A arquitetura moderna brasileira não tem sua origem na sua arquitetura barroca. Ela foi de fato uma invenção deliberada. Tampouco é uma apropriação do movimento moderno arquitetônico europeu. Arquitetos e críticos estrangeiros dispararam perplexas críticas às primeiras curvas brasileiras. O Brasil apresenta-se, com essas duas negações, intencionadamente como origem de algo, como criação tal como é, e não como destino ou ilustre receptor de algumas influências bem manipuladas. Foi o que acelerou, potencializou e diferenciou nossa produção arquitetônica moderna da produção dos demais países latino-americanos, modernizados. E é, por outro lado, aquele mais ressentido, mais nostálgico, ou simplesmente melancólico, o que ainda nos torna latentes expectadores de algum porvir.
A origem da arquitetura moderna brasileira está discutivelmente –assim como se diz ser toda tese– no movimento artístico brasileiro do início do século XX, cujo ápice e consolidação se deram com a Semana de Arte Moderna de 1922, transcorrida na cidade de São Paulo, em fevereiro daquele ano –um ano antes de Le Corbusier lançar Vers une Architecture–, e encabeçada por Mário de Andrade. Embora longe de haver sido bem aceita àquela época pelo público –o que, como diria Ortega y Gasset, faz dela meramente Arte–, a Semana de 22 proporcionou três enfoques fundamentais para o desenvolvimento do movimento moderno brasileiro: um tom polêmico e despretendido, uma busca por criar uma identidade nacional, e um desejo por liberação, veementemente reivindicada por Jorge Liernur, quem parece não a haver encontrado por trás daquela arquitetura brasileira.
Pese a que o movimento moderno artístico brasileiro teve profundas influências das vanguardas artísticas europeias de finais do século XIX e início do seguinte –fato que, por alguma útil interpretação, poderia repudiar este conto–, o surgimento de uma arquitetura moderna brasileira está intrinsecamente relacionado àquelas vanguardas artísticas formadas no nosso solo e não a vanguardas artísticas, e menos ainda arquitetônicas –já há quem diga que são impossíveis–, e tampouco a anteriores produções arquitetônicas nacionais. Aquela arquitetura brasileira e aquela outra europeia compartem a singularidade de haverem sido fruto de suas vanguardas artísticas.
A inclusão e mitificação do barroco brasileiro como origem da nossa arquitetura moderna também foi parte dos intentos do poeta e novelista Mário de Andrade por encontrar um símbolo nacional, desejo que culminou na invenção do mestre Aleijadinho, uma figura tão bíblica e mítica, que, como diria Oscar Wilde, é impossível que não seja verdade. Mineiro da então Vila Rica, nascido como escravo de uma relação entre um português e sua escrava, Aleijadinho não se elevaria à condição de herói nacional, sem a intermediação de Lucio Costa, que soube ler e difundir o mito, tanto na comunidade acadêmica como na sociedade em geral.
Chegado a esse ponto, seria trivial supor que o barroco brasileiro não tem repercussões na arquitetura moderna brasileira, fato que não procede. Em realidade, tem muitas repercussões, mas que não cabe aqui explicá-las. O ponto é que a arquitetura moderna brasileira não foi um desenvolvimento natural da sua arquitetura barroca. O ponto de partida não foi o barroco, senão o próprio movimento moderno brasileiro, enquanto invenção. Uma inversão cronológica como aquelas das páginas de Jorge Luis Borges.
De modo similar, a incorporação de conceitos modernistas europeus não teve sua origem nos desejos por internacionalizar a arquitetura brasileira, mas uma leitura da evolução do barroco mineiro, o qual foi uma distorção, no sentido positivo da palavra, prática –ou natural– do barroco europeu por parte dos artesões brasileiros. Ambos movimentos nacionais foram, portanto, leituras de modelos externos –não há o que negar–, mas o cronologicamente anterior foi simplesmente prático, enquanto o segundo partiu de uma base teórica consistente que fundamentasse uma prática exemplar. Com isso, uma vez mais, a origem esteve no pensamento local o não no exótico.
Estando as origens da arquitetura moderna brasileira no movimento artístico nacional, foi possível a maduração de uma arquitetura intrinsecamente vinculada à arte, e, por vezes, como obra de arte. Arquitetura, paisagismo, pintura, escultura, música, literatura, chegando ao absurdo do cálculo estrutural, solidificam-se num todo interdependente, no qual é impossível falar de um sem se lembrar dos demais. A arquitetura moderna brasileira surge de modo peculiar e distinto, favorecido por certa proximidade a uma intelectualidade europeia e pela destreza de personagens singulares.
O evidente predomínio do país tupiniquim na produção arquitetônica moderna na América Latina, não foi questão de outra coisa senão do modo de se enfrentar ao novo. Aquela imaginada unidade latino-americana não só não existe como dificulta as leituras das contribuições erguidas em cada país, em especial o nosso, naturalmente segregado pela própria língua e por suas dimensões continentais.
Abrem-se novas direções ante o debate sobre uma dita instalação do movimento moderno na América Latina e de uma denominação ou divisão, ou mesmo fundação, criativa, assim como se almejaria ser. Se os fiz crer em minhas palavras, se os fiz imaginar uma impossível unidade, foi quiçá por que me faltou uma mera pergunta: de que lugar é esse movimento moderno brasileiro?