
Se você ainda não viu "O Brutalista" e pretende ver, recomendo que não prossiga a leitura deste texto e o guarde para depois da sessão. Há spoilers em muitas linhas subsequentes. Caso o leitor espere ler aqui uma crítica de cinema, peço desculpas antecipadamente porque irei frustrá-lo: isto aqui é uma crítica arquitetônica a partir de assuntos abordados na película.
A frase final do filme incita um interessante debate sobre o processo de projeto de arquitetura: "Não importa o que os outros tentem lhe vender, o que importa é o destino, não é a jornada." A frase foi dita por Zsófia, sobrinha do arquiteto ficcional László Tóth, protagonista de "O Brutalista", durante o epílogo que apresenta o seu reconhecimento internacional em uma cerimônia da primeira Bienal de Arquitetura de Veneza, de 1980, cujo título era a "A presença do passado".
No momento de celebração, a herdeira externaliza uma versão das razões que levaram o autor modernista a tomar determinadas decisões de projeto. O centro comunitário numa zona rural do estado norte-americano da Pensilvânia possuía, segundo Zsófia, espaços internos de estreita largura com pés-direitos bastante altos e limitadas aberturas para entrada de luz natural por ser uma alusão ao interior das câmaras de gás dos campos de concentração. Ao longo do filme, várias falas sugerem que o judeu Tóth teria sobrevivido a essa cruel máquina da morte projetada pelos nazistas, mas isso fica explícito apenas na fala final da sobrinha ao revelar que ele sobrevivera a Buchenwald durante a Segunda Guerra Mundial.
Aliás, é fictício o centro comunitário cuja construção é o objeto central do roteiro de "O Brutalista". No entanto, se o leitor quiser adentrar uma ambiência arquitetônica similar a descrita por Zsófia, vá até o Museu Judaico de Berlim, projeto pós-moderno de viés desconstrutivista do arquiteto Daniel Libeskind.
É fundamental reiterar que a justificativa não foi proferida pelo autor do projeto. Tóth estava presente na cerimônia em Veneza, mas envelhecido, enfermo e retorcidamente sentado cadeira de rodas. Quando a herdeira fala "o que importa é o destino, não é a jornada", há uma defesa de que o trauma da vida e o desafio da realização da obra são sublimados pelo resultado arquitetônico em si – isto é, pela experiência do visitante no interior da arquitetura.
Aqui reside a contribuição mais intelectualmente sofisticada que "O Brutalista" proporciona ao debate arquitetônico: o processo de projeto pode ser totalmente eclipsado pelo seu resultado final? Que informações do período da construção permanecem relevantes para as virtudes ou problemas da vivência em um edifício pronto? Em que medida a biografia do arquiteto é importante para compreender a sua obra?
O roteiro é ambivalente com relação a tais questões. Afinal, enquanto o discurso de Zsófia possui um tom celebratório no qual László Tóth é propagandeado como um personagem heroico e vitimizado, o filme exibe por mais de três horas um trágico percurso de vida de uma pessoa de temperamento difícil, atitudes polêmicas e, dependendo do julgamento do espectador, até falhas morais.
Estando mais ou menos conscientes disso, é comum que pesquisadores e especialistas em arquitetura recaiam no apagamento da jornada de vida ou na reescrita da trajetória do arquiteto em prol da análise restrita ao desenho e à experiência dentro da edificação em si.
Igualmente existe a crença de tantos arquitetos-projetistas que o resultado – o edifício construído – seria autônomo. Como se a experiência pessoal do autor não refletisse (ou não importasse) na obra. Ou como se o processo de projeto e construção, recorrentemente tortuoso e traumático, não devesse ser exteriorizado ou divulgado, porque poluiria a compreensão do que seria a arquitetura em si.
Esse não é um debate fechado. E não há sequer insinuação no filme de uma resposta monolítica – tampouco eu almejo solucionar aqui a querela. A validade de "O Brutalista" para arquitetos está na apresentação de questões muito incômodas de teoria de projeto e para a historiografia da arquitetura.

Outros tópicos suscitados pelo filme merecem ser listados.
A relação entre cliente e arquiteto foi recolocada no vínculo entre o magnata Harrison Lee Van Buren e o arquiteto Tóth. À parte a carga dramática do estupro cometido pelo industrial, o elo estabelecido entre o autor do projeto e seu contratante contém aspectos universais no campo arquitetônico. São absolutamente verossímeis e recorrentes as cenas cinematográficas em que o cliente busca modificar as proporções do desenho, seja por motivos de gosto pessoal, seja por justificativas orçamentárias, as quais frequentemente apenas dão um verniz matemático a um desejo subjetivo. Não raro, bons arquitetos veem-se em uma situação como a da cena em que László Tóth reduz a própria remuneração para que seu projeto seja executado de uma maneira mais próxima à idealizada. Ao mesmo tempo, a película demonstra o quão ingênuo seria considerar que o desenho do arquiteto é soberano e livre: as vontades do cliente influenciam muito nas transformações entre o edifício concebido pelo autor e a sua transfiguração no mundo real. Este debate já ocorreu de maneira mais aberta em períodos anteriores ao século 20: inclusive com momentos mais radicais, como a supressão da figura do arquiteto em Veneza de 1650 até o final do Setecentos, quando os proprietários escolhiam autonomamente os elementos de seus edifícios em Tratados Arquitetônicos de séculos precedentes.
Concluída minha divagação, é preciso dizer que "O Brutalista" incomoda arquitetos também porque possui problemas. O principal infortúnio é o fraco projeto do centro comunitário na Pensilvânia. O arquiteto real daquele edifício fictício não foi feliz. Pouco parece uma obra modernista dos anos 1950 e mais está para um revivalismo, que remete a um castelo medieval sobre um morro ou uma cidadela antiga italiana com suas torres, tal como San Gimignano.
Com um pouco de rigor histórico, o filme não se sustenta em diversos aspectos. Há certo simplismo na correlação entre o nome do filme e as características do edifício principal em concreto aparente.
A rotulação "brutalista" é problemática desde sua gênese. O termo começa a emergir com o uso da expressão francesa béton brut para descrever a estrutura da Unidade de Habitação de Marselha (1947-1952) de Le Corbusier. Contudo, a popularização da palavra brutalismo com tal sufixo inicia apenas em um memorial descritivo do projeto não executado do casal Alison e Peter Smithson para uma casa no bairro do Soho, em Londres, publicado na revista britânica Architectural Design, em dezembro de 1953. O termo consolida-se com o artigo "The New Brutalism" do crítico de arquitetura inglês Reyner Banham para a Architectural Review, em dezembro de 1955. Os primeiros exemplos em língua inglesa para brutalismo não eram de concreto, mas de estrutura metálica, porque, segundo os Smithson, a questão central era ter a "estrutura inteiramente exposta, sem acabamentos internos". Isto posto, o filme tem um certo problema de datação ou László Tóth teria sido um gênio também por antecipar ideias nos anos em que manuseava pilhas de carvão.
Parece uma certa economia no pagamento da taxa de direitos autorais pelos produtores do filme quando se vê a versão tosca da "Cantilever Chair" ou da "Cesca Chair", de Marcel Breuer, posta à venda na vitrine da loja de móveis do primo de Tóth. Para além da origem húngara e judaica e a formação na Bauhaus, a correspondência entre o arquiteto fictício e Breuer não avança muito – recomendo o retorno às aulas de história da arquitetura àqueles que ficam repetindo isso. Marcel Breuer e seu mestre Walter Gropius imigraram para os Estados Unidos como membros do corpo docente de Harvard em 1937, ou seja, em uma condição bastante privilegiada. Não existiu qualquer notório arquiteto judeu da Bauhaus que tenha se mudado para a América do Norte depois da Segunda Guerra Mundial, muito menos precisando de ajuda de voluntários para se alimentar. O roteiro do filme confunde a narrativa do imigrante de classe baixa com a de um profissional que traz consigo certo prestígio.
O que há de mais bauhausiano (e belo) no filme é o projeto gráfico elaborado para os textos de créditos de abertura, mudança de partes e conclusão. Esta identidade visual remete aos cartazes desenvolvidos por Joost Schmidt, Herbert Bayer e Dörte Helm em um concurso da Bauhaus de 1923.
É bastante intrigante a escolha do diretor Brady Corbet pelo nome László Tóth: o arquiteto fictício é homônimo do cidadão que vandalizou com marretadas a Pietà de Michelangelo em 1972.
Por fim, cabe indicar que a frase final de "O Brutalista" é uma inversão de uma famosa citação do escritor Ralph Waldo Emerson: "Não é o destino. É a jornada."