A recente conclusão do projeto do Perelman Performing Arts Center (PAC), fruto da colaboração entre o escritório REX, Davis Brody Bond e Rockwell Group é um marco da transformação cultural da região de Lower Manhattan. O terreno do PAC faz parte do complexo do World Trade Center, propriedade da Port Authority of NY and NJ, órgão autônomo responsável pela gestão de pontes, portos, túneis e aeroportos. Desde os atentados de 2001, muitas transformações aconteceram no terreno, como a construcao dos quatro prédios do complexo do WTC e do Oculus. Do início do concurso do PAC até a conclusão da obra se passaram mais de nove anos, tendo eu participado dos últimos cinco como um dos arquitetos da equipe da Davis Brody Bond.
Em 2002, Daniel Libeskind ganhou o concurso do masterplan do WTC, e incluiu no projeto, além das torres corporativas e o memorial, uma estação de transporte (hoje o Oculus), e um centro de artes performáticas. O projeto do centro de artes foi oferecido ao arquiteto Frank Gehry em 2004, mas uma decisão executiva abandonou a proposta e abriu o concurso público em 2014 vencido pelo escritório REX de Joshua Prince-Ramus. Em uma etapa posterior, a Davis Brody Bond foi escolhida como o escritório executivo (ou AOR, “Architect of Record”). Na prática, o AOR assume a responsabilidade técnica pelo projeto, a incumbência dos projetos básico, executivo, e coordenação das diferentes disciplinas, além do acompanhamento da obra junto à construtora seguindo as diretrizes definidas pelo “Arquiteto-Designer”. Este arranjo entre “designer” e “executivo” é extremamente comum em projetos de especialidades nos EUA, por unir diferentes experiências entre escritórios.
O projeto em si contou com mais de 30 diferentes complementares/consultores. Por ser no WTC, foi necessario, por exemplo, consultores na área de balística (para reforços estruturais no caso de atentados a bomba), e na de segurança (a logística de circulação pessoas) que são especialidades consideradas de exceção. Adicionalmente, pelo fato da equipe consistir de várias empresas pelo país e pelo mundo, existiu a necessidade de representantes locais para algumas das especialidades. Por exemplo, a estrutura que foi projetada pelo escritório MKA em Seattle, precisou de um escritório de engenharia local, a Silman, para coordenar e assinar o projeto de engenharia no estado de Nova York.
Por sua vez, o PAC montou sua própria equipe técnica para fazer a ponte entre o conselho da companhia e o projeto/construção. É comum nos EUA que esse serviço de “representação do cliente” seja terceirizado, mas para um maior envolvimento no processo, a companhia de teatro preferiu incorporar essa função internamente. No total, sem contar a equipe da construtora, havia aproximadamente 150 pessoas envolvidas no projeto, entre arquitetos, engenheiros e outros todos os consultores.
Um fato importante do contexto de arquitetura e construção nos EUA é que, na maioria dos casos, o arquiteto detém o contrato global do projeto e fica responsável por contratar e pagar a equipe de colaboradores. Algo similar a um contrato “guarda-chuva” no Brasil. Todas as relações entre arquiteto, cliente, consultores e construtores são regidas por contratos estruturados pelo AIA, Instituto dos Arquitetos Americanos, como uma premissa das responsabilidades. Eu indico a todos os profissionais brasileiros a buscarem os modelos de contrato B201 (termos gerais da relação entre arquiteto/cliente/construtor), o B101 (modelo de contrato arquiteto/cliente) e o A101 (modelo de contrato cliente/construtor) como uma referência. Em algumas jurisdições dentro dos EUA, projetos só podem ser aprovados pelas autoridades locais se lastreados por contratos em acordo com o AIA. Esses contratos sugerem responsabilidades, como por exemplo, exigir do cliente garantias financeiras para conduzir todo o processo, responsabilizando-se em arcar com o custo da equipe de arquitetura por um tempo determinado mesmo em caso de interrupção do projeto. Também define tempos de resposta para demandas tanto do cliente como das equipes de projeto e construção. O objetivo é dar segurança jurídica e previsibilidade principalmente a arquitetos e construtores.
Outro elemento importante definido nos contratos é que o construtor é inteiramente responsável pelo funcionamento de qualquer componente do projeto, mesmo que o arquiteto tenha indicado algo incompatível. Em contrapartida, o construtor tem a prerrogativa de escolher o processo técnico e construtivo dos elementos de projeto. O arquiteto pode sugerir resoluções, mas contanto que o design seja respeitado, o construtor tem a última palavra sobre o como resolvê-lo.
Em uma estrutura de projeto tão dinâmica, o controle da equipe de projeto sobre a execução é feito primordialmente através de RFIs (Request for Information) e “shop drawings” (pré-executivo de materiais, serviços, e equipamentos). Os RFIs documentam as dúvidas da equipe de construção em relação aos desenhos, a serem respondidas pela equipe de projeto em um tempo determinado. Já os shop drawings são submetidos por fornecedores e fabricantes para a aprovação dos projetistas de todos os componentes de determinado serviço antes da fabricação/instalação. No total foram mais de 15 mil documentos/revisões submetidos para a análise de arquitetos e consultores durante a construção em quase 5 anos.
O projeto do PAC foi construído sobre um acesso de veículos existente no complexo, o que trouxe ainda mais complexidade à estrutura. O edifício é basicamente apoiado em 6 pilares retangulares feitos como caixotes de chapas de 15 cm de aço maciço; o restante da estrutura é atirantada de cima para baixo. Outro fator desafiador foi o fato da estrutura do teatro ter que ser completamente independente do restante do edifício. O projeto também seguiu um processo de “fast-track” no qual a fabricação da estrutura (e seus shop drawings) é liberada antes da entrega do projeto executivo com o intuito de acelerar a construção.
A multidisciplinaridade da equipe de projeto do PAC permitiu o desenvolvimento e criação de algumas novas tecnologias para construção. A utilização de pedras cortadas em fina espessura para ficarem translúcidas já existiam em igrejas góticas, mas nunca haviam sido laminadas e encaixilhados nessa escala. Para viabilizar os painéis, foram realizados diversos testes com produtos selantes para garantir a integridade e controle das características da pedra, principalmente térmico e de umidade. Ao fim, o painel consistiu em estrutura de vidro-pedra-vidro-vácuo-vidro para atingir o desempenho necessário. O processo de fabricação dos painéis partiu da extração dos blocos de pedra (Mármore Granoguli) em Viçosa (Portugal), o corte dos filetes de pedra na Itália, posteriormente levados até a Alemanha para serem laminadas e encaixilhadas, antes de serem transportadas de navio para Nova York.
Outra tecnologia adequada para o projeto, foi a das portas guilhotina que separam os três teatros um do outro. A ideia das portas era de ter a flexibilidade de unir os espaços performáticos. O único fabricante no mundo de portas dessa escala era a empresa Clark Door, localizada no norte da Inglaterra. A empresa construiu um galpão para a fabricação e desenvolvimento da tecnologia que entregasse 120 minutos de resistência a fogo, além da vedação completa contra a fumaça.
O custo estimado da obra publicado girou em torno de 500 milhões de dólares, pagos por diversas doações privadas, com maior destaque para Ronald Perelman, e Michael Bloomberg. A título de comparação com o contexto brasileiro, o teatro Santander em São Paulo com escala e capacidade parecida, teria custado aproximadamente 100 milhões de reais, o que seria uma diferença em valores absolutos de mais ou menos 25 vezes. Se comparado a outro projeto emblemático de São Paulo apesar de um pouco menor, o Instituto Moreira Salles, na Paulista, que teve um custo de obra divulgado em 150 milhões de reais, a diferença em números absolutos seria de aproximadamente 15 vezes.
Com tudo isso, a principal razão pela qual o projeto foi possível como imaginado é o fato de estar na cidade de Nova York, com acesso a tecnologias de todo o mundo, tanto do ponto de vista logístico quanto financeiro. Mas para além da realização técnica do edifício, existe um relevante simbolismo em construir um equipamento dinâmico e cultural, em um espaço marcado por um evento traumático e sensível para a cidade. Como bem dito por Michael Bloomberg na inauguração do PAC em setembro deste ano, após a construção do museu e do memorial com objetivo de homenagear as vítimas e reerguer a cidade, este prédio veio para celebrar a vida e a produção humana, como forma de ressignificar a reabilitação daquele espaço urbano para a cidade.