Como podemos implementar cidades inteligentes?

Neste artigo, originalmente publicado por Arup Connect como "Anthony Townsend on Smart Cities", Townsend discute seu livro "Smart Cities: Big Data, Civic Hackers, and the Quest for a New Utopia" e explica como, na sua visão, o impulso em direção às cidades inteligentes esta sendo liderado pelas pessoas erradas - ou seja, empresas de tecnologia com objetivos de curto prazo. Os arquitetos, planejadores e cientistas que deveriam estar liderando esta mudança, entretanto, geralmente encontram dificuldades para compartilhar seu conhecimento.

Seu livro argumenta que há uma necessidade de ações de base ao invés de implementação de cidades inteligentes de cima para baixo liderada por empresas. Como você vê arquitetos e engenheiros se encaixando neste quadro?

Arquitetos e engenheiros em geral devem atender os interesses de seus clientes. Há um equilíbrio que deve ser atingido, quase de projeto em projeto, sobre o quanto podem dizer de uma peça de tecnologia relacionada ao modelo de negócios para o projeto, ou até uma estratégia de placemaking, tem consequências não intencionais, ou que pode haver uma abordagem mais democrática ou inovadora.

Muito da visão de cidades inteligente foi formada por engenheiros de TI e profissionais de marketing. O problema não é só o fato de ser uma visão relativamente ingênua sendo forçada por empresas com objetivos de venda em curto prazo. É que simplesmente não compreende a complexidade do urbanismo de qualidade, e o papel que comunicação e informação têm na criação de bons lugares em que as pessoas gostariam de comprar, trabalhar, morar.

Leia mais sobre os desafios das cidades inteligentes a seguir

Anthony Townsend's Book, " Smart Cities: Big Data, Civic Hackers, and the Quest for a New Utopia". Image © Anthony Townsend

Os últimos cinco anos foram quase um falso começo. Em 2008, o mundo é 50% urbano pela primeira vez; há mais linhas móveis de banda larga instaladas pela primeira vez; há mais coisas e pessoas na internet pela primeira vez. E então vem a recessão. Foi a recessão que levou muitas dessas empresas a começar a ver o governo - particularmente governos locais - e incorporadores imobiliários como clientes.

Esta visão não vendeu muito bem. Sua estratégia de cidade inteligente não se desenvolveu da forma que esperavam. Estão capturando parte dos gastos em infraestrutura acontecendo; é onde os Arups e Buro Happolds do mundo estão indo bem, descobrindo como integrar 1 a 2% do orçamento de uma construção típica, seja em relação à escala do edifício, a escala da vizinhança, ou a escala de todo o setor de infraestrutura. É de fato apenas uma pequena porcentagem gasta em coisas pequenas. Mas adiciona um enorme valor ao restante, sendo uma fatia muito estratégica.

Acho que agora estamos nos preparando para determinar a próxima visão de cidades inteligentes. O que tentei fazer com o livro foi pegar aquela pequena visão do futuro que testávamos recebendo do mercado corporativo, explodi-la, e relacionar aos debates mais amplos sobre a natureza da urbanização. Eu queria olhar para a história e dizer, bem, o que aconteceu nas últimas vezes que introduzimos toda uma série de tecnologias para resolver os problemas das cidades? Quais foram as escolhas que fizemos, quais foram os resultados, e o que aprendemos?

Particularmente quando olhamos para a motorização pós guerra, muitas das novas formas urbanas que foram imaginadas e, em seguida, construídas, de certa forma simplesmente aconteceram, graças ao planejamento ruim ou a falta de planejamento, Não foi um processo particularmente saudável. Muito do que estamos tentando fazer com esta onda de tecnologias inteligentes é desfazer as consequências não previstas da onda anterior.

O subtítulo do livro é "a busca de uma nova utopia". Não é projeto para um nova utopia, porque não tenho as respostas. Penso que em muitos casos é equivocado pensar dessa forma. Songdo e Masdar e Dongtan, estes lugares muito planejados e integrados onde uma pequena fração da população irá viver, são uma espécie de tentativas quixotescas de planejar o futuro. Mas o futuro é a megacidade em expansão  do mundo em desenvolvimento. Ou, se você acredita em McKinsey, as 500 cidades com 500.000 a um milhão de pessoas das quais ninguém nunca ouviu falar e em que arquitetos famosos não estão brigando para entrar. Novas visões para estes lugares que alavancam todos os recursos dessas tecnologias são o que acredito que será realmente interessante.

Há mais de 570.000 governos locais no mundo, e a visão do futuro será inovação paralela em todas e não só algumas das megacidades. É o que eu espero como resultado disso - que pessoas não irão mais dizer que visões de cidades inteligentes são algo que precisam consumir, mas algo que possam criar por si mesmos.

Acredito que estas profissões - arquitetura, engenharia, planejamento - estão em um ponto ideal para contribuir com esse processo pois entendem as questões urbanas em jogo, bem como as possibilidades e limites da tecnologia.

Songdo, South Korea. Image © ElTrekero

Você escreveu no livro "Arquitetos e engenheiros de cidade inteligentes precisarão recorrer a informática e urbanismo ao mesmo tempo. Há cerca de uma dúzia de pessoas hoje no mundo que conseguem fazer isso de forma eficaz". Você pode falar um pouco mais sobre como vê isto se desenrolar nas próximas décadas? Você acha que há reconhecimento suficiente dessa falha?

Está melhorando. Eu realizei um curso sobre isso no ano passado que não tinha feito em oito anos, e ficou claro que pularia as duas ou três primeiras semanas que explicavam os fundamentos básicos da internet. Eles tem muito disso em seu repertório, e o que não tem podem conseguir com a imprensa de tecnologia e negócios. É uma grande mudança. Estas coisas são parte íntima da vida cotidiana das pessoas mesmo que sejam invisíveis, que é porque tem sido mais difícil explicar isso do que, por exemplo, como funciona o transporte. 

No governo, há muitas pessoas que foram ensinadas muito rapidamente sobre as questões chave poque têm seus eleitorados ou líderes dizendo "O que é isso, o que pode fazer por nós, qual o custo?". E muitas das mensagens de marketing foram direcionadas a eles. Há também muitas ONGs agora realizando educação e treinamento, o que eu acho que está ajudando.

Mas em termos de resposta educacional, tem sido na verdade bastante medíocre. Uma das coisas que você tem visto nos últimos 12 ou 18 meses é um grande aumento na formação de grupos de pesquisa científica urbana em universidades por todo o mundo. Há três só na cidade de Nova York lançados em Columbia, NYU e o novo campus Cornell. Há dois em Londres, um em University of Chicago. É uma espécie de boom. E está sendo impulsionado principalmente por cientistas físicos - físicos, cientistas da computação, matemáticos - se interessando por cidades porque subitamente há todas essas informações e esta vasta complexidade em que podem realmente se aprofundar.

Mas estes grupos não encontraram uma forma sistemática de se relacionar com as ciências sociais, administração pública, planejamento ou arquitetura. Então estão realizando pesquisas cientificamente muito interessantes com uma visão muito mal concebida dos problemas de uma cidade, dos resultados da pesquisa que possam ser utilizados, e até de como realizá-la de uma forma mais fácil de transferir para o mercado.

Eu acho que isso está nos preparando para algumas coisas. Ainda vai demorar até que estes grupos produzam novo conhecimento que tenha aplicações práticas nas cidades. Será produzido  de uma forma que não é fácil de consumir. E de certas formas, pode estar ignorando uma vasta pesquisa que veio antes mas foi feita por pessoas que não estavam usando as mesmas ferramentas. Muitas coisas que estão sendo ditas desconsideram a maneira como a ciência social tem sido feita nos últimos cem anos, em grande parte vindo de pessoas que se consideram cientistas rígidos.

The rise in surburban planning was largely driven by the new technology of the time, the car. Image © La Citta Vita

Acredito que o planejamento urbano está quase sendo massivamente reprogramado, de forma parecida com o que aconteceu quando surgiu formalmente pela primeira vez, há cerca de 100 anos. Havia pessoas de diferentes disciplinas impulsionadas pela ideia de que há uma crise e que existem todas essas novas técnicas e tecnologias que podem ser usadas para estudar e solucionar problemas urbanos. É uma espécie de ausência de regras - potencialmente muito bom, mas também pode ter ideias bem ruins como resultado.

O livro foi avaliado em Nature, o que achei muito estranho, por não ser um livro científico. Foi criticado por não ser científico o suficiente. Escrevi para eles e disse "Veja, estou dizendo que novas ideias científicas são muito frequentemente usadas para fazer coisas ruins nas cidades." Não sei se foi registrado ou não, mas acho que é algo a que precisamos estar atentos. E particularmente se não estamos pesquisando pensando na aplicação desse conhecimento em um contexto útil na cidade. Você pode tirar algumas conclusões muito estranhas do trabalho.

Um que eu sempre cito é o estudo de Geoffrey West que saiu do instituto de Santa Fe sobre como o metabolismo das cidades se dimensiona conforme elas crescem. West realizou muita pesquisa com organismos. O elefante tem o metabolismo muito mais lento que o do beija-flor; o metabolismo de um organismo fica mais lento conforme ele cresce.

O metabolismo das cidades na realidade aumenta. Se você desenvolver a ideia, basicamente a única estratégia para a sobrevivência das cidades é crescer, continuar resolvendo seus problemas a uma velocidade maior do que eles são criados. Esta é a dinâmica que ele descreve. Mas do ponto de vista do planejamento urbano, isso não faz nenhum sentido. Não sei o que fazer com esta informação, porque nossas ferramentas são uma espécie de conhecimento cultivado, certo? - em alguns casos bloqueado ativamente o crescimento, e em alguns ainda mais graves gerenciando o declínio. Então é uma observação científica fascinante que parece muito boa em uma fórmula elegante, mas que ninguém sabe como utilizar.

A razão pela qual é ruim, eu acho, é que você não pode ter a agenda científica determinada apenas pela curiosidade dos cientistas, particularmente quando se trata de pesquisas sobre cidades e a sobrevivência da civilização urbana. A pesquisa deve ser definida de alguma forma pelas pessoas que serão impactadas por ela. Ainda não vemos isso. Há muita curiosidade sobre os dados das grandes cidades e o que podem nos dizer sem necessariamente direcioná-los a partir de um ponto de vista focado.

Technology has become ubiquitous, but it is often difficult to see the invisible structures which lie behind it. Image © Eduardo Merille

Você acha que isso pode ser explicado como uma dicotomia entre pesquisa pura e aplicada? Ou é mais um recuo ativo da comunidade científica que não quer se alinhar às pessoas que tradicionalmente trabalharam nessas questões?

Acho que há algumas pessoas no centro que vêem seus métodos como superiores e acham que grande parte do que foi feito para estudar cidades no passado foi não-científico, não-rigoroso e inválido. Justo; eles podem ter razão em muitos lugares. Mas também precisa haver uma processo de integração do conhecimento e da experiência que veio antes.

Há um estudo de Santa Fe recente, de outra pessoa, Luis Bettencourt,que basicamente sentiu necessidade de provar para si mesmo o que a maioria das pessoas envolvidas em planejamento urbano ou mesmo simulação urbana sabem, que é o fato do planejamento urbano completo ser computacionalmente intratável. Tentar simular uma cidade inteira para um período de dez anos, por exemplo - há muitas escolhas possíveis e resultados diferentes que de fato superam o número de átomos no universo.

Para mim, este é apenas um dos vários exemplos que temos visto onde este novo quadro de cientistas urbanos provam a si mesmos coisas que já conhecidas ou deduzidas por profissionais e observadores atentos.  Há um centro que se vê levando os estudos urbanos para uma era mais racional, mas acho que há também uma gama crescente de engenheiros e cientistas aplicados mais práticos. Vai levar tempo. Eles ainda não descobriram como quebrar as barreiras entre o que estão fazendo e o governo, planejamento, construção e design.

Devo dizer, entretanto, que acho que o mundo da arquitetura/engenharia/design não tentou de forma agressiva o suficiente educar a si mesmo, suas instituições, seus educadores e profissionais nessas questões. Quando eu ensino minha turma na NYU, tenho pessoas de toda a universidade porque há uma negligência sistemática dessa intersecção entre cidade e tecnologia. Sempre termino com alguns estudantes visionários de quase todos os cursos da universidade que encontram tratamento inadequado dessas questões em seus próprios cursos: administração, direito, arte, mídia, administração pública, engenharia urbana.

Arquitetos também são algumas das pessoas menos informadas sobre a questão. Acho que é porque são obviamente muito focados no projeto e no cliente. Mas acho que é também porque para eles a tecnologia é a princípio uma ferramenta de design, uma ferramenta para resolver problemas, não uma força onipresente que está mudando os pressupostos sobre, por exemplo, por que você precisa de um edifício. Qual é a mudança estrutural na economia, ou uso da terra, ou transporte, que está criando a necessidade desse edifício? Eles consideram a priori a necessidade da construção, e a exploração acaba aí. Acho que é algo que está mudando de forma lenta, mas me surpreende que esteja emperrado.

Com relação ao planejamento, acho que não há uma coleção distinta de questões que a cidade inteligente trata. Os bens estão nas mãos do setor público e do privado. É política, é o comportamento do cidadão, são mercados para o consumo de tecnologia - é preciso se envolver em uma série de mundo diferentes para realmente entender o quadro como um todo. Pessoas apenas interessadas em justiça social ou desenvolvimento econômico podem deixar passar algumas das peças ou relações chave.

Centro de controle do Rio de Janeiro, construído com a ajuda da IBM. Imagem Cortesia de IBM

Se você pudesse participar de um Arup ou HOK e estabelecer um programa para nos ajudar a criar o tipo de cidade inteligente que mais beneficiaria a sociedade, o que você faria?

Uma coisa que IBM fez que achei muito inteligente, e que beneficiou o mundo e eles mesmos, foi pegar seu programa central de serviço corporativo e basicamente transformá-lo em um programa gratuito de consultoria de cidades inteligentes. Acumularam um portfólio de cerca de dois mil projetos urbanos significativos feitos gratuitamente.

Eu incentivaria as pessoas a se envolverem em algum tipo de projeto comunitário onde estivessem pensando em questões de infraestrutura, design e negócios que são resolvidos para seus clientes em uma escala menor. Para dar um exemplo, estou trabalhando neste projeto em Hoboken, onde moro, para construir uma rede WiFi que funciona com energia solar. Se conseguirmos, irá praticamente funcionar sem custos e construída por todos os cidadãos e pequenas empresas na comunidade. Será independente; basicamente será uma cooperativa muito pouco unida. Foi inspirada pela experiência compartilhada de alagamento durante a tempestade Sandy, com a perda de redes de celulares por oito dias. Se tudo funcionar como planejado, teremos telecomunicações no caso de quase qualquer tipo de desastre previsível.

Há vários tipos de projetos como este. Escolher algo que envolve tecnologia, comunidade e lugar e realmente se envolver, eu acho, é a forma de começar a superar as visões grandiosas e realmente compreender o que significa fazer isso a partir da base.

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Sobre este autor
Cita: Arup Connect. "Como podemos implementar cidades inteligentes?" [How Should We Implement Smart Cities?] 05 Mar 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-180703/como-podemos-implementar-cidades-inteligentes> ISSN 0719-8906

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