Humildade e um grande sentimento de insignificância é o que se gera ao escrever sobre Blade Runner, filme culto e que traz uma grande reflexão, de múltiplas interpretações, as quais têm sido abordadas com grande maestria por muitos outros autores difíceis de superar. Essa resenha, humilde e respeitosa almeja criar em suas breves páginas uma aproximação a este grande imaginário, convidando ao leitor a maravilhar-se e perder-se em sua mitologia.
A imagem de Blade Runner nasce da ideia de representar o conceito de Megalópolis, cidade descomunal cuja extensão parece infinita e que não termina no horizonte. Cidade decadente, composta por um grande conglomerado de arranha-céus que nascem de subúrbios superpovoados e de chaminés industriais, as quais cospem fogo, como fosse o próprio inferno. Metáfora por todos os lados, com ruas cheias de poluição, violência, ruído, invasão publicitária, ingredientes de uma metrópole caótica a qual não é mais um exagero das características que definem a cidade atual.
Nesse sentido, a cidade é resultado da convergência de três épocas: os anos quarenta como referência clara ao seu ambiente de cinema negro; a época dos anos oitenta como ponto de partida de sua produção e com os recursos limitados do seu tempo: e o suposto ano de 2019, com sua estética futurista e distópica, de automóveis voadores e de tecnologias impossíveis. Essa três épocas podem ser vistas com clareza nas distintas camadas que a cidade tem para nos mostrar.
Possui um forte caráter eclético para o desenho dos seus cenários, o qual inclui o filme dentro de paradigma da cidade pós-moderna. O próprio diretor afirma que a cenografia urbana foi baseada na combinação de várias fontes inquietantes: Hong Kong, Nova Iorque e a cidade "Metrópolis" de Fritz Lang. Esse ecletismo vai desde a utilização das ordens clássicas, como forte referencial a um passado melhor, edifícios de uma volumetria funcional, de cilindros babélicos e de pirâmides truncadas que lembram muito as pirâmides egípcias e astecas.
Cidade de artérias sujas, cheia de automóveis voadores em suas camadas altas, mais modelos antigos abarrotados nas calçadas, cheia de pessoas que não se olham entre si e que desaparecem em um instante convertendo as ruas em um lugar inóspito, solitário e deprimente.
Suas ruas nos mostram um futuro multicultural, onde etnias de todo o planeta convivem em um mundo superpopuloso. Cada etnia desempenha uma atividade distinta dentro da cidade e isso faz com ela pareça mais uma cidade medieval do que uma cidade do futuro. Somente existe pobreza e miséria entre suas ruas, porque são os pobres aqueles que não podem aspirar e sair às colônias espaciais, onde se anuncia em gigantescos anúncios voadores a esperança de um amanhã melhor.
O espaço urbano de Blade Runner reproduz os códigos insistentes do capitalismo contemporâneo, onde não existe maior lei do que a do capital, onde não existe a imagem de um governo unitário, mas sim a de milhares de anúncios piscando em que se anuncia todo tipo de mercadorias. Não há uma identidade social entre seus habitantes, o único denominador é o dinheiro e a escuridão de suas ruas.
Dentro dessa cidade não há refúgio a seu caráter solitário e deprimente, ainda que os espaços interiores resultem ser uma continuidade dos exteriores. Espaços densos, cheios de sombras e de luzes brumosas, sempre insuficientes, de frios decorados que fazem referência ao caráter utilitarista da própria cidade. Blade Runner é uma obra mestre, cheia de detalhes que caem em um barroquismo pós-moderno, devido ao caráter perfeccionista do seu diretor. Altamente recomendável e uma experiência inesquecível.
CENAS CHAVE
1. Los Angeles, Megalópolis e Hades
Hades Skyline, como havia sido chamado o panorama urbano de 2019 nos mostra uma cidade infinita no horizonte, cheia de zonas industriais que evocam uma imagem do inferno.
2. Cidade Eclética e Expressionista
Apresenta grandes edifícios de pirâmides truncadas e cilindros babélicos, submetidos a um funcionalismo extremo que deve muito ao cinema expressionista alemão.
3. O Triunfo do Capitalismo Liberal
Dentro da cidade não existem nações nem identidade social, somente anúncios gigantescos e luzes de neon, de companhias que controlam a cidade graças ao seu poder monetário.
4. Uma Terra Superpovoada
A publicidade anuncia uma vida melhor nas colinas espacias, diante de uma terra superpovoada e onde seus habitantes, seres marginais, não podem se dar ao luxo de sair da terra.
5. A Comparação das Metrópolis
O desenho da cidade toma emprestado muitos elementos da arquitetura expressionista de Fritz Lang, como a óbvia comparação da torre de Babel com a delegacia.
6. Continuidade do Espaço
Os espaços interiores não são distintos dos exteriores, mas sim resultam ser uma continuidade. Densos, sombrios, de luzes brumosas e iluminados escassamente.
7. Uma Cidade Multicultural
A presença de numerosas etnias culturais lembra muito a cidade medieval, onde cada gueto se especializava em uma atividade econômica.
8. O Lar do Faraó
Como elemento central da cidade levantam-se as pirâmides da corporação Tyrell e seus interiores lembram muito a um palácio egípcio desde o qual o faraó dirige a cidade.
9. Ennis House de Frank Lloyd Wright
Evitando um envelhecimento prematuro para a ambientação do fim, foram escolhidos edifícios de patrimônio histórico, que refletiram um passado melhor cujo o presente é decadente.
10. A Solidão como Elemento Metafórico
Foi escolhido o Bradbury Building, emblemática edificação da cidade de Los Angeles, para transmitir o grande abandono e solidão tanto dos protagonistas como da própria cidade.
11. Um Lugar Inóspito para a Vida
Nas ruas, a luz do dia tem sido ofuscada pela sombra dos edifícios e pela poluição e substituída por luzes de neon. As ruas permanecem vazias como se a cidade estivesse morta.
12. Uma Cenografía Barroca
Blade Runner baseia sua cenografia em motivos religiosos e míticos. Talvez, a cena final no terraço é onde isso se reflete mais. Uma briga entre Prometeu e a humanidade.
PERFIL DO DIRETOR
Ridley Scott é um consagrado diretor de cinema de origem britânica, nascido em 30 de novembro de 1937. Ele estudou pintura da Royal Collage of Art onde ajudou a criar o departamento de cinema. Em 1963 conseguiu trabalho como cenógrafo assistente na BBC e mais tarde em 1968 fundou com seu irmão Tony a "Ridley Scott Asociation”, em que se dedica a dirigir anúncios televisivos. O estilo de sua cinematografia lhe dá um papel fundamental à experiência sensorial, no qual a iluminação, a fotografia, a ambientação, música e som são um membro a mais dentro do grupo de atores. Essa tendência pode ser vista ao longo de todos os seus filmes, os quais são lembrados por parte do público não somente pelas atuações de seus protagonistas ou pelos momentos álgidos de seus roteiros, mas, sim pela sua ambientação e estética. Ele foi catalogado como um visionário dentro do mundo do cinema. Depois do êxito do seu filme "Alien", recebeu várias ofertas para dirigir filmes de ficção científica, dos quais queria se afastar. Entrou em "Blade Runner" depois de participar de uma reescritura do seu roteiro. Contou com um orçamento ajustado e a filmagem foi difícil devido ao seu perfeccionismo para a tomadas, que se repetiam com frequência e eram adiadas diante do seu desgosto com a iluminação dos ambientes do filme.
FICHA TÉCNICA
Data de Estreia: 25 de Junho de 1982
Duração: 117 minutos
Gênero: Suspense / Ficção Científica / Drama
Diretor: Ridley Scott
Roteiro: David Webb / Haptom Farcher
Fotografía: Jordan Cronenweth
SINOPSE
No século XXI a grande Corporação Tyrell, desenvolveu uma série de robôs chamados Nexus 6, virtualmente idênticos ao homem e conhecidos como "Replicantes", utilizados como escravos para a colonização espacial devido a sua força e resistência superiores. Por causa de uma sangrenta rebelião, os replicantes foram banidos da face da Terra e as forças especiais chamadas "Blade Runners" foram encarregadas de caçá-los. Rick Deckard, um ex-Blade Runner é chamado a ação depois que um grupo de replicantes chegam a Terra. Ele é encarregado de caçá-los, sabendo que suas intenções são as de estender seu período de vida.