PLANETA URBANO, CIDADES COMPACTAS: CONCENTRAÇÃO DE TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
Cidades sustentáveis são, necessariamente, compactas, densas. Como se sabe, maiores densidades urbanas representam menor consumo de energia per capita. Em contraponto ao modelo “Beleza Americana” de subúrbios espraiados no território com baixíssima densidade, as cidades mais densas da Europa e da Ásia são hoje modelos na importante competição internacional entre as global green cities, justamente pelas suas altas densidades, otimizando as infraestruturas urbanas e propiciando ambientes de maior qualidade vida promovida pela sobreposição de usos.
Assim, parece evidente o papel único das metrópoles na nova rede de fluxos mundial e processos inovadores. O potencial do território central regenerado e reestruturado produtivamente é imenso na nova economia, desde que planejado estrategicamente.
Sob o prisma do desenvolvimento urbano sustentado, voltar a crescer para dentro da metrópole e não mais expandi-la é outro aspecto altamente relevante nestes casos: reciclar o território é mais inteligente do que substituí-lo. Reestruturá-lo produtivamente é possível e desejável no planejamento estratégico metropolitano. Ou seja: regenerar produtivamente territórios metropolitanos existentes deve ser face da mesma moeda dos novos processos de inovação econômica e tecnológica.
As intervenções exitosas no exterior têm mostrado possibilidades de enfrentamento de problemas comuns às grandes metrópoles pós-industriais, principalmente no reaproveitamento sustentado dos seus vazios urbanos. Atividades econômicas, voltadas para os setores da informação e comunicação, mas vinculadas à vocação do território, com novos valores locacionais, aliados a políticas de desenvolvimento econômico e urbano local e a gestão urbana eficiente, podem contribuir para a redução do quadro de esvaziamento produtivo de áreas centrais, a partir da reutilização dos espaços vagos, combatendo a perda de vitalidade do tecido urbano. Ou seja: promove-se o desejável redesenvolvimento urbano sustentável.
Porém, não é fácil nem simples implementar a mudança urbana.
Fosse fácil, São Paulo não teria seus dois Centros (o Velho e o Novo) deteriorados – vivos de atividades durante o dia, mas despovoados de residentes e sujos, com espaços públicos deteriorados ocupados cada vez mais por mendigos e drogados, afugentando as classes médias. Há décadas especialistas defendem otimisticamente o retorno ao Centro, sem que isso se concretize numa mudança tangível para a população.
Fosse simples, São Paulo teria, ao menos, iniciado seus projetos de regeneração urbana das antigas e imensas áreas industriais ao longo da Orla Ferroviária. Mas, passam-se os anos e as Operações Urbanas Diagonal Sul e Norte não saem do papel – e de infindáveis e inoperantes debates entre especialistas.
AS IDÉIAS INVESTIGADAS
A cidade é a pauta: o século 19 foi dos Impérios, o século 20 das Nações, o século 21 é das cidades.
As megacidades são o futuro do Planeta Urbano. Dedem ser vistas como oportunidades e não problema.
O desenvolvimento sustentável se apresenta mais urgentemente onde mora o problema: as cidades darão as respostas para um futuro verde. Nelas se consomem os maiores recursos do planeta; nelas se geram os maiores resíduos.
As cidades se reinventam. Afinal, elas não são fossilizadas: as melhores cidades, aquelas que continuamente sabem se renovar, funcionam similarmente a um organismo, quando adoecem, se curam, mudam. Os projetos urbanos de porte devem instrumentalizar a regeneração urbana dos vazios centrais. O redesenvolvimento destes territórios representa voltar a cidade para dentro. Refazê-la ao invés de expandi-la. Compactá-la. Deixá-la mais sustentável é transformá-la numa rede estratégica de núcleos policêntricos compactos e densos, otimizando infraestruturas e liberando territórios verdes.
Reestruturação produtiva. Os clusters urbanos configuram-se como potenciais instrumentos de desenvolvimento econômico local (DEL) nas estratégias de políticas públicas e projetos urbanos sobre vazios metropolitanos – áreas em processo de reestruturação produtiva.
Como estratégias criativas para reconfigurar a dimensão urbana e o desenvolvimento ambiental sustentável podem ser geradas a partir dos novos formatos de desenvolvimento local – ambientes inovadores e clusters urbanos?
A sustentabilidade desmitificada. Desenvolver com sustentabilidade pressupõe crença no progresso humano. Significa não cair na armadilha psicanalítica do imobilismo ou regresso bucólico-saudosista propiciados pelos discursos catastrofistas-deterministas ou “ecochato”. Ou seja: acredito na evolução do conhecimento, das técnicas e das tecnologias humanas. Uma postura estrategicamente proativa impõe a adoção de medidas e parâmetros verdes em praticamente tudo o que fazemos atualmente mas, impõe, sobretudo, a busca e adoção das técnicas e tecnologias avançadas na racionalização da gestão dos projetos e da operação das cidades.
Como exemplo: medidas mitigadoras que visam a redução da pegada ecológica urbana, como o menor consumo de energia e adoção de matriz de energias renováveis, a reciclagem de lixo urbano, o aumento do gradiente verde das cidades e o reaproveitamento (não seria melhor reúso? – o termo técnico que mais se em adotado é reaproveitamento) de águas devem ser buscadas sempre. Porém, é mais estratégico que tudo isso se faça na cidade de núcleos policêntricos compactos.
O resultado ambiental efetivo é amplamente maior se adotada a reinvenção urbana real. A cidade compacta fará a diferença real no uso mais racional e sustentável dos recursos. Jamais poderá comparar-se aos resultados paliativos de dezenas de arquiteturas de tetos verdes.
Assim como, a real diferença no setor da construção civil – responsável por grande parte do consumo de recursos planetários – se dará, de fato, na adoção de sistemas construtivos industrializados e mais inteligentes, quando tivermos, de fato, não mais obras e sim linhas de montagens limpas. Não nos esqueçamos, também, do básico: desde o modernismo que a boa arquitetura (em todas as suas escalas projetuais) tem como pressuposto excelentes noções de conforto ambiental.
Rem Koolhaas em recente palestra em Harvard – Sustentabilidade: o Avanço contra Apocalipse – colocou a questão com precisão e coragem: “é constrangedor estarmos vindo a equacionar a responsabilidade [da sustentabilidade] com um literal ‘greening’. Precisamos sair deste amálgama de boas intenções e ‘branding’ para uma orientação política e uma direção de engenharia.”1
Nossas metrópoles podem gerar eficiência, diversidade e inovação, e, portanto, impulsionar a reestruturação de seus vazios urbanos com clusters inovadores. Porém, isso deverá ocorrer a partir de modelos próprios ou se apreenderá com quem já os testou antes? A valiosa experiência internacional sobre problemas semelhantes – os três cases aqui analisados – deve nos impor a humildade da curiosidade, no mínimo. O Brasil infelizmente não possui qualquer tradição no que os anglo-saxões chamam de (e fazem) redevelopment tradition: as maiores metrópoles americanas e inglesas possuem fortes e consolidadas agências de redesenvolvimento urbano-econômico há décadas. Barcelona tem imenso sucesso na sua agência PPP (parceria público-privada) 22@BCN calcada numa rara história de extremo zelo público pelo espaço urbano (desde o Plano de Extensão, Ensanche, de Barcelona criado por Idelfonso Cerdá em 1855). Precisamos aprender urgentemente a implementar o necessário city negotiating process sob o risco de ficarmos sempre num debate etéreo imobilizante dentre os diversos stakeholders. São Paulo, a megacidade brasileira, urge reinventar-se sob o perigo de perder a locomotiva da história. É, conforme Milton Santos, um território glocal: potencial de inserção na rede de cidades globais x imensas dificuldades locais (acumulação de competências; processo social que impulsione o Desenvolvimento Econômico Local).
Não há ilusão. As imagens aéreas, o olhar de sobreolhar, são reveladoras: por enquanto as cidades desenvolvidas são as cidades sustentáveis, inclusive socialmente. Mais verdes e mais includentes. São, normalmente, as mais antigas, pertencentes aos países desenvolvidos. Ali os maiores dramas já foram resolvidos e há agora oportunidade e recursos para a implementação de melhorias que as megacidades emergentes (São Paulo, Mumbai) ou de países subdesenvolvidos (Lagos, Dakar) estão muito longe de poder alcançar. É muito mais emergente, por exemplo, São Paulo direcionar esforços e recursos para regenerar territórios centrais e dotá-los de amplas quantidades de habitação coletiva construídas rapidamente utilizando sistemas industrializados do que se preocupar com a arborização ou o mobiliário urbano de bairros ricos (estes indicadores devem ser buscados sempre na cidade toda). Não há cidade sustentável sem a desejável sociodiversidade territorial.
O desafio não é pequeno, é preciso que a sociedade civil se organize, a iniciativa privada participe e que a gestão pública se mobilize. Mas é possível, porque não é um problema de desconhecimento ou falta de tecnologia, e sim de decisão. As cidades se reinventam.
E as nossas cidades? Decisão política, boas ideias e competência na gestão urbana sempre serão bem-vindas e algumas cidades atuais demonstram isso claramente e jogam otimismo no futuro das nossas cidades. Curitiba iniciou há 20 anos o processo e suas boas práticas (sistema integrado de transportes coletivos destacando-se os corredores de ônibus expressos, BRT, ligados a corredores planejados de adensamento; coleta seletiva de lixo; rede polinucleada de parques) devem ser replicadas cada vez mais, pois a sociedade civil organizada exigirá.
Nossas duas megacidades, São Paulo e Rio de Janeiro, trazem parâmetros oportunos importantes. O incrível boom imobiliário atual (terceiro maior do planeta), aliado à pujança do setor da construção civil e à força econômica de São Paulo e Rio, além da concentração, rara no Brasil, dos famosos 3Ts – Talento, Tecnologia e Tolerância – essenciais para a inovação urbana pode alavancar as desejáveis reinvenções destas cidades. Resta ao nosso mercado imobiliário incorporar melhor as lições que as cidades campeãs em inovação no mundo estão promovendo ao aliar, à pujança econômica, modelos urbanístico mais interessantes, com maior sociodiversidade espacial, como menos condomínios fechados e distantes.
A conurbação territorial ganha inovação importante a partir da chegada do trem de alta velocidade ligando Rio e São Paulo, com o início das operações previsto para 2016. A renovação das infraestruras destas cidades já começou e promete aliar-se a grandes investimentos públicos e privados nos próximos anos, o que seguramente determinará esta megarregião como a principal não apenas do País, mas de todo o hemisfério sul.
Não há mistério. O século 21 mostra, cada vez mais, a substituição da economia fordista industrial pela nova economia: de serviços, cada vez mais avançados. É óbvio que as cidades do futuro se pautarão assim também, serão polos numa imensa rede global de conexões inteligentes.
As pessoas serão usuárias dos diversos sistemas e terão, cada vez mais, acesso on line a todos os serviços urbanos, do consumo de água à escolha do posto de saúde. Do compartilhamento de smart cars à execução de trabalho em lugares flexíveis, espaços sem dono fixo, compartilháveis.
Resta saber como tudo isso será acessível, democrático, inclusivo.
Novamente, olhemos a história das cidades e lembremos que elas sempre foram o espaço das contradições e dos conflitos de suas sociedades.
Seria ingênuo pensar que as inovações tecnológicas do século 21 propiciarão maior inclusão social e cidades mais democráticas por si só.
Mas as oportunidades, tanto pelo desenvolvimento sustentável quanto pelos sistemas de informação, cidades sustentáveis e inteligentes, estão lançadas. As ferramenttas estão disponíveis.
Agora o desafio é elevar o patamar da qualidade de vida de nossas cidades. Aliar ao crescimento a sustentabilidade e inteligência. Social, ambiental e econômica. Os territórios informais podem integrar-se positivamente ao conjunto da cidade a partir de olhares também de baixo-para-cima e de um urbanismo de microescala aliado às questões estratégicas. O deficit habitacional pode ser superado com design massivo. As infraestruturas devem ser desenvolvidas com gestão competente e não corrupta, a começar pelo desafio da mobilidade urbana. Os espaços de uso coletivo podem voltar a fazer parte integrante de todas as nossas cidades e em todo o território, assim como o gradiente verde, as águas e as ciclovias. As construções sustentáveis, verdes, devem ser buscadas continuamente, e isso está ocorrendo de modo cada vez mais profissional e qualificado, mas não é suficiente – a cidade sustentável é muito mais que o conjunto de edifícios verdes. As oportunidades cada vez mais estarão por diversos núcleos da cidade, espalhadas, promovendo e gerando externalidades positivas, da cidade global ao território informal. É natural que os desafios da exclusão e segurança, faces da mesma moeda, sejam superados com o conjunto integral de medidas que melhoram gradativamente a qualidade de vida em nossas cidades, além da elevação da qualidade e acessibilidade a serviços de saúde e educação. Governança: estamos vivendo o momento mais propício para irmos além dos governos oficiais, institucionais: compartilhamento, wiki, centros de informação da cidade, redes de cidades e bairros, ect.
Procurei investigar estas questões pois as considero os grandes desafios da cidade contemporânea: questões ambientais, moradia, mobilidade, exclusão e segurança, oportunidades, governança. Elas aparecem em diversos momentos e com diversos enfoques nos conceitos e nos casos ao longo do livro. Os estudos de caso da segunda parte ilustram as possibilidades de desenvolvimento urbano sustentável a partir das grandes intervenções urbanas, importantes não por conta de sua complexidade ou porte, mas porque sinalizam o redesenvolvimento da cidade para dentro, como fazer cidades compactas. Os diversos exemplos de pequena e microescala completam esta abordagem e vice-versa. Não são excludentes.
Tenho investigado como podemos construir, coletivamente, cidades mais sustentáveis e inteligentes há muitos anos.
Tenho levado a debate estas questões, conceitos e casos aos mais diversos fóruns: academia, entidades organizadas e respresentativas, representantes da “sociedade informal” como as lideranças dos territórios informais, empresários, o terceiro setor, os governos. A intenção não é fechar verdades absolutas, mas abrir as questões ao debate qualificado. Tudo aqui colocado pode ser debatido. De cada encontro, palestra, debate, workshop, que participo, no Brasil e internacionalmente, saio com mais informação interessante e indagações. Tenho tido oportunidade de ouvir relatos de iniciativas muito interessantes de lideranças empresariais e personagens advindos da cidade formal, assim como me emociono ao ver diversas iniciativas presentes nos territórios informais e mais pobres de nossas cidades. Em comum, a vontade genuína de promovermos cidades melhores que pode aparecer num workshop em Heliópolis ou na discussão com empresários em como construir Centros de Informação da Cidade em São Paulo.
Talvez a maior novidade, e a grande oportunidade, seja simples: a cidade tornou-se a maior pauta do planeta nesta primeira década do século 21.
Artigo extraído do livro recém lançado “Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes” (Bookman, 2012).
Sobre o autor: arquiteto e urbanista, mestre e doutor (FAUUSP), pós-doutor (Calpoly), professor na FAU-Mackenzie, professor visitante em diversas instituições em Barcelona, Nova Iorque, Califórnia e Holanda, sócio-diretor de Stuchi & Leite Projetos.
- KOOLHAAS, Rem. Keynote lecture on two strands of thinking in sustainability: advancement vs. apocalypse. Ecological Urbanism Conference, Harvard University, 2009, p.56 ↩