A cidade de São Paulo, marcada por sua imensidão e diversidade cultural, por vezes também é palco de muitos conflitos relacionados à ocupação de seu espaço urbano. Uma história que se estendeu por mais de quatro décadas, a disputa pelo terreno ao lado do Teatro Oficina, projetado por Lina Bo Bardi na região do Bixiga, finalmente culminou na criação de um tão esperado equipamento público: o Parque do Rio Bixiga. Esse processo não é apenas uma vitória para a comunidade local e artística, mas também uma conquista notável na perspectiva do direito à cidade e do lazer paulistano, especialmente após anos de confronto com o Grupo Silvio Santos.
A história dessa disputa remonta à década de 1980, quando o Grupo Silvio Santos adquiriu a área ao redor do Teatro Oficina, de aproximadamente 11 mil metros quadrados. Desde então, o terreno tornou-se o epicentro de um embate entre interesses privados e a necessidade de se preservar um espaço cultural e histórico importante para a cidade. O desenrolar da narrativa ainda contou com um confronto quase teatral entre o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro, e o comunicador e empresário Silvio Santos, proprietário do terreno, enfrentamento que lançou luzes sobre um certo "caráter de teatralização das relações imobiliárias e das políticas urbanas".
O Teatro Oficina, com sua arquitetura única e contribuições significativas para as artes cênicas, representa não apenas um patrimônio arquitetônico, mas também um símbolo da resistência cultural na cidade. A relutância com relação à apropriação privada do terreno ao lado do Teatro não visava apenas a melhor preservação do espaço cultural, mas também a proteção do direito da comunidade ao maior usufruto do ambiente urbano. Dentre as propostas apresentadas pelo Grupo Silvio Santos ao longo das últimas décadas, já esteve a criação de um shopping center e de três torres multiuso com mais de 100 metros de altura, modalidades que entram em conflito não somente com as pretensões projetuais de Lina Bo Bardi, mas também com as dinâmicas urbanas e artísticas existentes naquele espaço.
Ao longo dos anos, o embate entre o Teatro Oficina e o Grupo Silvio Santos se desdobrou em batalhas legais, mobilizações populares e uma complexa teia de negociações. A comunidade local, artistas, intelectuais, entre outros aliados, uniram forças para resistir à pressão do desenvolvimento imobiliário privado. Zé Celso também desempenhou um papel crucial nesse embate, em que sua liderança e paixão pelo teatro como uma forma de expressão cultural e política foram elementos catalisadores para a resistência contra a apropriação privada do terreno adjacente. Este, objeto de cobiça por sua localização estratégica, tornou-se um campo de batalha simbólico entre a especulação imobiliária e a preservação da identidade cultural e do direito à cidade.
A área do entorno do Teatro, a partir da Rua Oficina, ainda ‘embecada’, se transforma num Pulmão, num Chacra do Bexiga. Um choque na vida de Sao-Pan toda ‘guetada’, toda enclausurada em guetos, pobres ou ricos. Um ponto de encontro, como toda metrópole deseja, necessita uma Lapa, um Pelourinho da Paulicéia. — José Celso Martinez Corrêa
Assim, a criação do Parque do Rio Bixiga é, portanto, um momento de triunfo não apenas para a comunidade paulistana, que ganha mais um espaço público de lazer, mas também para o legado cultural e político de Zé Celso, falecido em 2023. Seu comprometimento com a resistência cultural e o direito à cidade contribuíram significativamente para moldar o novo capítulo dessa batalha longa e complexa, e sua persistência junto à comunidade também é um testemunho das tentativas de construção de uma metrópole mais justa e equitativa.
De acordo com o Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo, serão destinados R$ 51 milhões para a implantação do Parque. A verba, que virá de um acordo do Ministério Público com a universidade privada Uninove, também será utilizada para a tentativa de compra do terreno nas mãos do Grupo Silvio Santos, e caso o acordo não seja aceito, será feito o pedido de desapropriação. Além disso, o projeto ainda será submetido à Câmara dos Vereadores.
O Parque do Rio Bixiga será um elemento importante e enriquecedor para as dinâmicas urbanas locais, oferecendo um ambiente tranquilo para praticar esportes, participar de eventos culturais ou simplesmente relaxar em meio à natureza. Ele também se torna um farol para outras comunidades que enfrentam desafios urbanos semelhantes, em que se destaca a importância da persistência e da mobilização coletiva na busca pelo direito à cidade. A criação do Parque também sublinha a necessidade de uma abordagem mais cuidadosa e equitativa no desenvolvimento urbano, reconhecendo que o crescimento da cidade não pode ocorrer à custa da perda de seus espaços culturais e públicos.
A criação do Parque do Rio Bixiga, ao lado do Teatro Oficina, é um testemunho da resiliência da comunidade na construção de uma metrópole mais justa e habitável. O que começou como uma disputa por um terreno tornou-se uma celebração da resistência cultural, social e urbana. Também é fundamental reconhecer que essa criação não significa o fim de todas as batalhas, e a preservação de espaços públicos muitas vezes requer uma vigilância constante da comunidade. O Parque, portanto, não é apenas um ponto final, mas um ponto de partida para uma abordagem mais consciente e participativa no desenvolvimento urbano. Para além de mais um espaço verde, ele é uma conquista coletiva que reforça a ideia de que o direito à cidade é uma batalha que vale a pena ser travada, mesmo que leve décadas para ser vencida.