Nós arquitetos pedimos mais e melhor crítica. No entanto, em geral não a desejamos para nossas próprias obras, a não ser que estejam precedidas de certa incondicionalidade. Essa afirmação não é gratuita. A comprovei com o primeiro borrador deste escrito. O enviei a vários excelentes arquitetos cujas obras admiro, mas que em algum momento apareciam criticados. Deixei à sua vontade deixar ou tirar o comentário respectivo. Todos optaram pelo segundo. Provavelmente, eu haveria feito o mesmo. Existe desconfiança. Por isso mesmo, neste livro não falo de nenhum arquiteto chileno vivo, com exceção de mim. Martin Filler, conhecido crítico de arquitetura, realizou em 2008 um ensaio crítico sobre os últimos museus realizados no mundo 1. Porém excluiu o notável Nelson Atkins Museum of Art em Kansas (EUA), realizado por Steven Holl. Segundo ele, depois de escrever em 2003 dois parágrafos negativo sobre o Simmons Hall Dormitory no MIT, obra do mesmo Holl, este lhe enviou uma aborrecida carta se oferecendo para integrar sua oficina para sua «reeducação». Razão pela qual Filler o excluiu de seu último ensayo. A anedota confirma o dito.
Apaixonados pelo nosso ofício, vemos nossos projetos como filhos. No entanto, amar não implica ignorar virtudes e defeitos. A não ser que sintamos as obras como prolongação de nosso eu, o qual impede distinguir a crítica à obra da crítica ao autor. Esta personalização dos projetos desconhece o indesmentível em qualquer trajetória artística: suas flutuações. Não existe na história um poeta, músico, pintor ou arquiteto, que haja produzido sempre obras de idêntica qualidade, exceto obviamente quem realizou só uma. Todos os artistas tem altos e baixos. Seu valor é apreciado pela altura média de suas flutuações e por suas pontas superiores. Roberto Bolaño (1953-2003), narrador e poeta que depois de sua prematura morte se converteu em autor de culto, dizia com estilo polêmico: «Neruda escreveu três livros muito bons; o resto, a grande maioria, são muito ruins (…) [y] alguns verdadeiramente infectos» 2. Defendendo Neruda de ataques anteriores, o também poeta chileno Nicanor Parra dizia sarcasticamente: «para alguns leitores exigentes o Canto General é uma obra díspar. A Cordilheira dos Andes também é um obra díspar, senhores leitores exigentes» 3.
Em arquitetura, as flutuações também são a norma. Rafael Moneo, admirador e amigo pessoal de Álvaro Siza, avaliou sua Casa Mário Bahia (1983) como «uma obra exagerada que (…) se aproxima ao grotesco. O domínio que Siza tem da arquitetura lhe permite experimentos como este, aos que bem cabe qualificar de caprichosos ou disparates» 4. A franqueza agrada, sobretudo se não alterou a amizade entre ambos.
Soma-se ao anterior o mito da originalidade total. Associar ou detectar influências de um artista em outro é considerado um insulto. Isto é algo basicamente modernista, onde se queria começar tudo do zero. Por exemplo, a negativa de Mies em reconhecer influências é constante, com exceção da de Wright em seus inícios. No entanto, mais adiante atenua seu impacto. Ante a pergunta de Peter Blake sobre se o Pavilhão de Barcelona teria influências de Wright, respondeu: «Ele era, certamente, um grande gênio; não há dúvida sobre isso, sabe? É muito difícil ir em sua direção, se sente que sua arquitetura está baseada na fantasia». Blake ao insistir-lhe se seu trabalho foi influenciado pelo De Stijl, responde: «Não. Isso não tem nenhum sentido». Kurt Foster lhe perguntou se estava influenciado pelos japoneses e respondeu: «Nunca vi nenhuma arquitetura japonesa. Nunca estive no Japão. No nosso escritório, fazemos as casas com a razão. Quiçá os japoneses façam igual» 5.
Mas as influências são percebidas distintas se são de épocas remotas ou de ofícios diferentes. Em dito caso, não ofendem, mas concedem meritória amplitude cultural. Frank Gehry fala assim de sua proximidade com artistas e da influência deles em sua obra: «(…) adoro estar com artistas, me sinto muito próximo deles (…). Me convidam a seus estúdios. Robert Irwin (…) Jasper Johns (…) Rauschenberg (…) Warhol (…) Oldenburg (…) Rosenquist (…) Wesselmann (…) Don Judd (…) Carl André (…) Richard Serra (…). Comecei a formar parte da cena artística e eles me ajudaram muito em meu trabalho desde o princípio» 6. Em outra entrevista concedida a Milton Esterow, editor de Artnews, insistia que “toda minha inspiração na vida vem da pintura» 7. Coosje Van Bruggen enfatizava que Gehry encontra inspiração mais além da arquitetura. «Nunca evitou as imagens memoráveis dos artistas que ele respeita… é assombroso quantas influências mútuas existem entre London Knees (de Oldenburg), o edifício (…) de Gehry em Praga e as novas obras de Richard Serra». Agregou que quando se exibiram as Torqued Ellipses de Serra no Guggenheim de Bilbao, com suas 100 toneladas de peso cada uma, ficou clara a simpatia entre as formas de um escultor que «arquiteturizou» suas obras com as de um arquiteto que «esculturizou» sua arquitetura. Além disso, ambos eram amigos há 30 anos e se conheciam bem. Haviam colaborado numa exibição na Architectural League de Nova Iorque em 1981, com seu projeto Connections 8. Até utilizavam o mesmo programa computacional, embora suas obras fossem de diferente escala e materialidade 9 Também Frank Stella, famoso por seus elegantes quadros abstratos, começou a partir dos anos 90 a produzir algumas tortuosas mas duvidosas esculturas em alumínio, ao meu parecer impactado pelas últimas obras de Gehry.
A pretendida originalidade total não tem nenhuma base. Nós humanos só realizamos recombinações inéditas de elementos pré-existentes. É inconcebível o invento do automóvel sem o prévio invento da roda e do motor a combustão. Além disso, em épocas passadas o imperdoável pecado do precedente não existia. Em 1628, a ninguém ocorria pensar que Rubens era pouco criativo por seu intento de reproduzir fielmente o Rapto de Europa de Tiziano (1558-62), copiando-o no Museu do Prado. Menos ainda de faltar à ética, já que sua versão foi realizada às escondidas de ninguém 10. Tampouco foi merecedor de crítica o cusquenho Diego Quispe Tito por reproduzir à sua maneira -no século XVII- uma Virgem e o Menino de Durero do século anterior. Mais ainda se o fez por encargo e significou uma contribuição à arte colonial americana.
Texto original em espanhol: Enrique Browne (Arquitectura: Crítica y Nueva Época. 2011) / Tradução ao português: Igor Fracalossi
Mais informações sobre o livro Arquitectura: Crítica y Nueva Época aqui.
- Filler, Martin. New Museums: The Good, the bad, and the horribly misguided. Architectural Record. June, 2008. ↩
- Braithwaite, Andrés. Bolaño por sí mismo. Entrevistas escogidas. Santiago de Chile. Ediciones Universidad Diego Portales. 2006. ↩
- Parra, Nicanor. Discurso de Bienvenida en honor a Pablo Neruda. Barcelona. Obras Completas y Algo +. Galaxia Gutemberg Editores. 2004. ↩
- Moneo, Rafael. Inquietud Teórica y Estrategia Proyectual. Barcelona. Actar Editores. 2004. ↩
- Mies van der Rohe, Ludwig. Escritos, Diálogos y Discursos. Colección de Arquitectura I. Murcia. Editado pelo Colegio Oficial de Aparejadores de Murcia. 2003. ↩
- Bechtler, Cristina. Frank O. Gehry / Kurt W. Foster: Art and Architecture – a Dialogue (Art and Architecture in Discussion). Germany. Cantz-Verlog. 1999. ↩
- Van Bruggen, Coosje. Pasajes sobre el Museo Guggenheim en Bilbao. The Salomon R. Guggenheim, Foundation New York and Bilbao. Versão em espanhol 1997. Também Esterow, Milton. How do you top this? Artnews. Summer. 1998. ↩
- Arnell, Peter; Bickford, Ted. Frank Gehry, buildings and projects. New York. Rizzoli. 1985. ↩
- D’Souza, Aruna; MacDonough, Tom. Sculpture in the Space of Architecture. Art in America. February, 2000. ↩
- Unger, Miles. Titian and Rubens. Artnews. May. 1998. ↩