O respeito ao próximo parece algo ainda distante de prevalecer na humanidade. Num mundo no qual as notícias nos abocanham com as mais distintas formas de violência, é sempre necessário buscar formas de encontrar o valor e a dignidade de cada pessoa e formas de respeitar o diferente. É necessário trabalhar a nossa tolerância perante o que desconhecemos e, neste sentido, a arquitetura pode ser uma importante aliada.
Por se tratar de um objeto construído e conformar um produto cultural, a arquitetura pode desempenhar um papel fundamental para a promoção da diversidade e mitigar a intolerância. Hoje, no Dia Internacional para a Tolerância - data criada pela ONU em 1995 para lembrar que todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião - trazemos alguns edifícios que servem de referência quanto ao símbolo que representam e o espaço que geram para debates, proteção e celebração de distintas formas de existir, demonstrando que a partir da construção de um lugar democrático é possível romper barreiras e atravessar fronteiras para conhecer àqueles que diferem de nós mesmos e, assim, brindar novas perspectivas para a vida de cada um a partir da troca.
Com o desejo de ressoar conceitualmente com a profunda herança africana nos Estados Unidos, Freelon Adjaye Bond venceu o concurso para projetar o Museu Nacional da História e Cultura Afro-americana, no qual os visitantes são guiados "em uma jornada histórica e emocional, caracterizada por vastos espaços sem colunas, com entradas dramáticas de luz natural e uma paleta de materiais diversos, compreendendo concreto pré-moldado, madeira e uma pele de vidro por trás da envoltória de bronze." Um projeto que demonstra a todos os estadunidenses, a partir da forma, programa e conteúdo, como suas histórias e culturas são moldadas e informadas por influências globais, a partir da perspectiva negra.
Também fruto de um concurso público, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago do Chile, foi projetador por Mario Figueroa, Lucas Fehr e Carlos Dias. Além de outras camadas que envolvem o projeto, aqui se destaca o efeito de transparência "que o projeto possui desde dentro para fora, através da solução de vidro e a envolvente de cobre, é verdadeiramente reconhecível, sobretudo durante à noite: o edifício se transforma em uma esplendida lâmpada urbana que descansa sobre a praça, tal como devem estar, neste momento, nossas centenas de almas desparecidas." Uma simbologia sutil que surge a partir da forma arquitetônica para manter a memória e o significado do próprio museu presentes no cotidiano chileno.
Já no caso do trabalho humanitário de Yasmeen Lari é difícil incluir uma única obra, mas vale ressaltar como ela consegue tecer as arquiteturas a partir de técnicas tradicionais para abordar importantes questões sociais locais. Por exemplo, quando constrói edifícios comunitários e centros para mulheres em várias vilas de Sindh, no Paquistão, reconhecendo as necessidades das mulheres por espaços sociais fora de casa e ainda separados das áreas públicas, que ajuda no acolhimento e capacitação das mulheres.
Neste sentido, vale trazer também a requalificação de uma antiga torre de uso misto em Shenzen para se tornar o Centro para Mulheres e Crianças. Realizada pelo MVRDV, agora o espaço, além de sua fachada que faz brilhar nos cores no centro da cidade, traz espaços de bem-estar de mulheres e crianças: uma biblioteca, um auditório, um teatro infantil e uma "sala de descobertas", além de salas de terapia que ajudam a trabalhar a saúde mental da população.
Trabalhar com comunidades marginalizadas também é uma forma de combater as intolerâncias e trazer novas oportunidades de vida para os cidadãos. Assinado por Keré Architecture, o Centro Comunitário Kamwokya procura manter e valorizar o caráter público e livre do local, ao invés de impor uma nova estética. Assim, ao ampliar delicadamente este espaço com uma linguagem conhecida pela população, junto de uma qualidade técnica que garante o conforto dos usuários, a população se apropria e se orgulha do espaço, colaborando com sua gestão.
Por fim, numa escala menor, vale citar o projeto do Homomonument, uma articulação entre arquitetura, memória e patrimônio. Desenhado por Karin Daan, o projeto ganhou um concurso realizado pela prefeitura de Amsterdã em 1980. O monumento homenageia gays e lésbicas perseguidos por suas orientações sexuais durante a ocupação nazista na Holanda, tornando-se o primeiro do mundo a se manifestar perante tal acontecimento. Hoje, se tornou um lugar simbólico na cidade que serve como um especial ponto para a Parada do Orgulho de Amsterdã, mas também como um palco urbano no qual é possível celebrar, homenagear e manifestar causas de toda a comunidade.
Portanto, criar espaços para comunidades que sofrem violências pode se tornar uma poderosa ferramenta para promover a tolerância e celebrar a diversidade cultural, contribuindo para a construção de sociedades mais inclusivas e compreensivas. Mais do que pensar apenas nos programas e usos, a incorporação de signos e símbolos importantes, tanto nos edifícios como nas cidades, é uma forma tangível de expressar e respeitar as diversas identidades culturais que compõem toda a população.