5 Mudanças para acelerar a reintegração da natureza em cidades brasileiras

Com os impactos cada dia mais frequentes e intensos das mudanças climáticas sobre as cidades, as soluções baseadas na natureza (SBN) têm despontado como parte da estratégia de adaptação a essa realidade.

A natureza e os ecossistemas prestam serviços valiosos às pessoas, da regulação do clima à promoção da saúde e do bem-estar. Reintegrar esses serviços à paisagem urbana é parte da transformação necessária para que cidades enfrentem desafios complexos, como os impactos das chuvas cada vez mais intensas, o calor extremo e a poluição. Ao mesmo tempo, pode ampliar a resiliência e o acesso das populações mais vulneráveis a infraestruturas essenciais, espaços para o lazer e oportunidades econômicas.

No Brasil, 84% da população é urbana, e é nas cidades que se fazem sentir muitos dos impactos de eventos climáticos extremos. Cidades são, também, engrenagens cruciais no enfrentamento dessa crise. Repensar o manejo das riquezas naturais em meio urbano é tão importante quanto conservar e restaurar florestas fora das cidades.


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Dados das Nações Unidas apontam que os investimentos em SBN precisam triplicar até 2030 e quadruplicar até 2050 em relação ao nível atual para acompanhar as metas do Acordo de Paris, que propõe manter o aquecimento global em 1,5°C. Por que, então, isso não está ocorrendo? Embora esses projetos venham se tornando mais comuns nas cidades, o novo olhar que as SBN propõem sobre a infraestrutura urbana é uma mudança que precisa ser assimilada para que se possam estabelecer comunidades mais preparadas para o século 21.

Entenda, a seguir, alguns dos principais desafios e caminhos para as SBN nas cidades.

Mudar a cultura centrada na infraestrutura cinza

Por se contraporem à abordagem convencional de engenharia, as soluções baseadas na natureza representam uma mudança de paradigma. Ao invés de encarar os elementos naturais como obstáculos à urbanização e ser centradas em obras que alteram os ecossistemas em que são implantadas (canalização de rios, impermeabilização do sol), as SBN têm nos ecossistemas saudáveis o fundamento dos benefícios que geram para a cidade. 

Trata-se de uma nova visão: a de que um projeto urbano tende a ser muito mais eficiente, resiliente e benéfico quando considera o funcionamento natural de rios, encostas, áreas alagadas e outros ecossistemas. É natural que esse novo olhar represente um desafio a equipes habituadas e formadas para priorizar a abordagem convencional. 

Por isso, cidades precisam buscar capacitação para implementar essas soluções, sob o risco de não conseguirem solucionar a contento os desafios climáticos, ambientais e sociais que enfrentam. Também as instituições financeiras precisam adequar seus produtos a projetos sustentáveis e de benefícios por vezes difusos, como as SBN.

Mas nem sempre se trata de uma escolha excludente. “Há grande potencial para resolução de problemas urbanos de riscos relacionados à gestão hídrica a partir da integração entre as técnicas de engenharia cinza e baseadas na natureza”, observa Maitê Pinheiro, que coordena projetos de infraestrutura verde e SBN na Geasa Engenharia e é uma das mentoras do Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades do WRI Brasil.

Por exemplo, em problemas de drenagem e saneamento, a solução baseada na natureza frequentemente é parte de uma solução híbrida que também envolve infraestrutura cinza, como bombeamento, canais e estrutura de drenagem. Essa abordagem complementar vem originando grandes projetos de recuperação de áreas degradadas, como o Parque Bishan-Ang Mo Kio, de Singapura, ou Parque Orla Piratininga, em Niterói (RJ).

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Parque Bishan-Ang Mo Kio, Singapura. Imagem cortesia de Atelier Dreiseit

Parque Bishan, Singapura
Exemplo de projeto que une SBN e infraestrutura cinza, o parque gerou aumento de 30% na biodiversidade local. Um antigo canal de concreto foi reconvertido em rio com uma combinação de vegetação e técnicas de engenharia civil, para estabilizar as margens e evitar a erosão.

Gerar dados qualificados para apoiar planejamento

É uma situação comum na administração pública: sabe-se que o problema existe, se conhece mais ou menos a dimensão dele, mas faltam elementos que permitam entender realmente a gravidade da situação. Quem de fato está sendo impactado, e como a solução pensada enfrentaria o problema? O projeto pode não resolver completamente o problema, mas melhorar muito a situação vivida pela população em risco de desmoronamento em encostas, por exemplo, ou de recursos hídricos impactados pelo esgoto.

Na hora de elaborar iniciativas com SBN, será preciso reunir o máximo possível de dados: estudos da paisagem, pesquisas relacionadas à água, saber quem mora na área escolhida, o grau de vulnerabilidade e de risco, entre outros indicadores.

Usando como exemplo um caso de drenagem urbana, alguns destes dados seriam: 

  • Conhecimento sobre quais sistemas de drenagem já estão implantados na cidade 
  • Quais são os pontos falhos e funcionais do sistema
  • Quais parâmetros de projeto precisam ser atualizados para atender aos desafios do clima e da biodiversidade
  • Quais áreas têm potencial/espaço livre de qualidade para receber SBN
  • Quais as dinâmicas sociais locais

Também por conta disso, é importante a aproximação entre governos e outros atores que possam apoiar esse diagnóstico, como universidades e as comunidades que serão impactadas pelo projeto. “O mapeamento dos indicadores exige equipes de trabalho transdisciplinares, o desenvolvimento de estudos específicos, que muitas vezes já foram ou estão sendo realizados no âmbito acadêmico, e a participação de agentes comunitários e de empresas especializadas em SBN”, afirma Maitê.

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Mapa elaborado para apoiar incorporação estratégica de SBN nas políticas ambientais de Campinas. Fonte: WRI Brasil, 2022

A estratégia de Campinas
Campinas integrou metas claras para a implementação de SBN em seus planos ambientais. O WRI Brasil apoiou a cidade no processo, concluído em 2023. Uma das ações de apoio foi a elaboração de uma estratégia de SBN que define áreas prioritárias para implantação, com base em indicadores de vulnerabilidade hídrica e climática.

Aumentar a integração entre setores e instrumentos municipais 

Dentro dos governos municipais, a integração de diferentes perspectivas – climática, de saneamento, de prevenção a desastres e de saúde, por exemplo – permite uma avaliação mais completa dos riscos e benefícios do projeto, bem como o alinhamento e o cumprimento de diferentes planos e políticas. Financeiramente, o planejamento integrado permite aproveitar melhor os recursos disponíveis em cada secretaria, e solucionar mais problemas do que seria possível com investimentos isolados.

Estudos têm demonstrado que essa cooperação é decisiva para uma melhor integração de espaços verdes no planejamento urbano. SBN podem ser instrumentos de convergência para a atuação de diferentes secretarias, órgãos e departamentos. Para tanto, é importante que a equipe proponente da SBN mapeie as outras secretarias ou órgãos relevantes e os envolva desde início do desenvolvimento do projeto.

Além da integração no governo, é importante a participação de outras organizações que fazem parte da elaboração do projeto de cidade, como universidades e representantes das comunidades envolvidas. Esse arranjo viabiliza uma abordagem mais completa na hora de solucionar questões que vão envolver, ao mesmo tempo, o orçamento municipal, engenharia pesada e um bem-estar duradouro para a população.

O Programa de Desenvolvimento Socioambiental de Sobral (Prodesol) foi estruturado a partir da integração da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente, da Secretaria de Infraestrutura e da Agência do Meio Ambiente. Em webinar do Acelerador de SBN em Cidades, Marília Lima, secretária de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente de Sobral (CE) avaliou essa integração como decisiva: “O programa foi conduzido por uma equipe municipal. Isso viabilizou uma visão integrada. Essa visão fortaleceu ainda mais nossa carteira e tornou o município um grande protagonista no pleito do financiamento [viabilizado junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina].”

A inclusão das SBN em planos, programas e outras políticas municipais também contribui para a continuidade das ações para além dos ciclos de governo das administrações públicas, que em geral mudam a cada quatro anos.

Promover engajamento comunitário e projetos locais

Além de estarem articulados com o poder público, projetos urbanos de SBN necessitam do envolvimento da população afetada pelo projeto. O recomendado é que a comunidade seja envolvida em todas as etapas – do diagnóstico dos problemas, passando pelo desenho do projeto, até a avaliação dos impactos e a manutenção das soluções.

“Existem abordagens educativas, como workshops de coparticipação em todas as etapas de projeto, que além de educar sobre as SBN, trabalham o senso de pertencimento, que é um aspecto importante para garantir o sucesso de longo prazo das abordagens baseadas na natureza e nos ecossistemas”, ressalta Maitê.

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Acelerador de SBN em Cidades visita o Parque Orla Piratininga, em Niterói. Foto: Diego Padilha-Yantra, Imagens/WRI Brasil

Planejamento participativo
Segundo a equipe do PRO Sustentável, o Parque Orla Piratininga, em Niterói (RJ), foi concebido a partir dos anseios da população, em reuniões comunitárias, encontros com os pescadores e conversas com porta-vozes dos moradores locais. O PRO Sustentável é um programa municipal dedicado a iniciativas de conservação e sustentabilidade, como obras e formação de agentes comunitários.

Implementar pilotos e ações de curto prazo para iniciar a mudança

Idealmente, as SBN devem integrar planos e políticas municipais, o que contribui para garantir que a implementação transcenda mandatos políticos e para a obtenção de financiamento junto a instituições financeiras. Mas nem todas as intervenções para promover a resiliência de áreas vulneráveis nas cidades precisam ser projetos de longo prazo. Embora as SBN tenham como característica um olhar para benefícios prolongados, há caminhos que podem mostrar resultados rapidamente no dia a dia das comunidades, o que ajuda a angariar apoio a projetos mais ambiciosos.

Para a adaptação às chuvas mais intensas, jardins de chuva estão entre soluções de efeito rápido na mitigação de alagamentos ao aumentar a permeabilidade do solo e a absorção da água. Outras SBN, como hortas urbanas combinadas com composteiras, podem trazer benefícios de drenagem, segurança alimentar e ainda dar destinação a resíduos orgânicos, evitando acúmulo de lixo. 

Os projetos-pilotos são instrumentos úteis para demonstração da efetividade das SBN. A rápida implementação facilita o engajamento do governo municipal, que pode entregar a solução à população no período de um mandato. Assim, pilotos podem ser a semente de uma mudança de paradigma que incorpore a natureza como parte das políticas e do planejamento.

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Treinamento durante implementação de piloto de jardim de chuva em Salvador. Foto: Lara Caccia/WRI Brasil

Pilotos que geram capacidade
Salvador implantou recentemente seu primeiro jardim de chuva em área pública. A cidade aproveitou a oportunidade para elaborar uma cartilha de infraestrutura verde e jardim de chuva para apoiar a gestão atual e as futuras na implementação em escala de soluções baseadas na natureza.

O planejamento dos pilotos é, também, a oportunidade de se iniciar processos de capacitação técnica, ações de educação ambiental, a previsão de ativação dos espaços públicos e articulação entre as diferentes autarquias públicas com organizações não governamentais, empresas, comunidades e instituições de pesquisa. “O planejamento sistêmico e estratégico seria então a ferramenta para organização de todos os atores, dados e garantia dos objetivos do projeto em curto, médio e longo prazo”, destaca Maitê.

Capacitação para transformação

Esses são alguns dos desafios e caminhos para que cidades deem escala à implementação de soluções baseadas na natureza em seus esforços por adaptação climática e redução das desigualdades e vulnerabilidades urbanas. 

O WRI Brasil tem atuado para capacitar as cidades brasileiras nessa jornada, por meio de iniciativas como o Acelerador de SBN em Cidades e o Cities4Forests. As experiências têm mostrado que os desafios são superáveis e que o compartilhamento de informações e aprendizados é uma ferramenta poderosa para fomentar a transformação que buscamos.

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Sobre este autor
Cita: Marco Britto, Magdala Satt Arioli, Laura Azeredo e Lara Caccia. "5 Mudanças para acelerar a reintegração da natureza em cidades brasileiras" 19 Jun 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1002440/5-mudancas-para-acelerar-a-reintegracao-da-natureza-em-cidades-brasileiras> ISSN 0719-8906

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