Arquitetura comunitária para a cura: A Oca da Saúde no Movimento Integrado de Saúde Mental 4 Varas

A Oca da Saúde é uma das construções que compreendem o Movimento Integrado de Saúde Mental (MISMEC) 4 Varas, localizada na Barra do Ceará, periferia de Fortaleza, funcionando como um espaço de cura, oferecendo cuidados e experiências holísticas gratuitas à comunidade. A construção foi erguida por mestres tradicionais juntamente com os moradores da região, possuindo uma tipologia arquitetônica de caráter afro-indígena com rico simbolismo ancestral.

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Vista externa - Fonte: Wesley Pacífico.

Contexto do projeto

O movimento MISMEC 4 Varas se caracteriza por ser uma entidade civil, de caráter filantrópico, que teve sua origem, sobretudo, em decorrência do aumento da demanda de problemas psicológicos sofridos pela comunidade do Grande Pirambu¹ na década de 1980. Diante desse panorama adverso, o psiquiatra cearense Adalberto Barreto, inicia, em baixo de um cajueiro, as primeiras rodas de conversas comunitárias, que posteriormente se incorporaram a um projeto de extensão universitária, até se criar a Terapia Comunitária Integrativa (TCI).

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Gleba inicial do projeto na década de 1980 - Fonte: Acervo MISMEC 4 Varas

A TCI é uma prática coletiva que usufrui de recursos culturais, saberes tradicionais e de vida para acolher o sofrimento humano e promover a saúde mental, a qual é atrelada, atualmente, à política de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) do Sistema Único de Saúde (SUS)

Para concretizar no espaço o caráter histórico e sociocultural presente no cerne do MISMEC 4 Varas foi de fundamental importância a utilização de uma arquitetura sensível, natural e comunitária, que reforçasse as práticas construtivas e sociais já estabelecidas no entorno, criando, assim, ambientes terapêuticos acolhedores, com áreas de diálogo, convivência e intercâmbio cultural.

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Primeiras rodas de terapia comunitária - Fonte: Acervo MISMEC 4 Varas.

A organização espacial das áreas de cuidados coletivos, individuais e de apoio no terreno ocorre de modo fragmentado, interligando-se e acolhendo a natureza com percursos sinuosos contemplativos. A intensa e variada vegetação gera um microclima único para os usuários, tendo o cultivo das espécies vegetativas diretamente ligadas às propriedades curativas e manifestações espirituais e culturais. Além disso, o paisagismo incorpora-se a um horto, sendo utilizados em diferentes áreas do projeto, como na cozinha para alimentação; nas terapias, como no escalda-pés, e na fabricação de remédios naturais elaborados na Farmácia Viva Comunitária Professor Abreu de Matos.

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Corredor - Fonte: Wesley Pacífico.

Arquitetura comunitária para a cura

As estruturas arquitetônicas foram executadas por construtores tradicionais, sendo erguidas rapidamente, em questão de meses ou até dias, refletindo o domínio dos mestres das tradições frente a essas técnicas construtivas, que requerem uma mão-de-obra extremamente qualificada nesses saberes ancestrais.

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Reunião comunitária para a nomeação da nova oca - Fonte: Acervo MISMEC 4 Varas.

Dentro desse templo de cuidados, está a Oca da Saúde, responsável pelos cuidados individuais, criando ambientes de reconstituição pessoal, por meio de uma perspectiva complementar entre os conhecimentos acadêmicos e populares. Nesta, os atendimentos são ofertados em dez cabines distintas e reservadas, sendo eles: argiloterapia, atendimento psicológico, banho de ervas, massagem, reza, reiki e ventosaterapia.

O projeto foi idealizado pelos construtores Aurélio Barreto e Antônio da Silva, sendo auxiliados tanto pelas equipes de materiais, quanto pelos moradores da comunidade. Isso gerou um canteiro vivo por proporcionar trocas de saberes intergeracionais, assumindo um caráter pedagógico, importantíssimo para a difusão e salvaguarda oral dessas técnicas tradicionais.

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Vista interna - Fonte: Wesley Pacífico.

A Oca da Saúde possui um simbolismo presente desde seu formato até a escolha dos materiais. Sua forma oval, que simboliza um útero, remete à ideia de que os terapeutas são parteiros de lembrança uns dos outros. O telhado de palha de carnaúba refere-se à efemeridade das situações, trocada periodicamente. As conchas, presentes no piso e na cortina, fazem alusão à metáfora popular: “uma ostra que não foi ferida, não produz pérolas”.

A concepção estrutural da Oca da saúde, com quarenta pilares roliços de eucalipto espaçados em, aproximadamente, dois a três metros, permite uma espacialização das cabines de atendimentos na sua extremidade e a criação de um jardim central ao ar livre. Esse átrio é de extrema importância para os banhos e para os rituais ali praticados, por serem cultivadas plantas fitoterápicas como boldo, capim-cidreira, manjericão, entre outras, além de contribuir para o conforto térmico e para a iluminação natural do ambiente, junto às paredes de bambu e de tiras de cipó que dão transparência às cabines.

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Jardim interno - Fonte: Wesley Pacífico.
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Perspectiva explodida Oca da Saúde - Fonte: Adrísia Marques.

Uma das etapas essenciais para a sustentação dessa oca são os encaixes estruturais. No pilar, observa-se um recorte perpendicular lateralmente no seu topo para receber a viga por meio de uma ligação por entalhe, servindo para transferir esforços de compressão entre as peças, além do aparafusamento e de peças de madeiras auxiliares para garantir a fixação. Já a ripa, é aparafusada perpendicularmente no caibro e a palha de carnaúba é encaixada, de forma natural e artesanal, nas ripas.

A Oca da Saúde e o projeto MISMEC 4 Varas reforçam a importância de uma documentação da arquitetura tradicional para fins pedagógicos e de proteção patrimonial. Ambos são símbolos de resistência aos padrões vigentes da arquitetura produzida pelo setor imobiliário de Fortaleza, sobretudo aquele localizado na orla mais abastada, de caráter predatório e colonial.

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Entorno da Oca da Saúde - Fonte: Wesley Pacífico.

FICHA TÉCNICA

Mestres Tradicionais: Aurélio Barreto, Antônio da Silva e a comunidade do Grande Pirambu
Cidade: Fortaleza/CE
Área: 302,56 m²
Ano: 2008
Fotografias: Wesley Pacífico

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Este texto é parte do Trabalho de Conclusão de Curso da arquiteta Adrísia Marques, intitulado: Oca Zilma Saturnina - Ampliação da sede do Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (MISMEC) 4 Varas. Foi realizado sob a orientação do Prof. Clevio Rabelo, no curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Ceará em 2023.

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Sobre este autor
Cita: Adrísia Marques e Clevio Rabelo. "Arquitetura comunitária para a cura: A Oca da Saúde no Movimento Integrado de Saúde Mental 4 Varas" 31 Jan 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1012791/arquitetura-comunitaria-para-a-cura-a-oca-da-saude-no-movimento-integrado-de-saude-mental-4-varas> ISSN 0719-8906

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