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Historicamente, diversas cidades pelo mundo foram assentadas e construídas sobre encostas, em que se é possível notar os inúmeros desafios urbanos enfrentados por elas, em razão de suas condições topográficas. Mas para além de questões relativas à suas infraestruturas urbanas ou aos seus sistemas de transportes, que podem tornar-se mais complexos devido à geografia do local, a ocupação urbana de encostas também costuma envolver diversas interseções de questões sociais, ambientais e econômicas.
Muitas vezes, essas ocupações são realizadas por comunidades vulneráveis e de baixa renda, impulsionadas por uma série de motivações. Com frequência, a falta de informações sobre certos perigos, aliada à escassez de políticas habitacionais adequadas, resulta em decisões e ações que colocam essas comunidades em situações de alto risco, especialmente durante o período de chuvas, resultando em um ciclo que afeta desproporcionalmente os residentes mais marginalizados.
A busca por moradia acessível, a proximidade ao trabalho ou à região central da cidade, ou simplesmente a falta de opções habitacionais viáveis e de políticas públicas são algumas das razões que levam muitas famílias a ocuparem áreas de encostas nas cidades, onde encontram terrenos mais baratos e, aparentemente, acessíveis. No entanto, a topografia irregular e muitas vezes instável dificulta a construção de moradias seguras e estáveis e as comunidades que se estabelecem nessas áreas frequentemente enfrentam dificuldades para acessar serviços básicos, como água potável, eletricidade e saneamento. Além disso, a falta de infraestrutura adequada, como estradas e sistemas de drenagem, também agrava os desafios enfrentados.
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Durante os períodos chuvosos, os riscos associados à ocupação em encostas tornam-se ainda mais evidentes e perigosos. As chuvas intensas saturam o solo, aumentando significativamente sua instabilidade, o que torna as encostas propensas a deslizamentos de terra e erosão. A remoção da vegetação natural para dar lugar à construções e infraestruturas, além de contribuir para a perda de biodiversidade e a degradação do meio ambiente, também aumenta a impermeabilização do solo e o escoamento superficial. Desprotegidas, as encostas podem ceder sob o peso da água, o que pode destruir casas, bloquear estradas e causar ferimentos graves e perda de vidas humanas.
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Nesse contexto, também é importante relacionar a discussão sobre as ocupações urbanas em encostas com o racismo ambiental, termo cada vez mais presente nos debates contemporâneos, e que está inserido em muitos desafios enfrentados pelas cidades. O racismo ambiental refere-se à distribuição desigual de impactos ambientais negativos, que muitas vezes afetam de forma desproporcional as comunidades racial e economicamente mais vulneráveis. Nas cidades em encostas, essa dinâmica é evidente, pois são justamente as comunidades negras e pobres as mais afetadas pelas problemáticas citadas, e também as mais estampadas e veiculadas nas notícias, diante das perdas sofridas. Segundo matéria de Fernanda Rosário publicada na agência de comunicação Alma Preta:
Esse racismo também está na falta da elaboração de políticas públicas e ambientais e se revela na ausência de aplicação de leis e regulamentos que protejam populações em vulnerabilidade, além de medidas de conservação ambiental que desconsideram o manejo sustentável e ancestral dos povos tradicionais, que são os principais responsáveis pela manutenção da biodiversidade. [...] As populações mais impactadas pelo racismo ambiental são quilombolas, povos pesqueiros, indígenas, ribeirinhos, periféricos, pessoas negras e demais grupos e comunidades tradicionais. São povos constantemente ameaçados pelo risco da contaminação, do desabamento, do rompimento de barragens, das invasões do agronegócio e pelos efeitos das mudanças climáticas, por exemplo.
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É essencial o reconhecimento da necessidade de abordar as desigualdades estruturais que perpetuam o racismo ambiental nas cidades. A partir da discussão sobre a ocupação urbana em encostas, é possível visualizar a interseção existente entre desigualdade social, vulnerabilidade e racismo ambiental, onde as comunidades de baixa renda, frequentemente compostas por pessoas de minorias étnicas e raciais, são desproporcionalmente afetadas por esses eventos, que muitas vezes, ainda são narrados e colocados como "naturais".
Para lidar com esses desafios complexos, é necessário adotar uma abordagem integrada que leve em consideração não apenas as questões de habitação e segurança, mas também os aspectos sociais e ambientais envolvidos, assim como as especificidades de cada topografia e ambiente urbano. Isso requer o envolvimento ativo das comunidades afetadas e em risco, o fortalecimento das políticas públicas voltadas para a habitação e a adoção de medidas efetivas de prevenção de desastres em áreas propensas a deslizamentos de terra e outros eventos, a fim de criar comunidades mais seguras e equitativas, que possam viver com dignidade e segurança em nossas cidades.