Desde março de 2018, quando um tremor de magnitude 2,5 na escala Richter assustou os moradores de Maceió, a população da capital do estado alagoano passou a tomar conhecimento e, aos poucos, a lidar com as consequências de uma tragédia que logo viria à tona. Após o surgimento de uma série de rachaduras e crateras em diferentes bairros da cidade, feitas as análises geológicas devidas, foi constatada a principal causa do afundamento do solo: a atividade de extração de salgema, minério utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC, empreendida em Maceió há mais de 40 anos pela empresa petroquímica Braskem.
Com novos tremores em novembro de 2023 e o risco iminente de desabamento das minas, o caso de Maceió voltou a ser noticiado pelas mídias brasileiras e seu desenrolar lança luzes sobre uma série de complexidades urbanas que estão implicadas na tragédia. Desde os danos físicos à infraestrutura da cidade, passando pelas remoções e deslocamentos populacionais, a inflação e a especulação imobiliária, o desenrolar dos acontecimentos provocados pelo desastre revela cenas dolorosas, no que já vem sendo tratado como uma das piores tragédias urbanas do mundo. Imersa na crise, a população da cidade sofre diante dos danos incalculáveis: "A rachadura não foi só nos imóveis, foi em nós, na alma".
Passados mais de cinco anos dos primeiros tremores, muitas modificações aconteceram em Maceió, principalmente nos bairros diretamente ameaçados, como Bebedouro, Bom Parto, Mutange, Pinheiro e Farol. O desastre provocado pela Braskem resultou em danos físicos devastadores à infraestrutura urbana da cidade: rachaduras sinuosas, crateras profundas e a desagregação do solo tornaram-se características cada vez mais visíveis e alarmantes, comprometendo não apenas a integridade de ruas e calçadas, mas também a estabilidade de edifícios, que em alguns casos precisaram ser demolidos para garantir a segurança da população. Bairros isolados, ruas vazias e prédios demolidos passaram a ser o cenário de uma parte da cidade, como uma cidade-fantasma em ruínas que insiste em escancarar e reivindicar, silenciosamente, sua própria tragédia.
Reconhecidos os danos irreversíveis ao meio urbano e a pelo menos 14 mil imóveis, com as ordens de evacuação e isolamento das áreas afetadas, ao longo dos últimos anos mais de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas sem saber se um dia poderiam retornar ou não. Laços e afetividades construídas ao longo de décadas e assentadas sobre o território, seja entre os próprios moradores ou da população geral com seus bairros e dinâmicas, precisaram ser desfeitos e encerrados de maneira brusca e dolorosa.
Hoje, quando passamos pelos bairros que foram desocupados, vemos locais onde antes havia prédios, escolas que agora são ruínas ou terrenos baldios; muitos prédios tiveram que ser demolidos porque corriam o risco de cair. O que pesa para as pessoas que deixaram esses bairros é a quebra da convivência com familiares e amigos, porque são bairros onde as pessoas passaram a vida inteira, cresceram, criaram seus filhos, viram seus netos crescerem, e aí, de uma hora para outra, são retiradas desse lugar e se espalham pela cidade. Vizinhos que sempre viveram juntos, a praça onde as pessoas costumavam sentar pra conversar, hoje não existe mais. Virou realmente uma espécie de cidade-fantasma. — Cau Rodrigues
E para além da perda dos laços afetivos, os residentes dos bairros também tiveram que lidar com a complexa burocracia de indenizações e realocações de suas moradias e de suas vidas. Em entrevista ao podcast O Assunto, Cau Rodrigues, coordenador de conteúdos do portal g1 Alagoas, relata sobre o difícil processo enfrentado pela população. Ele conta que após o relatório do serviço geológico brasileiro, confirmando que a causa dos problemas era de fato a mineração empreendida pela Braskem, a empresa criou um programa de compensação financeira, oferecendo apoio de realocação e indenização para as famílias. No entanto, os valores eram insuficientes para que elas mantivessem o mesmo padrão de moradia anterior, tanto no que diz respeito à qualidade e tamanho dos imóveis, quanto no que se refere a sua proximidade ao centro da cidade: "Há famílias que saíram, por exemplo, do bairro de Pinheiros, que fica a cinco quilômetros do centro, e foram pra bairros muito mais afastados, a dez ou quinze quilômetros do centro, porque foi onde conseguiram um imóvel do mesmo padrão daquele em que viviam antes".
Outro ponto que merece destaque foi a diferenciação no tratamento e velocidade dos processos, concedidos de maneira desigual aos moradores de classe média e de classe baixa, igualmente afetados pelo desastre. Sem apoio ou indenização, muitas famílias mais vulneráveis se viram forçadas a se mudarem para regiões afastadas do centro ou para municípios vizinhos da capital, sem nenhum respaldo da Braskem, modificações que alteraram, de maneira decisiva e fundamental, seus cotidianos e dinâmicas.
Com as transformações em curso, desencadeadas pelo desastre, Maceió também passou a sofrer ainda mais com a inflação e a especulação imobiliária. Em 2020, após a notícia de que 17 mil pessoas seriam removidas dos bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e Mutange, o valor dos aluguéis aumentou em 20%, de acordo com a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (Ademi-AL). Em 2023, a capital alagoana foi a campeã de alta nos preços dos imóveis, ultrapassando capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, registrando mais de 15% de alta nos preços de casas, apartamentos e pontos comerciais, dificultando ainda mais o reassentamento da vida dos moradores.
Entre rachaduras e silêncios, uma parte de Maceió transformou-se numa espécie de cidade-fantasma, marcada indelével e dolorosamente pelo desastre causado pela Braskem. Desde os primeiros tremores até os eventos mais recentes, bairros outrora vibrantes foram transformados em paisagens desoladas e demolidas. Neste panorama desafiador, a cidade clama por atenção, justiça e reconstrução, enquanto sua população busca, aos poucos e de maneira resiliente, reconstruir seus lares e suas vidas, ainda carregando as cicatrizes do passado.