Todos os dias, governos, instituições financeiras e corporações têm uma decisão a tomar: investir em ativos físicos que emitem gases do efeito estufa e prejudicam a natureza ou priorizar o desenvolvimento de soluções verdes que fomentam uma economia estável, resiliente e equitativa. À medida que as comunidades enfrentam os impactos severos das mudanças climáticas, a decisão de construir um futuro sustentável fica mais evidente.
Estimativas sugerem que será necessário em torno de US$ 5 trilhões por ano até 2050 para cumprir as metas climáticas e de biodiversidade. Esses investimentos são essenciais para desenvolver e expandir novas tecnologias de baixo carbono, substituir o conjunto de ativos existentes por alternativas sustentáveis, abandonar modelos de negócios que utilizam práticas prejudiciais e permitir que os países ricos apoiem os mais vulneráveis eu seus esforços para proteger a biodiversidade e desenvolver resiliência. Tudo isso e, ao mesmo tempo, garantir que comunidades historicamente marginalizadas compartilhem da prosperidade criada a partir dessas mudanças.
O Systems Change Lab tem acompanhado seis grandes mudanças no setor financeiro que podem transformar radicalmente a maneira como os investimentos são ampliados e alocados, em busca de construir um futuro sustentável. Se essas transformações forem simultâneas, permitirão as mudanças fundamentais e necessárias para que o planeta e as pessoas possam prosperar:
1. Medir, divulgar e administrar os riscos financeiros para o clima e a natureza
A transição para um futuro descarbonizado e positivo para a natureza vai afetar produtos e serviços, principalmente aqueles que geram muitas emissões e são prejudiciais aos ecossistemas. Os riscos não são apenas para as instalações físicas, incluindo fábricas e operações, mas também para os modelos de negócios existentes.
Corporações, instituições financeiras e reguladores precisam ter acesso a informações corretas e entender claramente riscos e oportunidades para optar por investimentos capazes de promover transformações sustentáveis em seus negócios.
Divulgações precisas são essenciais para permitir que instituições financeiras e governos distribuam o capital de forma eficiente e monitorem e gerenciem riscos, tanto no âmbito de seus portfólios quanto em escala sistêmica. Cada vez mais empresas têm divulgado seus riscos climáticos conforme os padrões estabelecidos pelo Conselho de Normas Contábeis de Sustentabilidade, que segue as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. A análise do Systems Change Lab mostra que 36% das maiores empresas do mundo estabeleceram divulgações de riscos climáticos (acima dos cerca de 32% em 2021). Até 2030, todas essas empresas precisam fazer suas divulgações.
O momento também é propício para as divulgações de riscos relacionados à natureza. A estrutura da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza está em vias de ser finalizada e também conta com o apoio do setor privado.
36% das maiores empresas do mundo estabeleceram a divulgação de seus riscos climáticos; expectativa é atingir 100% até 2030
Apesar dos avanços, essas divulgações têm sido voluntárias, de qualidade inconsistente e com lacunas nas informações. Os governos precisam assumir o papel de tornar divulgações de alto nível obrigatórias para assegurar uma cobertura ampla e a uniformidade nas informações fornecidas. Os reguladores estão começando a agir. As maiores economias e mercados de capital do mundo consideram tornar essas divulgações obrigatórias e incorporá-las à supervisão de suas economias.
Em 2022, 36 países planejaram ou estabeleceram divulgações climáticas alinhadas à Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. Entre eles, estão Brasil, Índia, Japão, Reino Unido, países da União Europeia e os Estados Unidos.
2. Ampliar o financiamento público para o clima e a natureza
O setor público pode desempenhar um papel significativo na proteção do clima e da natureza ao investir diretamente em iniciativas climáticas e direcionar os mercados privados, ao mesmo tempo em que formula políticas para promover uma transição equitativa rumo a uma economia sustentável.
Os governos são os principais responsáveis pela alocação de recursos na maior parte das economias, e os investimentos governamentais são fundamentais em áreas nas quais o setor privado não pode ou não se interessa em investir, como o desenvolvimento de novas tecnologias de alto risco, infraestrutura pública e o apoio a comunidades marginalizadas e desassistidas.
Leis climáticas recentes, como a Lei de Redução da Inflação dos Estados Unidos, são exemplos de como setor público pode direcionar os mercados em uma nova direção, capaz de favorecer a descarbonização, investir recursos públicos no desenvolvimento de novas soluções de baixo carbono e combater as desigualdades em comunidades vulneráveis.
Espera-se, por exemplo, que políticas como a Lei de Redução da Inflação levem a um aumento significativo dos investimentos do governo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono, atualmente estimados em cerca de US$ 24 bilhões por ano em todo o mundo. A reação da comunidade empresarial, em especial do setor financeiro, foi positiva, um reconhecimento da expectativa de que a nova lei amplie as oportunidades de negócios e investimentos tanto em soluções climáticas maduras quanto nas emergentes.
Para prevenir os piores impactos das mudanças climáticas, as estimativas sugerem que será necessário um financiamento climático público de pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2030. Em 2020, foram US$ 333 bilhões, muito abaixo do necessário para cumprir essa meta. Para preencher a lacuna, o financiamento precisa aumentar mais de oito vezes em relação à média histórica.
Felizmente, a Lei de Redução da Inflação e outras similares que vêm sendo planejadas na Europa e em outras economias relevantes podem ajudar. Algumas estimativas sugerem que a Lei de Redução da Inflação vai resultar em incentivos públicos para tecnologias limpas no valor de US$ 1,2 trilhões ao longo de dez anos, com o potencial de ir além dessa quantia dependendo da adesão a essas tecnologias.
Por fim, o financiamento público dos países desenvolvidos pode ter um papel fundamental para cumprir o compromisso de destinar US$ 100 bilhões por ano para apoiar ações de mitigação e adaptação em nações em desenvolvimento. Em 2020, a quantia investida totalizou US$ 83 bilhões, ainda aquém da meta estabelecida.
A qualidade do financiamento também precisa melhorar, uma vez que os bancos multilaterais de desenvolvimento, uma das principais fontes de financiamento climático, podem aumentar a parcela de doações e empréstimos concessionais a fim de oferecer aos países em desenvolvimento uma maior flexibilidade financeira para atender às suas necessidades climáticas. Novas iniciativas, como a Iniciativa Bridgetown, que tem o objetivo de ajudar os países em desenvolvimento a cumprir suas metas climáticas ao reformar a arquitetura financeira global, estão ganhando força e chamando a atenção.
3. Ampliar o financiamento privado para o clima e a natureza
As metas climáticas e relacionadas à natureza também dependem da participação do setor privado. Algumas projeções indicam que três quartos da estimativa dos US$ 5 trilhões anuais necessários até 2030 virão de fontes privadas, embora historicamente tenha havido uma divisão equilibrada entre o financiamento climático público e privado. O setor corporativo pode ajudar a expandir as soluções climáticas necessárias para descarbonizar nossas economias, mas os investimentos precisam acontecer em um ritmo mais de 10 vezes mais rápido para atingir o valor que se estima necessário – de US$ 2,6 trilhões a US$ 3,9 trilhões por ano em financiamento do setor privado até 2030.
É possível observar alguns sinais de avanço. Empresas inovadoras já identificaram os novos riscos e oportunidades de negócios que têm se desenvolvido a partir da transição econômica. E cada vez mais empresas têm adaptado suas estratégias e modelos de negócios para reduzir a exposição a esses riscos, estabelecendo metas de zero líquido para reduzir suas emissões e investindo em novos produtos e serviços para crescer dentro dessa nova realidade econômica.
O número de corporações com metas verificadas pela iniciativa Science Based Targets (para que estejam alinhadas ao Acordo de Paris) aumentou 20% em 2022 e continua crescendo. Espera-se que essas metas tenham influência sobre as estratégias de negócios e os investimentos dessas empresas, tanto em suas próprias operações quanto em termos do capital alocado para outros negócios. Essas metas corporativas, porém, ainda precisam de uma análise mais detalhada, aprimoramentos, supervisão robusta e monitoramento de implementação.
O número de empresas com metas científicas validadas cresceu mais de 15 vezes nos últimos cinco anos
Investidores também têm alinhado seus investimentos – em torno de US$ 7,5 trilhões em ativos – a metas de zero líquido ao pressionar as empresas altamente emissoras para que mudem seus negócios e transferir capital para companhias que desenvolvem soluções de baixo carbono.
Iniciativas de investimento como a Climate Action 100+ envolveram os maiores emissores corporativos de gases de efeito estufa por meio de propostas conjuntas de acionistas e ações de escalonamento para induzi-los a reduzir suas emissões e a promover adaptações em seus negócios. Espera-se que o capital alinhado com metas zero líquido aumente à medida que os investidores percebam que práticas de negócios sustentáveis não apenas resultam em empresas mais competitivas e resilientes, como geram retornos financeiros lucrativos.
Por fim, envolver o financiamento privado no apoio aos países em desenvolvimento em seus esforços de descarbonização e adaptação tem sido um objetivo há bastante tempo. Embora o histórico de desmitificação do financiamento privado varie entre resultados positivos e negativos, iniciativas recentes como o Energy Transition Accelerator e as Just Energy Transition Partnerships são tentativas inovadoras de aproveitar o financiamento privado para descarbonizar países de baixa e média renda.
4. Aumentar a inclusão financeira e econômica de grupos marginalizados e desassistidos
Nossos atuais sistemas financeiros e econômicos falharam no que diz respeito à inclusão e ao compartilhamento da prosperidade econômica, resultando em desigualdades históricas que têm se perpetuado e, em alguns casos, piorado, marginalizando ainda mais grupos já vulneráveis.
A transição para uma economia sustentável e descarbonizada é uma oportunidade para que comunidades historicamente marginalizadas compartilhem dessa nova prosperidade, o que contribuirá para a construção de uma sociedade mais inclusiva, justa e democrática.
O êxito em implementar uma transição justa permitirá que o mundo alcance os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU de erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e promover o acesso a empregos. Um avanço como esse não é apenas moralmente correto, como receberá apoio popular e proporcionará a legitimidade política e a estabilidade social necessárias para que a transição aconteça.
Para fazer isso, os governos podem trabalhar em conjunto com o setor privado para gerar empregos de qualidade em indústrias verdes, a fim de permitir que as comunidades trabalhem e façam parte da construção de um futuro descarbonizado. Além disso, o acesso a recursos financeiros bem regulamentados, como contas bancárias e empréstimos, pode ajudar essas comunidades a construir a segurança financeira necessária para se tornarem resilientes e se adaptarem a um contexto de mudança. Em 2021, 76% da população adulta mundial tinha acesso a uma conta bancária, indicando que o restante – 1,4 bilhão de pessoas adultas – ainda eram considerados “sem banco”.
O setor público pode estabelecer a infraestrutura para viabilizar o acesso a serviços financeiros para todos, ao mesmo tempo em que fornece assistência direta a comunidades vulneráveis por meio de transferências de recursos. Esse pode ser um ponto de entrada no sistema financeiro formal, além de um elemento importante para ter acesso às redes de assistência social.
5. Precificar as emissões de gases do efeito estufa e outras externalidades ambientais
Um dos maiores desafios para direcionar os investimentos a um futuro mais sustentável é a falta de responsabilização pelos custos externos gerados pela indústria dos combustíveis fósseis e outros poluentes e que são repassados à sociedade. Esses custos indiretos, geralmente chamados de “externalidades”, não são devidamente considerados pelos preços, apesar de todos os efeitos negativos, como uma pior qualidade de vida, instabilidade econômica e degradação ambiental. Como resultado, os responsáveis pela poluição lucram com suas atividades prejudiciais e não são responsabilizados por essas externalidades, enquanto preços distorcidos desincentivam mudanças nos padrões de consumo e os esforços para reduzir a poluição.
Aplicar uma precificação de carbono direta (por meio dos mercados de carbono) ou estabelecer um imposto sobre o carbono para os poluidores pode garantir que esses custos externos sejam devidamente considerados nos processos de planejamento e na tomada de decisões para reduzir os danos ao meio ambiente. Embora a precificação de carbono não seja uma solução mágica para as mudanças climáticas, pode complementar um conjunto mais amplo de ações, como políticas industriais e incentivos para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias de baixo carbono. De forma semelhante, taxar outras atividades nocivas para o meio ambiente, como a poluição do ar, o uso de recursos naturais e a geração de resíduos, pode internalizar as externalidades pelos quais são responsáveis, projetadas para alcançar US$ 7,8 trilhões por ano até 2050.
Atualmente, apenas em torno de 23% das emissões globais de gases do efeito estufa são cobertas por um regime de precificação direta de carbono. Globalmente, os preços giram em torno de US$ 23 por tonelada de dióxido de carbono equivalente, bem abaixo do mínimo de US$ 170 necessário para evitar os impactos mais prejudiciais das mudanças climáticas.
Percentual de emissões de GEE cobertas pela precificação direta de carbono precisa acelerar 3 vezes mais rápido
6. Eliminar os subsídios e financiamentos prejudiciais
Os investimentos públicos e privados continuam apoiando atividades incompatíveis com um futuro sustentável, como novos empreendimentos de exploração de combustíveis fósseis e degradação ambiental. Tornar os investimentos compatíveis com um futuro descarbonizado implica interromper essas práticas nocivas e redirecionar o capital para a construção de uma economia sustentável.
O setor público continua fornecendo quantidades significativas de financiamento à indústria dos combustíveis fósseis por meio de subsídios, financiamento obtido junto a instituições financeiras de desenvolvimento e investimentos feitos por empresas estatais. O financiamento público para combustíveis fósseis somou US$ 687 bilhões em 2020 – ainda muito distante da eliminação gradual necessária até 2030 e que exige um ritmo quase cinco vezes mais lento do que a média histórica.
Para eliminar os combustíveis fósseis até 2030 o financiamento público precisa diminuir 5 vezes mais rápido
Da mesma forma, os governos continuam concedendo subsídios agrícolas prejudiciais que incentivam o uso excessivo da terra e de fertilizantes e pesticidas, contribuindo para a degradação ambiental. Por exemplo, o total destinado à agricultura em 2021 foi de US$ 530 bilhões entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, junto a outras 11 grandes economias em desenvolvimento. Estima-se que 87% desse total “distorce os preços ou é prejudicial à natureza e à saúde”. Os subsídios agrícolas e pesqueiros devem ser reestruturados para reduzir seus danos ambientais e encorajar práticas sustentáveis.
Financiamento para um futuro sustentável
Entre essas seis mudanças, já é possível observar alguns esforços positivos tanto no financiamento público quanto privado no sentido de canalizar os fluxos de capital para a construção de uma economia mais verde e sustentável. Embora esses sinais sejam animadores, os níveis atuais de investimento ainda estão muito longe do necessário.
Para garantir um planeta habitável e próspero, precisamos aproveitar esse momento positivo e ampliar o financiamento para o clima e a natureza, diminuir os ativos com altos níveis de emissões e garantir que a prosperidade de uma economia mais sustentável beneficie também grupos vulneráveis e marginalizados. Estamos em uma década decisiva, e é hora de agir.
Via WRI Brasil.