Dentre as muitas marcas deixadas pela arquiteta Lina Bo Bardi na arquitetura brasileira está o uso da cor vermelha como elemento de destaque em suas obras. Seja trazendo leveza e vividez à dureza do concreto paulistano do Sesc Pompeia ou aquecendo a alvura do Solar do Unhão da Bahia, o vermelho transcendeu o status meramente visual e estético para tornar-se uma característica distintiva da arquiteta ítalo-brasileira, tecendo conexões entre muitas de suas obras.
Uma das figuras mais proeminentes da arquitetura moderna nacional do século XX, Lina Bo Bardi deixou um legado expressivo no Brasil, marcado por uma abordagem singular em seus procedimentos projetuais. Sua maneira de conceber e desenvolver projetos combinava sensibilidade cultural, pesquisa meticulosa e um forte compromisso técnico e estético, que buscava alinhar elementos modernos de vanguarda com a tradição popular.
Dentre esses procedimentos estava o uso da cor como um elemento criativo de composição da arquiteta, especialmente a cor vermelha, que muitas vezes aparecia nos projetos já nos croquis e ideias iniciais. Seja em fachadas externas ou ambientes internos, volumes estruturais ou de circulação, esquadrias, móveis ou revestimentos, a cor realçava elementos nas criações de Lina, tornando-os ainda mais marcantes e importantes no contexto geral da obra.
No Sesc Pompeia, centro de cultura e lazer localizado no bairro da Pompeia, na zona oeste da capital paulista, o vermelho é visto em inúmeros elementos definidos pela arquiteta, mas já se fazia presente no local desde antes de sua intervenção na década de 1980, no avermelhado terroso dos tijolos das paredes dos galpões da antiga fábrica de tambores. Em seu projeto, corrimãos, dutos, estruturas e esquadrias são alguns dos itens que parecem ganhar vida no vermelho que contrasta com o cinza do concreto das edificações.
No Solar do Unhão, projeto empreendido no final da década de 1950, é diante do mar da Baía de Todos os Santos que a cor vermelha se destaca, compondo a paisagem da orla soteropolitana. Se o destaque do projeto está na famosa escada helicoidal de madeira do Museu de Arte Moderna da Bahia desenhada por Lina, não se pode também negligenciar o vermelho das grandes esquadrias coloniais, que parece se juntar ao sol para criar um dos crepúsculos mais bonitos de Salvador, aquecendo a capital baiana.
Em alguns casos, como no Museu de Arte de São Paulo, a cor vermelha ainda ganha outros contornos mais complexos, com uma camada política importante. Inaugurado em 1968, durante a ditadura civil militar brasileira, apesar de suas duas escadas-rampas terem sido sempre rubras, os famosos pórticos do MASP permaneceram acinzentados durante mais de duas décadas. Hoje, o edifício não é somente um dos maiores ícones da obra de Lina Bo Bardi, como também sinônimo da Avenida Paulista e um dos símbolos da cidade de São Paulo.
Segundo a arquiteta, a ideia de utilizar o vermelho era antiga. A cor aparece em alguns elementos do projeto arquitetônico: nos primeiros desenhos, as gárgulas da cobertura eram vermelhas; em uma perspectiva, destaca-se o cinza-escuro da laje, envolto por um céu tingido de vermelho; as escadas-rampas do salão cívico sempre foram vermelhas; e, além disso, Lina de fato pensara em pintar a estrutura de vermelho, como indica um croqui provavelmente do final da década de 50. A cor vermelha como “idéia original” incorporava-se à origem mítica do edifício. A história gloriosa do MASP reconquistava uma glória adiada: a pintura, descartada em 1968, porque o “impacto seria ainda maior” – porque, talvez, a ditadura militar visse o vermelho como subversivo (Lina, como sabemos, era comunista). — Alex Miyoshi
O uso da cor vermelha na obra de Lina Bo Bardi transcende a simples escolha estética para tornar-se parte constituinte da narrativa visual e conceitual de muitas de suas criações, revelando muito da abordagem singular dos procedimentos projetuais da arquiteta que marcou a história da arquitetura nacional.
Sesc Pompeia / Lina Bo Bardi
Solar do Unhão / Lina Bo Bardi
MASP / Lina Bo Bardi
Teatro Gregório de Mattos / Lina Bo Bardi
Cadeira Bown / Lina Bo Bardi
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