Localizada em Lauro de Freitas, cidade baiana próxima a Salvador, a Escola Acalento, projetada por Carl von Hauenschild, é um exemplo onde arquitetura e pedagogia se entrelaçam de forma harmoniosa, refletindo a influência da filosofia antroposófica tanto no projeto arquitetônico quanto na pedagogia Waldorf praticada pela escola.
A Antroposofia, criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) no início do século XX, é uma filosofia que entende o ser humano de maneira integral, abrangendo seus aspectos físicos, emocionais e espirituais. Essa abordagem holística encontrou terreno fértil em diversas áreas do conhecimento, como a medicina antroposófica, a agricultura biodinâmica, a pedagogia Waldorf e até mesmo a arquitetura, influenciando significativamente o desenvolvimento da arquitetura orgânica.
No caso da pedagogia Waldorf, além de priorizar a segurança e a funcionalidade dos espaços, enfatiza-se o uso pedagógico do ambiente em si mesmo. Essa abordagem reconhece que o espaço físico onde a aprendizagem se desenvolve exerce uma influência significativa no processo educativo, não sendo, portanto, um cenário passivo para a aprendizagem, mas um componente ativo e dinâmico essencial para o desenvolvimento físico e anímico das crianças ao estimulá-las a desenvolverem seu próprio potencial. Podemos dizer, portanto, que as ideias de Steiner influenciaram não apenas a metodologia pedagógica, mas também o espaço onde a educação acontece. Por isso, não é surpresa que muitas escolas Waldorf apresentem uma arquitetura pouco convencional, com formas orgânicas, materiais naturais, espaços flexíveis e o compromisso de construir ambientes que promovam autonomia, liberdade e um desenvolvimento humano integrado à natureza e às artes.
A Escola Acalento é um exemplo sensível de como o espaço físico pode ser um agente ativo no processo de formação. No entanto, é curioso que o projeto, que participou da 6ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2005, tenha pouco reconhecimento enquanto uma referência contemporânea de arquitetura. Nesse sentido, esta é uma oportunidade de mais pessoas conhecerem um projeto que merece maior reconhecimento, dada sua irreverência, sensibilidade e qualidade, principalmente no contexto em que está inserida.
A Acalento foi construída em 2004 com um programa que abrange desde o berçário até o ensino fundamental, e suas instalações incluem salas de aula, salas de arte, biblioteca, refeitórios, cozinha, anfiteatro, horta, galinheiro e piscina. Quando entramos, somos recebidos em um pátio amplo, com um pé-direito elevado, onde um anfiteatro multifuncional abriga uma multiplicidade de atividades, desde apresentações escolares até aulas de tecido acrobático. Logo atrás da rampa de acesso ao pavimento principal, contígua ao pátio, vemos o jardim ao redor do qual a escola está construída e que abriga brinquedos e um riacho preservado. Essa única rampa nos conecta ao pavimento superior.
Na perspectiva antroposófica, o uso consciente do espaço inclui o envolvimento com a natureza, facilitando o desenvolvimento sensorial e motor das crianças, além de fomentar a imaginação e a criatividade. Essa integração com a natureza, portanto, não é apenas estética, mas também funcional, criando um ambiente propício para o aprendizado e o desenvolvimento pessoal. Nesse contexto, a área verde central da escola, onde os alunos brincam e desenvolvem atividades pedagógicas ao ar livre, é um exemplo claro dessa abordagem. Como mencionado, o projeto também preserva nessa área um riacho que atravessa a escola e deságua no Rio Joanes, além de utilizar filtros biológicos para o tratamento do esgoto, contribuindo para um funcionamento sustentável da escola.
A ventilação natural das salas de aula também reduz o impacto ambiental e cria um ambiente de aprendizado mais saudável. Por se tratarem de janelas amplas, evita-se a sensação de enclausuramento, ao mesmo tempo que se estabelece uma conexão visual contínua com a paisagem externa e com a dinâmica da própria escola, tornando a permanência nas salas uma experiência que reforça a importância de um processo de aprendizagem que se desenvolve em integração com a natureza, seus ciclos e as dinâmicas sociais do cotidiano escolar (fluxo em áreas comuns, horários de entrada e saída, interações durante os intervalos etc.).
Nos refeitórios, a cozinha não é isolada, o que é interessante, pois não separa esse serviço, que faz parte de uma dinâmica cotidiana de cuidado, com o espaço experimentado pelas crianças. O mobiliário do refeitório também foi projetado pelo arquiteto.
A escola possui formas bastante expressivas, uma característica também muito relevante para a Antroposofia que tem uma aplicação direta na pedagogia Waldorf. Os corredores sinuosos, que variam entre mais largos e mais estreitos e dialogam com o espaço externo, evitam a sensação opressiva e monótona de paredes paralelas com uma repetição de portas, tão comuns em outros projetos educacionais. Esse desenho contribui para uma experiência que ativa o corpo e os sentidos. Vale ressaltar que a escolha por formas orgânicas neste projeto não é puramente estética ou formal; as arcadas, por exemplo, foram escolhidas também por diminuir a reverberação de ruídos, oferecendo maior conforto acústico para a escola.
Carl von Hauenschild explica que a escola foi projetada com uma preocupação ecológica e econômica, que o levou a escolher uma variedade mínima de materiais. Priorizando a simplicidade e a funcionalidade, a construção foi feita com apenas dois modelos de tijolos cerâmicos, combinados com cobogós, resultando em uma estrutura econômica e visualmente instigante. Esses materiais, simples, de baixo custo e facilmente encontrados na região, foram usados sem reboco ou revestimentos, apenas com impermeabilização. A variação do tom resultante da queima dos blocos cerâmicos acrescenta uma camada sensorial às paredes, desafiando o preconceito de que construções de tijolo sem reboco são inacabadas e demonstrando que integrar esses materiais é também um recurso sofisticado e funcional. Outros materiais, como o granito das bancadas e o piso cerâmico, se repetem e contribuem para essa coesão estética e funcional.
Essa “honestidade construtiva”, entendida pela escolha dos materiais aparentes, se destaca como uma característica do projeto, que também não possui forro e conta com instalações que facilitam a manutenção e adaptações futuras.
Pensar os materiais como são e explorar sua capacidade de servir é também uma filosofia central no projeto. A arquitetura da escola encanta por essa simplicidade material e conceitual, combinada com a complexidade plástica e criativa.
O arquiteto, também conhecido pela icônica cobertura da Estação do Aquidabã em Salvador (uma estrutura paraboloide hiperbólica construída em aço em 1979), trouxe a mesma atenção aos detalhes para a cobertura da Acalento. Na escola, a cobertura destaca-se pelos gestos sinuosos na cumeeira, que conferem movimento à estrutura. A técnica "mão de amigo", que consiste em recortes e entalhes para proporcionar maior resistência nos encaixes entre as vigas, foi utilizada para assegurar uma cobertura mais leve e eficiente. Cabos de aço fixados aos caibros suportam os vãos — solução comum em indústrias para eliminar empuxo lateral — resultando em uma estrutura tanto estética quanto funcional.
A escola já passou por expansões e adaptações ao longo dos anos. Diversas soluções econômicas e eficientes destacam o cuidado e a inventividade como marcas significativas de um projeto que acolhe as necessidades de transformação que surgem com o uso. Um exemplo é o aumento do beiral para proteção contra a chuva, utilizando tela de proteção originalmente destinada a estacionamentos.
Outra solução sutil que nos chama a atenção foi a escolha por posicionar as cubas de forma a estimular o uso compartilhado por três crianças. Essa é uma leitura comportamental muito sensível, pois leva em conta a maneira como as crianças interagem nos espaços, promovendo um ambiente que incentiva o desenvolvimento social e o compartilhamento. É, portanto, um gesto pedagógico da arquitetura que se articula com a noção de que o aprendizado ocorre tanto através do ensino quanto na interação cotidiana com o espaço físico.
Visitar um projeto com mais de 20 anos e perceber como ele envelheceu muito bem é um testemunho de longevidade e adaptabilidade de uma boa arquitetura, que pode ser simples e ainda assim encorajar a criatividade.
Sem dúvidas, a arquitetura exerce um papel educador. A partir de estímulos ambientais são geradas respostas corporais e afetivas que, embora não sejam sempre claras, estão sempre presentes e atuam sobre nossas conduta e desempenho. O panóptico descrito por Foucault é um clássico exemplo de como é possível vigiar e controlar através do espaço. Sendo assim, o espaço em que se vive e onde se convive é um dos fatores que influencia e atua sobre o desenvolvimento de uma criança.
Nesse sentido, uma perspectiva crítica sobre a arquitetura é essencial: a escolha de materiais, suas técnicas, suas relações de trabalho e poder, e a qualidade no uso do espaço influenciam como as pessoas se relacionam entre si e com o ambiente construído. O projeto da Acalento exemplifica como a combinação de princípios antroposóficos e práticas arquitetônicas sensíveis pode resultar em um ambiente eficiente, funcional e esteticamente instigante. Em um mundo cada vez mais tecnológico, uma abordagem holística oferece um respiro e afirma a importância de estar em sintonia com a natureza e os ciclos naturais.
Referências
- Kowaltowski, D. (2011). Arquitetura escolar. São Paulo: Oficina de Textos.
- Alvares, S. L. (2010). Traduzindo em formas a pedagogia Waldorf (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual de Campinas.
- A Cidade Precisa de Você e Escola Sem Muros. (2019). Arquitetura para Autonomia - ativando territórios educadores (1ª ed.). A Cidade Press.
- Mösch, Michael. Arquitetura Antroposófica: as artes plásticas e o desenvolvimento da alma humana.
- NAMU. (2016). Antroposofia e arquitetura orgânica [Vídeo]. YouTube.
- e Oliveira, T. R. S. C., & De Cunto, I. (2018). Colaborações de arquitetura, psicologia e pedagogia Waldorf para escolas. Revista Terra e Cultura: Cadernos de Ensino e Pesquisa, 31(60), 11-24.