Soluções simples e baratas garantem conforto térmico de casas populares

Segundo dados recentes, o déficit habitacional no Brasil é de 5,876 milhões de domicílios: 5,044 milhões, em área urbana; e 832 mil, em área rural. Em termos percentuais, esse número corresponde a 8,1% do estoque total de domicílios particulares, permanentes e improvisados, do país. Com o objetivo de saldar, total ou parcialmente, essa enorme dívida social, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009, passou a oferecer moradias acessíveis a famílias de baixa renda.

No entanto, com recursos financeiros limitados para atender a uma demanda tão grande, o baixo investimento alocado na construção de cada unidade residencial resultou em problemas como a falta de conforto térmico – uma reclamação recorrente entre os moradores contemplados.

Para encontrar soluções simples e baratas para a resolução do problema, um estudo-piloto foi realizado no Residencial Baltimore, em Uberlândia, Minas Gerais. A iniciativa reuniu pesquisadores do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e do Instituto de Ciências Tecnológicas e Exatas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (ICTE-UFTM), sob a orientação da professora Dominique Mouette, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Artigo a respeito foi publicado no periódico Sustainability, do Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI), sediado em Basileia, Suíça.

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Tecnologia que inclui camadas de água em janelas foi testada e aprovada na Europa. Fotos: Water-Filled Glass

“O melhor cenário em termos de conforto térmico foi obtido pela combinação de três soluções simples, baratas e sustentáveis: substituir a janela convencional por uma janela basculante que permite até 100% de abertura de sua área útil; substituir a parede de tijolos por uma parede com painéis monolíticos de EPS [poliestireno expandido]; e substituir o vidro comum da janela por vidro temperado verde”, diz Vitória Elisa da Silva [ICTE-UFTM], coautora do artigo.

A pesquisadora informa que uma queixa frequente dos usuários é a de que as casas são muito quentes e abafadas. Nos conjuntos habitacionais, as janelas comumente utilizadas abrem apenas até a metade. Com o emprego de vitrôs basculantes, seria possível ampliar a área aberta de 50% para 100%, aumentando substancialmente o fluxo de ar Correto? e, portanto, a refrigeração natural. Além disso, o uso de EPS nas paredes e de vidro temperado verde nas janelas contribui para o isolamento, bloqueando parte da energia térmica recebida do ambiente.

O poliestireno expandido não é nada mais nada menos do que o material conhecido comercialmente como isopor. Recobertas por camadas de reboco de cimento, as placas de EPS, resistentes à água, têm sido consideradas uma alternativa leve e de baixo custo para isolamento térmico e acústico. Em comparação com outros materiais de parede tradicionais, como tijolos ocos de cerâmica ou blocos de concreto, apresentam uma das condutividades térmicas mais baixas, o que significa que menos calor é transmitido de todo um lado da parede para o outro. O calcanhar de Aquiles desse material, derivado do petróleo, é que ele não é biodegradável. Descartado na natureza, o isopor leva 400 anos para se decompor. O atenuante, segundo o artigo em pauta, é que o EPS pode ser 100% reciclado, o que contribui para mitigar sua pegada de carbono.

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Apesar de ser um exelente isolante, o isopor traz alguns problemas em relação à reciclabilidade e impacto ambiental do material. Foto: boscoshane por Pixabay

Economia de energia

A professora Mouette enfatiza que, embora o conforto dos usuários tenha sido uma forte motivação para o estudo, o alcance do trabalho vai muito além. “Ele se insere em uma linha de pesquisa que busca formas alternativas que contribuam para a redução do consumo de energia e, portanto, das emissões globais. Nós sabemos que, em muitos casos, os equipamentos de ar-condicionado consomem quase 50% de toda a energia elétrica utilizada em uma residência ou escritório. A ideia foi obter um modo de refrigeração muito mais barato e menos impactante para o meio ambiente”, afirma.

É preciso lembrar que, além da energia elétrica consumida, os aparelhos de ar- condicionado são um fator de aquecimento externo, porque jogam o ar quente para fora, criando ilhas de calor em torno de grandes edifícios ou aglomerações urbanas. “E isso produz um círculo vicioso, porque o aquecimento externo faz com que os aparelhos de ar-condicionado sejam ainda mais utilizados, com enorme impacto ambiental em um contexto de crise climática”, sublinha Mouette.

Ademais, a ideia de associar o conceito de “conforto térmico” ao uso de ar-condicionado é questionável, porque a refrigeração artificial produzida nos ambientes servidos por esses equipamentos pode ser bastante desconfortável e insalubre.

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Aparelhos de ar-condicionado são responsáveis pelo consumo de grandes quantidades de energia elétrica. Foto: Mario Schmidt por Pixabay

O pesquisador Cylon Liaw (IEA-USP), primeiro autor do artigo, destaca ainda o aspecto social da questão. “As construções do programa Minha Casa Minha Vida seguem um formato-padrão, que não varia de acordo com as particularidades das zonas bioclimáticas. Nas soluções que apresentamos para o Residencial Baltimore, em Uberlândia, procuramos respeitar também a condição financeira das famílias, que não poderiam comprar equipamentos de ar-condicionado, nem pagar a conta de consumo elétrico decorrente de seu uso”, pondera.

Quanto à eventual implementação das soluções propostas, Liaw lembra que, por ocasião do relançamento do programa Minha Casa Minha Vida, em fevereiro deste ano, o governo declarou sua disposição de ouvir todas as reclamações dos usuários. “Não sei se isso inclui a questão do conforto térmico. Mas acho que nosso trabalho deu, pelo menos, um primeiro passo nesse sentido”, diz.

Vale lembrar que o Minha Casa Minha Vida havia sido extinto em 2020, e substituído pelo Casa Verde e Amarela, com muitas alterações em relação ao programa original. “Como o valor destinado à construção de cada casa tinha diminuído drasticamente com a mudança, precisamos ajustar nossa previsão de custos ao contexto no qual nosso estudo foi realizado, em 2021 e 2022”, informa Liaw. E ressalta que, para isso, o grupo recebeu uma contribuição muito importante da arquiteta Samantha Maduro. “Ela participou por mais de duas décadas do programa Minha Casa Minha Vida. Suas informações e sugestões foram fundamentais”, pontua.

Para formular suas soluções, os pesquisadores construíram um modelo baseado na sala da habitação, com área pouco menor do que 11 metros quadrados e pé-direito de 2 metros. E consideraram as múltiplas variáveis interagentes: fluxos de ar, bolsões de calor, variações da temperatura e da umidade ambientes etc. Tudo isso foi integrado e quantificado por meio de dinâmica de sistemas e tratamento computacional.

“O passo seguinte foi estabelecer valores para variáveis de entrada, como área útil de ventilação, material de vidro e de parede, para depois simular os diferentes cenários resultantes. Do pior ao melhor cenário, observou-se uma redução substancial na temperatura de pico a partir da variação do tamanho das janelas, demonstrando que a ventilação natural e os elementos construtivos de baixa complexidade e ampla disponibilidade no mercado contribuem para o conforto térmico dos cômodos residenciais”, conclui Silva.

O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (14/50279-4 e 20/15230- 5) coordenados por Julio Romano Meneghini, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP. O artigo Thermal Comfort Analysis Using System Dynamics Modeling—A Sustainable Scenario Proposition for Low-Income Housing in Brazil pode ser acessado aqui.

Via CicloVivo.

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Sobre este autor
Cita: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP. "Soluções simples e baratas garantem conforto térmico de casas populares" 24 Mai 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1001363/solucoes-simples-e-baratas-garantem-conforto-termico-de-casas-populares> ISSN 0719-8906

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