Para quem não conhece Valparaíso, permita-me informá-lo: esta cidade é um tesouro. O Património Mundial da UNESCO e capital cultural do Chile é definida por seus caminhos sinuosos, ruas alegremente grafitadas, funiculares antiquados, e - acima de tudo - suas coloridas e apertadas colinas. E devido à sua densidade precária, a cidade foi recentemente arrasada por um incêndio florestal, incêndio que rapidamente se espalhou e consumiu 2.500 hectares, desalojando mais de 12,500 pessoas cujos lares foram destruídos.
As colinas mais atingidas pelos fogos são semelhantes às favelas brasileiras - habitadas por moradores informais que têm pouco ou nenhum acesso à infra-estrutura e que construíram suas próprias casas, de forma ilegal e, como provou o fogo, perigosa.
A resposta do governo chileno até então foi sugerir demolir e construir novamente “de forma mais ordenada.” Para tanto, o governo deu a entender que vai desapropriar terras e realocar cidadãos para locais mais seguros.
No entanto, os moradores já começaram a resistir a este resultado potencial. Nicolás Valencia, numa reportagem em Cerro Ramaditas (uma das comunidades de encosta mais devastadas pelo fogo), disse que muitos se recusaram a sair por medo de que suas terras sejas tomada; aqueles que saíram, realizaram marcações "de forma a isolar o que eles consideram deles com pedaços de madeira ou latas."
É um dilema preocupante: expulsar as vítimas do único lar que eu já conheceram ou relegá-los à vida com risco de catástrofe futura. Mas poderia haver uma outra maneira?
De acordo com a presidente Bachelet, muitas das colinas de Valparaíso não podem ser adequadamente protegidas contra a ameaça de um incêndio; assim, um masterplan está supostamente sendo feito para impedir que as vítimas reconstruam suas casas nos lotes anteriormente ocupados.
Especialistas de arquitetura e planejamento urbano chilenos estão, em grande parte, de acordo: o professor de arquitetura Jonas Figueroa disse à Associated Press, "O governo é responsável por ter permitido que casas fossem construídas em áreas de risco, e de alguma forma ele tem que mostrar a essas pessoas que elas ocupam um lugar que coloca suas vidas em risco.”
O sentimento foi ecoado pelo arquiteto e urbanista chileno Iván Poduje, que em uma entrevista na TV disse que ". O Estado [deve], embora possa ser doloroso, impedir que casas sejam construídas nestas zonas de risco" Ele continuou: "Há uma idealização da pobreza de Valparaíso [...] o que existe realmente é uma enorme quantidade de famílias que vivem em favelas, nas comunidades alienadas sem infra-estrutura adequada. "
Embora muitos moradores gostariam de reconstruir essas comunidades exatamente como eram, esta opção seria irresponsável na melhor das hipóteses; não só essas comunidades não têm instalações de água / esgoto /elétricas adequadas, mas as casas foram construídas sobre “fundações inadequadas em encostas perigosas e sem possibilidade de que veículos de emergência possam alcançá-las durante uma crise.”
No entanto, o que o governo tem proposto até agora - a construção de ruas largas e "estruturas mais seguras", que provavelmente será construído com materiais industrializados - parece ignorar o contexto social e urbano que faz de Valparsíso única. A presidente Bachelet disse que deseja "reconstruir de forma mais ordenada, melhor e de maneira digna do status de Valparaiso como Cidade Patrimônio Mundial." A grande ironia, claro, é que esse tipo de reconstrução eliminaria exatamente o que fez Valparaíso digna desta honra.
Mais importante, no entanto, ainda estou para ver como o governo planeja manter o caráter dessas comunidades, e como eles pretendem envolver as vítimas no processo de reconstrução - se possível. Os esforços de reconstrução do governo após o terremoto e o tsunami de 2010 foram de sucesso variado; contudo, um dos projetos mais bem-sucedidos, ainda em curso, tem sido o projeto de reconstrução em Constituición, do escritório ELEMENTAL, um projeto que dependeu profundamente de informações e colaboração dos moradores.
Os moradores de Valparaíso estarão envolvidos na reconstrução de sua comunidade? Será que suas vozes serão ouvidas? Poderiam soluções de projeto inovadoras lideradas pela comunidade resolver os problemas que o governo assume serem resolvidos apenas por tratores?
Poduje sugere que Valparaíso poderia tomar como inspiração Medellín, na Colômbia, uma cidade que investiu em "retirar pessoas de locais inseguros", mas também em "construir teleféricos e pontes, entre outras coisas, para diminuir a pobreza nas suas encostas." Medellin realizou uma sistemática campanha de acupuntura urbana que poderia servir de inspiração a Valparaiso; entretanto, a cidade possui diversas soluções mais próximas.
Nosso correspondente em Cerro Ramaditas relatou ter visto terraços feitos de pneus, pilares de concreto e estruturas metálicas entre os escombros. De fato, os únicos remanescentes postos de lado, conforme os voluntários fazem a limpeza dos destroços, são estes (potencialmente valiosas) painéis de metal. O arquiteto chileno Juan Pablo Fernández, que tem ajudado como um voluntário, explica que todos os outros materiais estão sendo descartados, para ser transportado para aterros.
Ele nota que há uma maneira melhor, tanto para as famílias e para o ambiente: "Em Valparaíso existiu e, até certo ponto ainda existe, a tradição da construção de moradia com estruturas de madeira preenchidas com tijolos de adobe, o que melhora a habitabilidade. O sistema combina flexibilidade e resistência aos terremotos [...] Na melhor das hipóteses, estes módulos que não foram alterados em suas dimensões podem ser re-utilizados."
O Chile é um país com 3,500 estudantes de arquitetura e forma 1,400 arquitetos por ano. 12.500 vítimas foram deixadas sem casas. Em conjunto, com certeza soluções inovadoras a nível de material, construção e planejamento podem ser pensadas e executadas - ideias que garantam a segurança e a qualidade de vida dos vulneráveis moradores de Valparaíso, que busquem mitigar danos ao meio ambiente, e que mantenham as características urbanas únicas que fazem Valparaíso especial.
No domingo, o prefeito de Valparaiso, Jorge Castro, lamentou sobre o “desenvolvimento desordenado” de sua cidade, dizendo, "estamos vulneráveis demais como uma cidade: Temos sido os construtores e arquitetos de nossos próprios perigos."
Chegou a hora para o povo de Valparaíso ser construtor e arquiteto de sua própria transformação.