O poder das emoções: como o espaço nos comove?

“O sabor da maçã está no contato da fruta com o paladar, não na fruta em si”, disse uma vez Jorge Luis Borges. O gosto não é algo em si, sua experiência é o resultado de um encontro. Da mesma forma, as emoções não estão contidas na arquitetura, mas são sentidas apenas a partir do encontro do corpo com o espaço, quando este se torna um lugar. Como o ambiente afeta o modo como nos sentimos? Essa é a pergunta que move a dupla de artistas e cineastas Ila Bêka e Louise Lemoine em seu mais recente empreendimento, o livro The Emotional Power of Space, que será lançado no dia 17 de maio em evento que antecede a abertura da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023.

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Plaza of Kanagawa Institute of Technology / junya ishigami + associates. Courtesy of Junya Ishigami + Associates

Em busca de um entendimento múltiplo sobre a questão, a dupla entrevista doze arquitetos de diferentes contextos, trazendo pontos de vista tão instigantes como abrangentes. “Entendemos que a maneira como sentimos e percebemos está profundamente enraizada no clima e na cultura onde crescemos. É por isso que reunimos neste livro vozes de nacionalidades, origens culturais e gerações muito diferentes”, comentam os autores, que conversaram com Álvaro Siza, Anne Holtrop, Bijoy Jain, Boonserm Premthada, Jacques Herzog, Juhani Pallasmaa, Junya Ishigami, Kazuyo Sejima, Ryue Nishizawa, Smiljan Radić, Tatiana Bilbao e Terunobu Fujimori.

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Los Terrenos / Tatiana Bilbao. Image © Rory Gardiner

A geografia das emoções é, em certa medida, irracional, e a dificuldade de se abordar o tema está justamente no risco de submetê-lo à rigidez da racionalidade. O desafio aos autores foi encontrar uma linguagem que permitisse a necessária mobilidade das ideias para tratar de algo tão fortemente relacionado ao instinto e à intuição. “Traduzir em palavras algo que se sente é extremamente complexo. Tivemos que lutar contra a racionalidade da linguagem, que é tão forte, para encontrar uma maneira de fazer perguntas que abrissem o campo da emoção e da memória, em vez de levar a uma análise fria e conceitual”, afirmam.

Ao recorrer às emoções e memórias dos interlocutores, Ila e Louise pretendem, eles mesmos, percorrer uma geografia que lhes é desconhecida e encontram, no caminho, interpretações poéticas sobre a arquitetura e os espaços que, por vezes, dispensam a funcionalidade. “Em uma arquitetura da poesia, as funções não devem ser definidas pelo significado”, diz Ryue Nishizawa, "é realmente nas relações entre o estrutural e o imaterial que algo acontece”, conclui o arquiteto.

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Teshima Art Museum / Ryue Nishizawa. Image © Iwan Baan

Mas, apesar de imaterial, a emoção não prescinde da experiência humana. Jacques Herzog diz que “o drama da arquitetura é que sem as pessoas nada funciona. Essencial para o nosso trabalho é a ideia de que a arquitetura é uma espécie de palco para a performance humana”. Ecoa, em certa medida, a visão de Juhani Pallasmaa, que diz que “o sentido mais importante na arquitetura é o sentido existencial. Enfrentamos a arquitetura com nosso sentido de existência”, sem o qual a experiência espacial não se completa e as emoções não podem ser plenamente sentidas. A arquitetura não é um substantivo, mas um verbo, que nos diz onde ir, sugere sensações e impõe comportamentos. É uma experiência sinestésica e corporal que implica, necessariamente, em troca. “Sempre que eu entro em um espaço, imediatamente o espaço entra em mim. A arquitetura é uma troca. Eu não olho a arquitetura, mas a encontro em mim”, conclui Pallasmaa.

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NAVE / Smiljan Radic. Image © Nico Saieh

Investigar como os espaços podem afetar o modo como nos sentimos e nos relacionamos com o mundo exige sensibilidade para a atmosfera dos lugares. Para entender um pouco mais sobre isso e sobre o livro The Emotional Power of Space, conversamos com Ila Bêka e Louise Lemoine:

Romullo Baratto (ArchDaily): Pessoas, lugares e espaços têm sido o tema central de seu trabalho com filmes há mais de 20 anos. De onde vem o interesse pelas emoções?

Ila Bêka & Louise Lemoine: Acho que começamos a mergulhar nas questões de como a cultura molda a percepção, sensibilidade e emoções em relação ao espaço quando conhecemos o Sr. Moriyama nas filmagens do filme que fizemos com ele (Moriyama San, 2017). Para nós, algo muito poderoso aconteceu naquele momento. Acho que foi a primeira vez que conhecemos alguém que tinha um nível tão elevado de sensibilidade em relação ao que o cerca. Ele é um homem que vive em total simbiose com seu ambiente e busca constantemente o melhor equilíbrio e harmonia. Ele nos surpreendeu muito quando vimos que, com base no tema ou na atmosfera de um livro ou de uma música, ele escolhe o lugar de sua casa que considera mais adequado para estar. Tudo o que ele faz parece ser definido por essa busca pelo ajuste certo entre seu corpo, o espaço, o momento e suas ações. E tudo acontece de forma muito natural. É como se ele tivesse em mente uma espécie de cartografia emocional de sua casa enquanto se move ao longo do dia. Isso foi uma grande revelação para nós, porque é raro encontrar pessoas com tal nível de atenção em relação ao espaço.

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Fundação Iberê Camargo / Álvaro Siza Vieira. Image © Fernando Guerra | FG+SG

RB: Eu mesmo sou um grande entusiasta de entrevistar pessoas — tanto que já os entrevistei duas vezes antes. Por que vocês escolheram falar sobre emoções e espaços por meio de entrevistas?

B&L: Como você sabe, a conversa é provavelmente a melhor forma de troca para chegar a um certo grau de proximidade e espontaneidade por meio de uma relação descontraída e amigável com alguém. Isso é algo que valorizamos. Diria que trabalhamos com essa abordagem em todos os nossos filmes. No processo deste livro, a principal dificuldade que enfrentamos foi descobrir como falar sobre emoção — que por definição é um sentimento tão irracional — sem congelá-la, sem subjulgá-la. Esse foi o verdadeiro desafio. A potencial contradição de lidar com algo tão intimamente relacionado ao instinto e à intuição por meio de uma abordagem racional e analítica era muito real. É por isso que o tipo de linguagem usada foi uma grande preocupação para nós, precisamente para evitar esse risco. Traduzir em palavras algo que se sente é extremamente complexo. Tivemos que lutar contra a racionalidade da linguagem, que é tão forte, para encontrar uma maneira de fazer perguntas que abrissem o campo da emoção e da memória, em vez de levar a uma análise fria e conceitual. É por isso que demos tanta ênfase, por exemplo, à memória emocional, que é provavelmente o verdadeiro antagonista do discurso conceitual.

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21 Customs House Post Office / Studio Anne Holtrop. Image © Maxime Delvaux

RB: As pessoas que vocês entrevistaram têm formações e interesses muito diferentes no campo da arquitetura. Como vocês os escolheram?

B&L: Através deste livro fazemos uma espécie de volta ao mundo da sensibilidade, o que nos ajuda a entender como a sensibilidade está profundamente relacionada com nosso ambiente, em um sentido amplo. Na conversa com Juhani Pallasmaa, entendemos que a maneira como sentimos e percebemos está profundamente enraizada no clima e na cultura onde crescemos. É por isso que reunimos neste livro vozes de nacionalidades, origens culturais e gerações muito diferentes.

RB: Para vocês, como o espaço afeta o que sentimos?

B&L: Digamos que este é o tema em que temos trabalhado desde nosso primeiro filme, mas cada vez de um ângulo ligeiramente diferente. O filme que estamos finalizando agora — filmado no centro de reabilitação para deficiência física e lesões cerebrais projetado por Herzog & de Meuron e construído há vinte anos em Basel (Suíça) — explora precisamente como a qualidade do espaço pode contribuir ativamente para o processo de cura dos pacientes. O prédio em si se torna parte da terapia! O que tentamos fazer neste filme, mas também em todos os outros, é investigar o quanto os componentes dos espaços em que vivemos impactam de forma determinante em nosso comportamento, mas também em nosso estado psicológico e emocional, de maneiras negativas ou positivas.

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Courtesy of Bêka & Lemoine

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O lançamento do livro será realizado no dia 17 de maio no Palazzo Grassi em Veneza, onde Ila e Louise conversarão com Jacques Herzog e Tatiana Bilbao sobre os principais temas explorados no livro.

Acompanhe a cobertura completa do ArchDaily para a Bienal de Arquitetura de Veneza 2023: O Laboratório do Futuro.

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Sobre este autor
Cita: Baratto, Romullo. "O poder das emoções: como o espaço nos comove?" [The Power of Emotions: How Does Space Move Us?] 31 Mai 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1000700/o-poder-das-emocoes-como-o-espaco-nos-comove> ISSN 0719-8906

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