Pesquisa revela diferenças de representatividade de raça e gênero no Pavilhão do Brasil em Veneza

"A história da arquitetura está incompleta. Não errada, mas incompleta", disse Lesley Lokko ao anunciar o Laboratório do Futuro, tema da Bienal de Arquitetura de Veneza 2023. Ecoando o enunciado da curadora, um novo estudo publicado pelo Studio Autonoma, liderado por Paulo Tavares, revela disparidades profundas na representatividade do pavilhão do Brasil no maior evento de arquitetura do mundo.

Intitulada Censo Histórico do Pavilhão Brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza (1980-2021), a pesquisa revela uma discrepância significativa no perfil dos curadores e participantes ao longo dessas três décadas, com um predomínio de homens brancos, oriundos da região sudeste do Brasil, particularmente de São Paulo.

De acordo com o levantamento, 97% dos curadores no período analisado eram brancos, e 76,48% eram homens. Entre os participantes cujos trabalhos foram apresentados nos pavilhões, as estatísticas são semelhantes: 93,17% eram brancos, enquanto 77,52% eram homens. A participação de negros foi de apenas 2,02%, e não houve representação indígena em nenhuma das edições estudadas. Os números são indicativos de um quadro de exclusão no cenário arquitetônico, que reflete, de forma mais ampla, a estrutura desigual e classista da sociedade brasileira.

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À esquerda: dados de gênero e raça sobre curadores. À direita: Dados de gênero e raça sobre participantes. Fonte: Studio Autonoma

Outro dado relevante apresentado pelo censo é a concentração geográfica dos curadores e participantes. A região sudeste responde por 90,36% dos participantes de todos os pavilhões, com São Paulo sendo o estado mais representado. No total, 73,52% dos curadores e 60,64% dos participantes vieram de São Paulo, reforçando a centralização das oportunidades no eixo sudeste, em detrimento de outras regiões do país, como o norte e o nordeste, que tiveram pouca ou nenhuma representação ao longo das décadas.

O censo foi elaborado a partir de uma sistematização de diversas fontes, incluindo pesquisas acadêmicas, catálogos de exposições e documentos disponíveis online. Seu objetivo é fornecer uma visão crítica sobre as participações brasileiras na Bienal de Arquitetura de Veneza, destacando como a noção de "representação nacional" foi moldada por dinâmicas de poder, desigualdade racial, de gênero e regional. Ao olhar para a história do pavilhão, percebemos que a arquitetura brasileira exibida internacionalmente está completamente alienada da realidade social, étnica e territorial do país.

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Mapa das regiões dos curadores e participantes combinados. Fonte: Studio Autonoma

Os dados estatísticos apresentados no censo evidenciam a necessidade urgente de políticas públicas que incentivem uma maior diversidade nas representações brasileiras em eventos internacionais de arquitetura. A ausência de vozes afro-brasileiras e indígenas no Pavilhão da Bienal contrasta fortemente com a realidade demográfica do Brasil, que tem uma das maiores populações negras do mundo. Além disso, a falta de diversidade de gênero no campo curatorial e de participação reforça a perpetuação de uma elite arquitetônica que não reflete as múltiplas identidades do país.

"a diversidade é nossa norma"
— Lesley Lokko

Embora o censo não abarque a edição de 2023, ele foi parte fundamental da pesquisa que deu origem à proposta curatorial do Pavilhão "Terra", projeto desenvolvido por Gabriela de Matos e Paulo Tavares, que colocou em evidência a importância de repensar a representação nacional, levando em consideração a diversidade arquitetônica e cultural do Brasil. O estudo se apresenta como um importante passo em direção à ampliação desse debate, oferecendo dados que podem guiar novas iniciativas em busca de maior equidade e inclusão no campo da arquitetura.

A publicação do Studio Autonoma não é apenas uma análise histórica, mas um chamado à reflexão sobre como o Brasil pode, e deve, rever suas práticas institucionais para assegurar que, em futuras edições da Bienal de Arquitetura de Veneza (e outros eventos), as diferentes vozes e histórias que compõem o país possam ser realisticamente representadas.

O censo está disponível para download aqui.

Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Pesquisa revela diferenças de representatividade de raça e gênero no Pavilhão do Brasil em Veneza " 22 Out 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1022548/pesquisa-revela-diferencas-de-representatividade-de-raca-e-genero-no-pavilhao-do-brasil-em-veneza> ISSN 0719-8906

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