Em agosto o AIA postou um tópico em sua discussão sobre pessoas que se passam por arquitetas no LinkedIn. Desde então (e mais uma vez) a questão de proteger o título de "Arquiteto" tem sido um tópico em discussão, como explicado neste artigo no site Fast Company. Isto segue a revelação em BD ano passado de que o Conselho de Registro dos Arquitetos ordenou que a mídia britânica parasse de se referir a Renzo Piano e Daniel Libeskind como arquitetos. Com o tópico aparecendo com tanta frequência, e em diferentes países, o Fast Company evoca imagens de um "furioso debate global". Mas o que, de fato, está acontecendo no mundo da arquitetura para alimentar tal debate? Continue lendo para saber mais.
Primeiramente, na realidade este tópico contém dois problemas separados. No caso do debate britânico no ano passado, o simples fato é que tanto Renzo Piano quanto Daniel Libeskind são arquitetos, registrados em diversos países. Acontece que mesmo trabalhando no Reino Unido, nenhum deles está registrado no ARB, e portanto não são reconhecidos como "arquitetos" pelas regras dessa organização.
Não é como se houvesse qualquer dúvida sobre Piano ser qualificado para projetar o edifício mais alto da Europa, em Londres - é simplesmente um triste caso de uma instituição nacional lutando para entrar em acordo com o mundo internacional do design atual. De forma semelhante, em um dos comentários sobre o artigo de Fast Company, um leitor com uma carreira prolífica em Washington DC fala sobre suas dificuldades em ser reconhecido como arquiteto na Flórida.
O ARB de fato se desculpou depois da reação ao incidente, e agora está trabalhando com o RIBA para fazer com que o reconhecimento mútuo do título de "arquiteto" seja mais fácil pelo mundo. Está é uma tendência que provavelmente irá se tornar mais predominante conforme as instituições (lentamente) entrem em acordo com a realidade global da indústria atual.
Este é um aspecto do "debate global" - até agora, simples. Mas muito mais complexo é o debate sobre o princípio da proteção de um título. De acordo com Fast Company, "a questão real não tem nenhuma relação com legalidade e sim com relevância". Arquitetos jovens estão cada vez mais encontrando maneiras de contornar o licenciamento, conseguindo que engenheiros assinem projetos e truques do tipo. Parece que, em última análise, não é preciso ser um arquiteto para praticar arquitetura - e muitas figuras de destaque e instituições temem que isto desvalorize a profissão e coloque seu futuro, e o futuro do ambiente construído, em risco.
Pode ser útil neste ponto estabelecer de forma precisa o que a proteção de um título profissional pode garantir. Antes de mais nada é de interesse público, para estabelecer responsabilidades técnicas e legais para um certo trabalho. Em segundo lugar, estabelece e legitima um certo corpo de conhecimento, afirmando que este é necessário para realizar este trabalho. Por exemplo, na medicina (a que os arquitetos adoram se comparar durante estes debates), a proteção do título estabelece que há muito a aprender antes que alguém possa tratar outro ser humano, e pune aqueles que de forma fraudulenta afirmam estar a par desse conhecimento. Por sua vez, médicos qualificados são responsabilizados quando falham em estar à altura do padrão que sua profissão exige.
Mas - e esse fato nunca será enfatizado o bastante - arquitetura não é medicina. Já estabelecemos que responsabilidades legais para edifícios podem ser passadas para engenheiros, bem como uma parte do que uma vez constituiu o conhecimento protegido de arquitetura. Outra parte deste conhecimento, de como gerenciar um projeto, é agora em grande parte passado para gerentes de projetos profissionais.
É claro, arquitetura não é só estrutura e gerenciamento. É estética, poesia, simbolismo, psicologia, política social, todas as outras coisas que constituem o amplo campo do "design". Este conjunto de conhecimentos é de fato algo que mantemos para nós mesmos.
Entretanto, enquanto a medicina constrói seu próprio corpo de conhecimento, adicionando parte por parte para beneficiar todo praticante profissional que serve, a arquitetura tem tratado seu próprio conhecimento de forma bem diferente: nós sistematicamente desmantelamos nosso conhecimento duas vezes nos últimos 100 anos, afirmando que tudo que uma vez soubemos era falso. Primeiro da arquitetura tradicional para o modernismo, então do modernismo para o pós-modernismo, partimos nosso conhecimento em pedaços. Agora, a revelação de que arquitetos jovens se recusam a entrar na profissão é sintomática do fato de que eles não desejam herdar o conhecimento de seus antecessores. Indignados com o insustentável, insensíveis ao design da geração anterior, eles podem estar prestes a construir o conhecimento arquitetônico, mais uma vez, a partir do zero.
O que nos resta agora é uma infinidade de facções rivais, cada uma afirmando uma forma diferente de conhecimento, mesmo que todos afirmem ser arquitetos. Além disso, enquanto cada facção for registrada com o conjunto relevante, cada afirmação é vista como igualmente válida. O que nos resta não é um corpo de conhecimento, mas um cadáver desmembrado.
Assim, com os aspectos técnicos da nossa profissão terceirizados para engenheiros, os aspectos de gerenciamento terceirizados para gerentes de projeto e os aspectos restantes divididos, o que resta para ser protegido? Não é de se admirar que a profissão lute tanto para afirmar sua relevância, e também que as tentativas de proteger a palavra "arquiteto" sejam frequentemente apenas egocentrismo.
Se quisermos mudar nossa situação atual, temos duas opções: começamos a fazer amigos, removendo as barreiras ideológicas entre facções, e reunimos nosso conhecimento em algo com que todos concordem (boa sorte com isso); ou desistimos da ideia ultrapassada de que somos uma profissão. Isto significaria acabar com órgãos dirigentes, proteção do título e daí por diante - ou ao menos que estes aspectos tenham um papel consideravelmente menos importantes - e continuar com a questão séria de fazer com que projetar edifícios seja uma profissão que valha a pena de novo. A relevância não será estabelecida com instituições colocando uma cerca ao redor da arquitetura, mas com os arquitetos indo para um mundo mais amplo e demonstrando seu valor com trabalho duro, habilidade e persuasão.
E se essa abordagem soa drástica e difícil, lembrem-se: vocês fizeram isso a si mesmos.