Originalmente publicado em ArchNewsNow com o nome "Crowdsourcing Design: The End of Architecture, or a New Beginning?", este artigo de Michael J Crosbie examina o furor que há ao redor de websites de crowdsourcing como o Arcbazar, explicando o porque as críticas contra eles não se justificam.
A algumas semanas atrás, o ArchNewsNow publicou um artigo do Orange County Register sobre o aumento da popularidade do “crowdsourcing” para realizar projetos arquitetônicos. Talvez você já esteja familiarizado com o conceito de crowdsourcing: utilizar a internet para reunir soluções para, virtualmente, qualquer problema ou tarefa de pessoas ao redor do mundo. A ideia tem sido usada para gerar soluções para proporcionar água limpa para países do terceiro mundo, criar websites inteiros como a Wikipedia, etc. Tais atividades são, normalmente, vistas como "prejudiciais", no linguajar do momento, da maneira que elas oferecem maneiras alternativas para atingir um resultado que tem sido, tradicionalmente, alcançado através de outros meios. (ArchNewsNow é "prejudicial" no sentido de que ele oferece uma saída alternativa para a notícia arquitetônica, que afeta o tradicional mundo editorial arquitetônico da mídia impressa.)
Leia mais para descobrir por que nesta nova tendência "prejudicial" não há nada a se temer.
A ideia de utilizar o crowdsourcing para realizar um projeto arquitetônico é bastante prejudicial, alguns de seus críticos diriam até cataclísmico. O objeto de sua aflição é um website, o arcbazar.com, que entrou em funcionamento em 2011 e oferece uma interface entre as pessoas que procuram por serviços de concepção de projeto e aqueles que estão no mundo da construção e design que talvez venham a encontrar uma solução de projeto. Arcbazar foi iniciado por Imdat As, um arquiteto com doutorado em projeto arquitetônico pela Universidade de Harvard, que queria conectar arquitetos com clientes em potencial - durante a alta da recessão há alguns anos atrás. Arcbazar foi instantaneamente chamado de "99designs.com da arquitetura," por causa de um website que utilizava o crowdsourcing para realizar serviços de design gráfico. (Revelação: As e eu somos colegas no departamento de arquitetura na Universidade de Hartford.) Ele notou que a profissão de arquiteto está envolvida somente com uma fração do total da atividade de construção, expondo taxas potenciais que As estimou em $22 bilhões. O Arcbazar foi projetado como um veículo para arquitetos e designers se involverem em pequenos projetos para clientes que normalmente não procurariam serviços de concepção de projeto.
O site teve um início humilde: o primeiro projeto foi o de um closet em um quarto, que o cliente queria que fosse transformado em uma escrivaninha de estudos para a sua filha adolescente. O cliente publicou alguns desenhos de plantas e fotos, e ofereceu uma "recompensa" pelo projeto de 150 dólares. Quatro projetistas se inscreveram para o projeto, e dois, um graduando de arquitetura da Pennsylvania, e um estudante de arquitetura da Índia, publicaram soluções de projeto. O projeto vencedor mostrava como o closet poderia ser transformado em uma escrivaninha ao mesmo tempo que mantinha seu espaço de depósito. O cliente conseguiu um projeto que gostou e o vencedor conseguiu um pouco de dinheiro pelo esforço (o segundo lugar também recebeu uma quantia em dinheiro).
Desde seu lançamento, o Arcbazar atraiu cerca de 8.000 arquitetos e designers de todo o mundo (a maioria dos EUA e Europa) que se registraram no site, e mais de 500 projetos já foram publicados. Clientes podem postar um projeto de graça, fazer upload em imagens, informações do projeto, uma recompensa pela competição (normalmente algo em torno de 250 a 1.000 dólares, dependendo da área do projeto) e um prazo. Os projetistas então competem, fazendo upload nas soluções para que os clientes revisem e façam um ranking. Os projetistas podem fazer perguntas aos clientes através de um mural público no site, com respostas publicadas a todos os competidores. Os projetistas e os clientes se mantém anônimos entre si. A média do número de propostas de projeto é nove. O cliente então escolhe o primeiro, segundo e terceiro lugar, e o prêmio em dinheiro é dividido entre os vencedores: 60, 30, e 10%. O Arcbazar cobra do cliente 15% do valor do prêmio. O que acontece na sequência é decidido pelo cliente. Eles podem contratar os serviços de um arquiteto para detalhar um projeto, se o desejarem, podem contratar um empreiteiro para construí-lo, ou podem ir até o Home Depot e construir eles mesmos. A maioria dos projetos (mais da metade) são reformas de pequena escala ou acréscimos a casas, como também de design de interiores, espaço comercial, e paisagismo. Mas alguns projetos têm se mostrado mais complicados. Por exemplo, uma cidade em Massachusetts publicou um projeto para reformar um prédio da escola que ficou vazio por uma década, gerando idéias sobre como a edificação poderia ser utilizada. Este cliente já havia consultado com um arquiteto e foi lhe que custaria entre 100.000 e 150.000 dólares apenas para organizar e promover um concurso de projeto. A competição online gerou idéias de 80 projetistas de todo o mundo, que a cidade poderia, então, considerar e seguir com arquitetos locais se quisessem. Também é possível que a ideia do projeto vencedora seja seguida de modo "off-line".
“A pior coisa a acontecer com a arquitetura desde o surgimento da internet,” twitou a revista Dwell sobre o Arcbazar quando foi lançado (o tweet imediatamente direcionou o tráfego para o site). Desde então, grupos de discussão, artigos de notícias de dentro e de fora da imprensa arquitetônica, e comentários online consideraram as implicações do Arcbazar. Alguns dizem que ele está simplesmente reduzindo as taxas por serviços de concepção de projeto e desvalorizando a arquitetura. A quantidade escassa de informações fornecidas por alguns clientes e a incapacidade de projetistas de visitarem o local do projeto alerta que a qualidade de algumas soluções podem ser questionáveis, violando leis de zoneamento e códigos de construção, e que o Arcbazar está cometento um possível mal ao bem público. Em uma resposta ao artigo da Orange County Register, um arquiteto alertou que o Arcbazar poderia estar "ajudando e incitado a prática ilegal da arquitetura". Outro designer publicou em seu blog que o Arcbazar não permite que os clientes, arquitetos e consultores a trabalhem em conjunto nos projetos, que as taxas eram muito baixas, e que o resultado poderiam ser de "projetos que não se relacionam bem com seu entorno".
Imdat As responde dizendo que muitas das competições de arquitetura convencionais não oferecem a possibilidade de se visitar o terreno, então isto não é função do protocolo do crowdsourcing. O website permite que projetistas e clientes se comuniquem para esclarecerem os detalhes do projeto. Clientes são livres para buscar ideias de projetos que lhes sejam interessantes, e algumas vezes isto pode resultar em serviços de concepção de projeto adicionais para o vencedor. Reformas amplas e adições normalmente requerem uma licença de construção na maioria das jurisdições, o que deve filtrar zoneamento e violações do código.
Quanto à crítica de que tais projetos fomentam a "prática ilegal de arquitetura", é importante ressaltar que estes são projetos conceituais, não desenhos terminados que possuem uma documentação extensa. Você não tem que ser um arquiteto licenciado para prestar esse serviço, e a maioria dos projetos são tão pequenos que não necessitam dos serviços de um arquiteto.
Para a crítica de que o Arcbazar e o crowdsourcing estão baixando as taxas sobre os projetos, deve-se notar que muitos arquitetos hoje se envolvem em pedidos de propostas por pouca ou nenhuma compensação. O processo de pedido de proposta, que é essencialmente uma competição, tornou-se uma expectativa padrão do cliente que os arquitetos fazem pouco ou nenhum alarde sobre oferecer ideias de projeto "gratuitamente", na esperança de conseguir um trabalho. Nesta perspectiva, é óbvio que as baixas taxas relacionadas ao projeto não são um resultado do crowdsourcing. Mais uma vez, os projetos vencedores no Arcbazar normalmente não são elaborados, feitos em talvez algumas horas de trabalho, para as quais o projetista pode ganhar algumas centenas de dólares. Isso é mais do que a maioria dos arquitetos que ganham um pedido de proposta recebem por seus problemas.
O fenômeno do crowdsourcing aborda questões - e oportunidades - maiores . Para os jovens designers, o protocolo oferece a possibilidade de exercer suas habilidades de projeto em problemas que eles poderiam não ter noção, com a possibilidade de ganhar algum dinheiro e um pouco de notoriedade (o Arcbazar publica uma lista de seus projetistas vencedores). Além disso, os clientes que normalmente não aproveitariam de serviços de concepção de projeto buscam o conhecimento de arquitetos e designers, e estão dispostos a pagar pelos projetos vencedores. A crítica de que o crowdsourcing está tomando empregos dos arquitetos também não se justifica; arquitetos em escritórios convencionais jamais buscariam projetos tão modestos, já os clientes, de outro modo, não procurariam serviços de concepção de projeto.
Arquitetos estão sempre reclamando que o público não aprecia o que eles têm a oferecer, mas o público, pelo menos a maioria, não tem oportunidade de buscar e se beneficiar do trabalho de arquitetos e designers. O impacto das despesas gerais do escritório (incluindo os custos de seguro de responsabilidade civil) torna os custos dos serviços de concepção de projeto proibitivos para os mais modestos. Clientes que necessitam de pequenos trabalhos não tem ideia de como encontrar um arquiteto (a publicidade ainda é desencorajada, você não vai ver o rosto de um arquiteto grudado no fundo de um ônibus da cidade, como você vê o de um advogado).
O crowdsourcing providencia um meio de arquitetos e designers se conectarem com clientes que normalmente fora do alcance, para jovens talentos testarem suas habilidades e realizarem uma contribuição para o ambiente construído, para ser pago por um projeto vencedor e elevar o nível (espera-se) daqueles projetos tão singelos quanto uma pequena escrivaninha para estudos. A isso se soma, ainda, a conscientização pública em torno da arquitetura e do design.
Michael J. Crosbie, Ph.D., FAIA, é presidente do Departamento de Arquitetura, Decano Associado da Faculdade de Engenharia, Tecnologia e Arquitetura, e Professor na Universidade de Hartfort. É, atualmente, o Editor Chefe do Faith & Form, uma revista sobre arte e arquitetura religiosa. Ele é autor de mais de 20 livros sobre arquitetura e centenas de artigos no assunto. Arquiteto licenciado, fez parte do Centerbrook Architects e do Steven Winter Associates (uma das firmas líderes dos EUA em relação à arquitetura sustentável). Faz parte da Diretoria da Fundação de Arquitetura de Connecticut, está no Conselho Consultivo da Fundação de Arquitetura de Beverly Willis, e é membro da Faculdade de Bolsistas do Instituto Americano de Arquitetos.