A falta de água potável e saneamento adequado é uma problemática que ainda afeta milhões de pessoas em todo o mundo e, mesmo no século XXI, uma grande parcela da população ainda carece de pleno acesso a tais recursos básicos. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apontam que cerca de 3 em cada 10 pessoas, o equivalente a 2,1 bilhões de pessoas em todo o mundo, não possuem acesso à água potável em casa, e cerca de 60% da população global, não tem acesso a sistemas de saneamento adequados e geridos de forma segura, mesmo os que residem em áreas urbanizadas.
A água é um elemento essencial não somente para a garantia da vida humana, mas também para a manutenção de uma série de outras dinâmicas que envolvem diversos agentes de interação, como os animais e o meio ambiente, tornando sua escassez e poluição um problema especialmente grave e alarmante. Esse desafio é enfrentado por muitas cidades, sobretudo devido ao rápido crescimento populacional, urbanização desordenada e falta de infraestrutura adequada para suprir a demanda, resultando em diversas comunidades que não têm acesso a fontes seguras de água potável. Parte da população, muitas vezes, é forçada a depender de fontes não confiáveis, como poços não tratados, rios poluídos ou fontes informais, o que representa sérios riscos para a saúde pública e o meio ambiente.
A falta de acesso e o mau saneamento, sobretudo nas cidades, contribuem para os riscos de contaminação de bacias hídricas e propagação de doenças como cólera, hepatite A, febre tifóide e disenteria, causando enfermidades e mortes especialmente entre as crianças, impactando o meio ambiente e o desenvolvimento social. Também é importante pontuar que essa questão afeta desproporcionalmente os grupos mais vulneráveis, como pessoas de baixa renda, comunidades marginalizadas e assentamentos informais. Essa problemática ganhou ainda mais proeminência durante a pandemia da Covid-19, na qual muitas pessoas não conseguiam cumprir as práticas sanitárias recomendadas pelas autoridades, devido à falta de acesso a esses recursos.
A água potável, o saneamento e a higiene em casa não devem ser somente privilégios de pessoas ricas ou das que vivem em centros urbanos. Estes são alguns dos requisitos mais básicos para a saúde humana, e todos os países têm a responsabilidade de garantir que todas as pessoas possam acessá-los. — Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde
A gestão de forma segura dos serviços de água potável e saneamento implica no acesso à água livre de contaminação, disponível em domicílio sempre que necessário, bem como na existência de instalações sanitárias que garantam o tratamento e descarte seguro de seus resíduos. Diante dos desafios, muitas cidades ao redor do mundo desenvolveram iniciativas e possíveis soluções para enfrentá-los, melhorando a qualidade de vida de seus habitantes e servindo de exemplo para outros locais e tentativas que venham a surgir.
O projeto Between the Waters, desenvolvido pelo escritório holandês Studio Ooze, pretende combinar infraestrutura de água e paisagem em uma iniciativa dita sustentável. Em 2010, foi construída uma estrutura no rio Emscher, no oeste da Alemanha, composta por encanamentos vindos de dois banheiros e do rio (o mais poluído do país), que convergem em um pequeno jardim comunitário. O jardim em si é um pântano artificial cuidadosamente elaborado, que coleta, trata e purifica os resíduos, transformando-os em água potável. Em 2016, eles desenvolveram o Água Carioca no Rio de Janeiro, na tentativa de sanar algumas das problemáticas sanitárias das favelas locais. O protótipo, instalado no Sítio Roberto Burle Marx, consiste num banheiro conectado a um novo sistema de reciclagem a partir da coleta de água da chuva pelo telhado. Ele conta com um tanque de armazenamento dessa água, uma fossa séptica conectada ao novo vaso sanitário e pia, um wetland artificial e um tanque de água para o efluente reciclado.
Em 2016, o Shining Hope for Communities (SHOFCO), organização sem fins lucrativos que trabalha em Kibera, um dos maiores assentamentos informais do Quênia, desenvolveu um sistema inovador de distribuição de água por via aérea que transporta água potável de uma fonte segura para diferentes pontos de acesso na comunidade. Os tubos são instalados acima das áreas densamente povoadas, onde a água é coletada e transportada por meio de um sistema de bombeamento, evitando a necessidade de escavações complicadas e minimizando a interferência com outras infraestruturas existentes. Além de permitir que os moradores tenham acesso seguro à água potável, o sistema também suprime a necessidade de percorrer longas distâncias para buscá-la.
O Xuhui Runway Park, desenvolvido em 2016 pelo escritório Sasaki Associates, é um projeto de revitalização urbana de uma área em Xangai, na China, que transforma uma antiga pista de decolagem do Aeroporto de Longhua em um parque urbano sustentável. Um dos destaques do projeto é seu sistema de águas, onde a água da chuva proveniente da Yunjin Road e do parque é captada, administrada através de um jardim de chuva de 5.760 metros quadrados e de um wetland artificial de 8.107 metros quadrados, minimizando o desperdício e reduzindo a dependência de fontes de água tradicionais. A captação é realizada por meio de uma rede de canais e dutos estrategicamente posicionados, que direcionam a água da chuva para reservatórios subterrâneos onde ela é coletada e armazenada para uso futuro, como irrigação de áreas verdes, limpeza de espaços públicos e abastecimento de fontes e espelhos d'água presentes no local.
A falta de acesso à água potável e saneamento nas cidades, ainda hoje, é um desafio complexo que, além de soluções inovadoras e criativas, requer esforços conjuntos entre governos, instituições e comunidades, para que seja possível avançar em direção à garantia desses direitos básicos para todos os cidadãos.
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