Existe uma compreensão subjetiva que nos orienta quando pensamos sobre valores de imóveis. E esse entendimento está basicamente conectado à fórmula como os mercados moldam as cidades. Enquanto uma distribuição espacial dos preços nos sugere valorizar mais as terras dispostas nos centros urbanos, o mesmo modelo econômico faz um contraste e propõe valores menores aos espaços mais afastados.
Historicamente, zonas centrais portuárias foram as responsáveis pelo desenvolvimento de muitas cidades em polos comerciais, que se expandiram também por princípios geográficos e econômicos. Em um modelo urbano padrão, é a partir do centro que as forças de mercado distribuem os preços das terras e suas densidades, que, certamente, consideram os custos de transporte, a renda e a população total.
Ao detalhar a distribuição espacial dos preços das terras, Alain Bertaud descreve em ‘Ordem sem design’ a sua influência na expansão possível das cidades — limitando-a ou ampliando-a — inclusive induzindo na diminuição do valor das áreas afastadas dos centros urbanos.
“Os domicílios e empresas localizadas longe do centro são compensados com preços de terra mais baixos devido a seus custos de transporte mais altos” (Bertaud, 2022)
Cidades concêntricas, organizadas a partir de um único centro, aglutinam as ofertas de serviços, oportunidades de trabalho, negócios e lazer em uma única zona, fazendo com que suas terras sejam mais valorizadas por reunirem mais utilidades, em detrimento das demais.
Porém, essa não é uma estrutura urbana absoluta. Os efeitos do desenvolvimento em centros históricos também se reproduzem em cidades modernas policêntricas. Quando novos pontos centrais são concebidos em zonas distintas, eles modificam a infraestrutura e a comodidade dessas áreas, alteram a maneira como a população percebe a cidade e as suas partes e valorizam as terras ao seu redor.
O urbanista Kevin Lynch promoveu um extenso estudo sobre a “imagem da cidade” (1960), onde identificou que as pessoas utilizam caminhos, limites, bairros, pontos nodais e marcos como elementos para estruturar uma imagem própria das cidades. Trata-se de uma percepção feita aos poucos, em que a ideia construída se relaciona com o entorno e está impregnada de memórias e significados.
Enquanto se deslocam é que as pessoas percebem a cidade e estruturam as suas experiências. E os caminhos tornam-se elementos relevantes na medida que concentram características particulares. Por exemplo, quando o padrão que se sobressai é o de uso, como comércio intenso. Ou qualidades espaciais, por terem vias muito largas ou estreitas demais. Vegetação abundante, mirantes e visuais amplos também são aspectos peculiares de valorização das vias enquanto elementos que compõem a imagem da cidade.
“São canais ao longo dos quais o observador costumeiramente, ocasionalmente, ou potencialmente se move. Podem ser ruas, calçadas, linhas de trânsito, canais, estradas-de-ferro” (Lynch, 1960, p. 47).
Outro elemento importante são os limites das cidades, aqueles pontos que reivindicam a atenção redobrada do observador. As esquinas estão entre os principais componentes dessa categoria, já que representam escolha, uma decisão para as pessoas e são espontaneamente notadas e utilizadas como referências. Elas concentram valores plurais, uma vez que possuem o potencial de acumular outros elementos, como marcos, domos, torres, esculturas e centros comerciais e de serviços.
Visto que quebram a continuidade das vias, as esquinas são pontos visuais proeminentes e podem, ao invés de barreiras, tornarem-se conectores de outros elementos da cidade. Os planejadores urbanos de algumas cidades, como Barcelona e Paris, consideram as esquinas como elementos focais, onde os vazios construtivos proporcionados pelo encontro das vias, torna-se um espaço deliberado de uso público.
O valor imobiliário de uma esquina, assim, não deve ser considerado apenas pela sua distância em relação aos centros urbanos, já que as esquinas têm maior fluxo de pessoas. As esquinas, como elemento-limite urbano, têm o potencial de se tornarem marcos imagéticos das cidades e locais de concentração de pessoas.
O varejo de conveniência e serviços é uma das atividades econômicas que mais se beneficia com as esquinas e, inclusive, uma das que mais colabora com a transformação de polos urbanos em microrregiões densificadas.
Não é exagero dizer que o varejo de conveniência e serviços é o grande responsável pelo “balé das calçadas”, expressão cunhada por Jane Jacobs, uma das mais respeitas urbanistas da história, para retratar a coreografia diária (e nada ensaiada), performada por vizinhos que se encontram na rua, pelo movimento nas lojas, padarias e farmácias, pessoas varrendo a calçada, passeando com seus pets, aposentados jogando conversa fora, crianças brincando, monitorados pelos “olhos da rua”.
Não à toa, as esquinas são tão valorizadas pelas redes de varejo, que sabem do seu potencial. Mas também sabem que estar localizado numa esquina não é a única condição para um imóvel tornar-se um bom ponto comercial.
Deste modo, a estruturação de um ponto comercial demanda estudos de fluxo, densidade populacional e potencial de consumo do entorno, acessibilidade, viabilidade econômica, condicionantes legais e urbanísticas. Porém, uma vez implantado, um bom projeto imobiliário para varejo causa impactos visuais, vira uma referência para as pessoas e valoriza o espaço de esquina. Consequentemente, aumenta também o valor das terras do seu entorno.
Pode-se, assim, afirmar que a valorização das esquinas através de projetos imobiliários voltados para o varejo de conveniência e serviços é uma oportunidade para investidores, com reflexos importantes para as cidades. Primeiro pela imobilização de capital em um projeto com altos índices de ocupação. E, depois, pelo impacto no desenvolvimento de novos polos centrais em microrregiões densificadas. Quando bem implantado, um projeto de esquina tende a transformar-se em referência de conforto, de interação e de valorização na construção de memórias das pessoas que buscam viver cada vez mais as suas cidades.
Via Caos Planejado.