvida com mansidão.
Finalmente, a parte mais importante do processo é a aprender. Os arquitetos devem aprender sobre o poder e como ele se manifesta em seus projetos. Eles devem aprender como exercer o poder de forma responsável. Isso vai ser difícil, Foucault construiu uma carreira inteira em torno de uma tentativa de compreender o poder, por isso é seguro dizer que os arquitetos não serão capazes de entender tudo isso da noite para o dia.
Felizmente, no entanto, há um precedente: por um breve período em torno dos anos 60, um certo tipo de arquiteto prosperou que tinha toda a confiança dos modernistas, mas um respeito maior ainda pelas pessoas para quem eles projetavam, e uma compreensão muito maior dos princípios humanistas. Figuras como Aldo van Eyck, Herman Hertzberger, Aldo Rossi, Carlo Scarpa e Bertrand Goldberg deveriam ser protótipos nos quais as próximas gerações de arquitetos deveriam se espelhar, assim que se livrarem da crise e adotarem uma nova (e com sorte, melhorada) era de arquitetura consciente e ainda sim confiante.