A Plataforma do Parthenon / Auguste Choisy

Sobre a curvatura assimétrica dos degraus do limite poente

Durante uma estadia de muito curta duração que fiz em Atenas, minha atenção se fixou de uma maneira muito especial na disposição dos degraus talhados nas rochas entre os recintos do Parthenon e de Minerva Ergane. Esses degraus, paralelos à face ocidental do Parthenon, estão ligeiramente arqueados em direção ao céu [1], e reproduzem em suas formas quase que a própria curvatura do estilóbato estudado pelo Sr. Penrose.

© Choisy, 1899, fig.6, p.416

Curvar esses degraus como a própria base do templo, não significava em definitiva mais que estabelecer a harmonia entre duas partes de um mesmo todo através da aplicação de um procedimento decorativo uniforme; a existência de curvaturas nos degraus não tem portanto nada de surpreendente. Porém um fato mais inesperado é observado na posição dos ápices. Os pontos mais altos das arestas, ao invés de se alinharem ao eixo do templo, se deslocam à esquerda a uma distância de 7,50 m, e se põem entre o eixo do Parthenon e a grande via da Acrópole. Repetindo as observações, variando os pontos de vista, fiquei convencido de que tal aparência não é o resultado de uma ilusão de ótica; finalmente, a generosidade do Sr. Maniataki, diretor de obras públicas, me proporcionou os meios de submeter as curvas a medições exatas.

II. As causas da deformação que alterou a curvatura não seriam suficientes para explicar sua origem? – Notemos primeiramente que os degraus são talhados na rocha; e uma curvatura tão notável como esta cujos elementos medi não supõe nada menos que um fracionamento na própria massa rochosa, posterior à talha dos degraus. Existem fissuras, é verdade, mas a cristalização calcária que as preencheu não permite atribuir suas causas a alterações modernas. Aliás, como essas fissuras se dirigem todas ao Parthenon, a explicação que elas poderiam dar à curvatura dos degraus se aplica ao próprio templo; e não poderíamos admitir essa ideia sem abandonar assim as mais belas conclusões da grande obra de Penrose.

III. A única movimentação moderna constatada na Acrópole é uma elevação no ângulo S.O., assinalada pelo Sr. Paccard. Ora, não apenas essa pequena elevação não seria suficiente para explicar as curvas da escadaria, como, ao invés da elevação medida pelo Sr. Paccard, seria necessário supor um rebaixamento para dar conta da assimetria que os ápices exibem.

IV. É provável que a rocha, tornada regular pela talha e pela interposição de pedras nas lacunas, não ofereça aos olhos mais que um rascunho destinado a desaparecer sob um revestimento. Nos Propileus, o revestimento era de mármore; mas a talha da rocha subjacente era bem menos cuidadosa. Aqui, o revestimento consistia numa camada de estuque branco muito fino, do qual encontramos traços sob revestimentos grosseiros, de origem bizantina ou turca. Necessariamente aplicado numa fina camada, o estuque deveria se adaptar, corrigindo, às curvas da rocha. Além disso, a baixa resistência que tal revestimento apresenta leva a crer que, no pensamento do arquiteto, a escadaria não deveria servir como lugar de passagem: era mais bem (seguindo uma opinião emitida em outra ocasião pelo Sr. Beulé) um lugar destinado a receber estelas, como uma imensa estante no meio da Acrópole.

© Choisy, 1899, fig.7, p.417

V. A forma da escadaria e seu papel primitivo sendo assim conhecidos, resta considerar a assimetria que suas curvas apresentam, eu disse que a forma convexa dos degraus servia para pôr a escadaria em harmonia com a base do Parthenon. Uma condição entretanto é essencial para que o espectador descubra no caminho da Acrópole uma ligação entre essas diversas curvas situadas a diferentes distâncias: eis que todas se oferecem ao seu olhar em posições muito semelhantes. Ora, suponhamos por um instante que ao invés da assimetria observada, a regularidade geométrica reina no conjunto; suponhamos, em outros termos, que os pontos mais altos dos degraus venham a se localizar no próprio plano diametral que contém os ápices de curvatura de todas as linhas do Parthenon. Como o raio visual cai obliquamente sobre o conjunto, a perspectiva romperá toda essa simetria geométrica; os ápices respectivos da escada e do templo apareceriam em direções divergentes; e as convexidades, longe de introduzir ao quadrounidade e harmonia, apenas produzirão, ao contrário, uma inútil confusão e uma inexplicável desordem. Contra esses desagradáveis efeitos, um remédio se apresenta: ele consiste em posicionar os pontos mais altos da escadaria na própria direção que vai do ponto de vista principal ao ponto médio da fachada. Foi o que fez o arquiteto; graças a essa hábil assimetria, as duas séries de curvas se mostram concêntricas e como paralelas; a analogia de posição parece estabelecer um elo entre elas; e a harmonia buscada apreende e impressiona desde a primeira vista.

VI. Esse processo, que consiste em realizar um conjunto harmonioso à custa da simetria geométrica não é um fato isolado na arte grega. A assimetria, em nosso exemplo, se reduz a um deslocamento de eixo: em outros casos ela se manifesta através de desvios angulares; em qualquer caso ela se justifica por razões de perspectiva muito simples. – Que a Academia me permita enumerar as grandes assimetrias da Acrópole, pesquisar suas causas, com fim de reestabelecer, se possível, a discussão que precede a apresentação de um método geral que parece presidir as aparentes anomalias do plano do conjunto. Nada é tão assimétrico como a disposição geométrica dos Propileus: a massa contudo, de um lado a outro, se equilibra, e o contorno aparente é limitado à direita e à esquerda por duas linhas provenientes da base dos degraus, e igualmente inclinadas sobre seu eixo. O arquiteto tinha que respeitar um elegante edifício, mas cujas limitadas dimensões o faziam desaparecer no conjunto, o templo de Vitória Aptera. É outra vez por um desvio de eixo e por uma assimetria em planta que Mnésicles o ampliou. Ele dirige o eixo dos Propileus de modo que o templo de Vitória volte sua face direita para a entrada; ele trunca visivelmente uma metade de sua obra para respeitar o recinto sagrado e permitir que o modesto templo desenhe no céu toda a graciosa elegância de seus contornos; e assim, por força da assimetria, ele consegue pôr o santuário num lugar de honra, digno das memórias que recorda e da veneração que inspira.

© Choisy, 1899, fig.5, p.415

VII. É para o instante em que cruzamos a portada externa que todas as inclinações de eixos são calculadas no conjunto dos Propileus. Do mesmo modo, é da portada dos Propileus que a Acrópole deve aparecer sob seu mais magnífico aspecto. À direita o Parthenon, à esquerda e a uma distância menor, para compensar a insuficiência da massa, a gigantesca figura de Minerva Promacos. Mas não era bastante exagerar as dimensões dessa estátua para lhe assegurar no conjunto toda a importância que deve ter em face ao templo cujo efeito ela equilibra: Phidias a põe em relevo através de um desvio de eixo. Posicionada em meio a edifícios orientados todos no mesmo sentido, a Minerva Promacos inclina para a mesma direção dos templos seu amplo pedestal; ela se perfila como uma coisa à parte ao meio da Acrópole; ela faz face à entrada e a assimetria que apresenta atira sobre ela os olhares mais vívidos que a riqueza de seus bronzes, ou sua altura de oitenta pés. Para além dessa estátua está localizada a oliveira sagrada e o túmulo de Cécrope marcado pela tribuna das Arréforas. Essas charmosas figuras esculpidas com a maior fineza, e dedicadas a serem vistas de frente e a uma pequena distância, seriam esmagadas pela massa de Minerva, se o arquiteto não tivesse tomado o cuidado de projetar sob estas o pedestal, de maneira a ocultá-las completamente à primeira vista. Ao contrário, feita sobretudo para ser vista de fora e para anunciar aos marinheiros a cidade de Minerva, a grande estátua logo deixa (em razão da própria elevação de sua base) de ser visível ao espectador que se aproxima; é somente então que aparece, numa inclinação mais favorável, a graciosa tribuna onde as figuras ganham ainda mais elegância por seu contraste com o recordo da ameaçadora deusa.

VIII. Seria fácil multiplicar os exemplos de irregularidades em planta combinados pelos gregos em vista de efeitos desejados. As citadas anteriormente parecem me autorizar a concluir que os antigos faziam da regularidade uma ideia diferente  que a de simetria: ideia mais ampla, absolutamente compatível com as aparentes anomalias das curvas que eu desenvolvia no início deste escrito. A simetria, eles a aplicam aos efeitos de perspectiva, raramente às combinações geométricas; é graças à essa feliz extensão que eles souberam conciliar em suas obras a unidade do conjunto com a variedade das partes. Vimos como eles conseguiram, através de uma assimetria geométrica, unir sob um mesmo raio visual os ápices de duas curvas que desejavam pôr em paralelo. – Seja para pôr em evidencia uma estátua, ou mesmo um templo, sabemos quais recursos eles encontraram no desvio de eixos para fixar os olhares e comandar a atenção. Enfim, para uma manipulação que testemunha tanto a segurança de seus métodos quanto o delicado requinte de seu espírito, eles chegaram por vezes a dissimular, do ponto de vista principal, tais partes do seu conjunto que por desfavoráveis contrastes foram relegadas a um rango indigno. Mas um fato geral parece dominar seu sistema: o cuidado em combinar tudo em vistas do primeiro aspecto que se oferece ao espectador, e que grava em seu espírito uma impressão mais duradoura e mais vívida.

Tais são as conclusões gerais que resultam dos exemplos citados. Mas seria possível particularizar o método, estender a aplicação ao detalhe dos edifícios após tê-los verificados no conjunto, explicar através dela diversos procedimentos da estatuária antiga, talvez mesmo deduzir alguma luz sobre a posição dos pontos célebres de onde a Acrópole deveria ser vista: o Pnyx ou a Ágora.

Notas
[1] A existência de curvaturas foi assinalada pelo Sr. Boetticher.

Referências:
Auguste Choisy, Sur la courbure dissymétrique des degrés limitant au couchant. La plate-forme du Parthénon, em Encyclopédie D’Architecture, Revue Mensuelle des Ravaux Publics et Particuliers, 2ª ed., publicado sob a direção do Comitê de Arquitetos e Engenheiros, Vol. III, A. Morel & C. Libraires-Éditeurs, Paris, 1874.
_______, Histoire de l'Architecture, Tomo I, Gauthiers-Villars, Paris, 1899.

Primeira edição em português. © Tradução: Romullo Baratto. Revisão: Igor Fracalossi.

Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "A Plataforma do Parthenon / Auguste Choisy" 05 Jun 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/618414/a-plataforma-do-parthenon-slash-auguste-choisy> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.