O que a arquitetura fez pela democracia de Portugal — e o que o período democrático fez para a arquitetura portuguesa? São as indagações que norteiam a exposição O que faz falta. 50 anos de arquitetura portuguesa em democracia, organizada pela Casa da Arquitectura, que celebra os cinquenta anos da Revolução dos Cravos de 1974.
Sob a curadoria de Jorge Figueira e curadoria-adjunta de Ana Neiva, a exposição destaca a relação íntima entre arquitetura e o regime democrático em Portugal e explora como os arquitetos portugueses contribuíram para a consolidação democrática, transformando o espaço público e privado do país ao longo de cinco décadas.
Composta por 50 projetos, a mostra percorre diferentes contextos sociopolíticos, apresentando uma leitura panorâmica da produção arquitetônica desde o período pós-revolucionário até os dias atuais. Segundo o diretor-executivo da Casa da Arquitectura, Nuno Sampaio, "foram reunidos mais de 400 projetos, do acervo da Casa da Arquitectura e de outras instituições, como a Fundação Instituto Marques da Silva, a Fundação Calouste Gulbenkian e o PCP/SIPA, que serviram de base para essa exposição que apresenta um conjunto de 49 obras e um projeto não construído."
A exposição está dividida em cinco módulos temáticos principais, além de um módulo inicial e outro que fecha a mostra. O percurso começa com o preâmbulo Before, que evoca a repressão e a resistência cultural em Portugal antes da democracia. A experiência ocorre em uma pequena sala técnica, onde um trecho de Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (as "Três Marias"), é reproduzido.
Na sequência, Revolution, aborda o período logo após a Revolução dos Cravos, em que emergem novas demandas sociais e projetos arquitetônicos voltados para o espaço público. Esse período revolucionário e pós-revolucionário é marcado por uma estabilização liberal e pela implementação de programas públicos inovadores que redescobrem a identidade arquitetônica portuguesa. Projetos como o Bairro da Bouça, de Álvaro Siza, e o Bairro Casal das Figueiras, de Gonçalo Byrne, compõem a narrativa.
O módulo seguinte, Europa, examina o impacto da adesão de Portugal à Comunidade Econômica Europeia e suas consequências na infraestrutura nacional. Obras como a Pousada de Santa Marinha da Costa, de Fernando Távora, e as Piscinas de Campo Maior, de João Luís Carrilho da Graça, refletem a modernização das cidades e o desenvolvimento do território. "Os primeiros blocos da exposição se dedicam a projetos voltados à escala pública, cívica — o espaço da democracia", comenta o curador Jorge Figueira, "mas essa escala vai se transformando e, nas décadas mais recentes, vemos uma redução da escala dos projetos."
Essa transformação é visível na passagem dos módulos posteriores. Fin de Siècle captura o final do século XX, um momento de reflexão e balanço do passado, refletindo o otimismo e a valorização da arquitetura como força essencial para a sociedade portuguesa através de projetos como o Estádio de Braga, de Eduardo Souto de Moura, e o Centro de Artes de Sines, de Aires Mateus.
Troika, por sua vez, investiga a crise econômica e identitária que marcou o início do século XXI em Portugal. Com a prática arquitetônica sendo reconfigurada, observa-se o crescimento do turismo e as adaptações que essa nova realidade trouxe. Este módulo oferece uma visão sobre os desafios enfrentados pelo setor e a necessidade de reinventar o fazer arquitetônico em tempos de crise, apresentando obras como o Metro do Porto, de Eduardo Souto de Moura, e o Complexo de Artes e Arquitectura da Universidade de Évora, de Inês Lobo e João Ventura Trindade.
O último módulo, Wi-Fi, foca em projetos mais recentes e de menor escala. "Vemos uma coleção de projetos de pequena escala, alguns experimentais, outros voltados a programas privados, mas que mostram a pluralidade e diversidade de abordagens. Nesse módulo ficam evidentes algumas agendas urgentes da atualidade, como o meio ambiente, a sustentabilidade, e o reuso de edificações", comenta a curadora Ana Neiva.
A exposição termina com o módulo After, representado por duas obras de arte que vislumbram o futuro da arquitetura e da democracia em Portugal. A instalação Anexo, de Sandra Poulson, é uma apropriação simbólica da arquitetura informal, reconstruída para provocar reflexões sobre o espaço precário e as realidades urbanas. Além dela, a obra multimídia O que faz falta: módulo multimédia participativo, de Sérgio M. Rebelo, convida os visitantes a interagir digitalmente, compartilhando suas opiniões e pontos de vista sobre os temas da arquitetura e democracia.
Com um acervo que inclui maquetes, desenhos, fotografias e vídeos, a exposição busca conectar a produção arquitetônica às transformações sociopolíticas do país, revelando como a arquitetura serviu não só como um reflexo das mudanças, mas também como catalisadora de transformações sociais.
O que torna esta exposição especialmente relevante é a sua capacidade de trazer à tona debates contemporâneos sobre o futuro do espaço democrático. A curadoria cuidadosa promove uma reflexão crítica sobre o papel que a arquitetura tem desempenhado nos últimos 50 anos em relação ao acesso à habitação, à educação, à saúde, à cultura, ao espaço público e, mais recentemente, à sustentabilidade ambiental e econômica. No entanto, mais do que uma celebração do passado, O que faz falta é uma indagação sobre o porvir. Questiona — e o faz literalmente no último módulo — o que falta para que a arquitetura contemporânea atenda às demandas e necessidades do futuro das cidades portuguesas.
A mostra abre ao público no dia 26 de outubro, e conta com programa paralelo durante todo o final de semana. Para mais informações, acesse o site da Casa da Arquitectura.