Cinema e Arquitetura: "Old Boy"

Um sopro de ar fresco foi o resultado do lançamento de Old Boy, no começo da década do novo século, tanto para o cinema relacionado com vingança como para a indústria em si mesma, como demonstrou que não apenas Hollywood pode fazer obras primas e que com poucos recursos e um grande talento pode nascer a verdadeira inspiração. Old Boy se converteu numa clara referência ao cinema pós-moderno e uma obra cult do cinema oriental. 

Integra-se ao mundo da arquitetura graças à linguagem visual tão clara e delimitada que orquestra uma abstração potente que com escassos elementos arroja um subtexto, como em camadas, nos permite entender melhor as motivações e ações dos personagens. Esta abstração não é coincidência, já que o próprio diretor demonstra uma grande perícia para escolher os planos de suas locações, habilidade talvez nata já que é filho de um maestro da arquitetura, o própria ao haver dedicado grande parte de sua juventude a ser crítico de cinema. 

Basta olhar as cenas de prisão do protagonista. Ao invés de um cenário de uma prisão qualquer, longe de uma cidade, o faz dentro de um quarto de hotel, o que se assemelha muito aos apartamentos multifamiliares nos quais vive a maior parte da população atualmente. O alimenta e lhe confere todo conforto, e incluso o fato de poder ter contato com o exterior através da televisão. O aliena para passar o tempo, assim como hoje em dia nos alienamos dentro de nossas casa enquanto nossas vidas passam.

No filme, é a televisão a ferramenta com a qual Oh Dae Su sacia sua necessidade de socializar, mas hoje em dia é o "social media" através da internet na qual as pessoas passam muitas horas frente ao computador com a finalidade de interagir com seus amigos e familiares. E em clara referência a este fenômeno mundial, quando o protagonista é liberado e vai ao espaço urbano, é um estranho dentro de sua própria cidade, na qual se sente sem raízes e onde perdeu a capacidade de se relacionar com os demais.

Conforme avança o filme, podemos encontrar mais exemplos de um bom trabalho de abstração por parte do diretor. O abrigo do "vilão" parece simples e quase vazio ao olho comum, mas ao olho analítico descreve por completo a intenção e personalidade deste. É uma planta livre, uma cobertura luxuosa sobre o alto de um edifício, repleto de objetos luxuosos mas anônimos, que bem poderiam estar sobre um arranha céu em Nova York ou em qualquer outra cidade moderna. Neles não há rastros da identidade nem os motivos da vingança, não existe passado cultural nem imagens de modelos a seguir. Apenas num canto existe uma parede com fotografias, e é só até o final que essas fotografias se mostram e cobram significado.

Umas das cenas principais deste filme, a luta no corredor, também está carregada de um forte sub-texto. Por um lado, de modo original nos mostram um clássico enfrentamento de artes marciais do cinema oriental, o qual se vê influenciado na maior parte pelas sequências de brigas de vídeo-games.

O protagonista parece quase como controlado por uma força externa, por uma ira sobrenatural que o faz imune aos golpes. Mas esta força, a mão invisível, o faz parecer como um fantoche ou como um personagem controlado por um vídeo-game. E não é coincidência que pareça controlável e que atue sob ordens que desconhece, por que na verdade está, graças ao trabalho de hipnose do vilão, que o faz descer a lugares sombrios da cidade, para torná-lo um animal e cumprir sua vingança. 

Old Boy é um filme que vale a pena conhecer. Um trabalho extraordinário da parte de seu diretor e equipe criativa, e que com o direcionamento no olhar, pode ser desfrutado de mais e melhor.

CENAS CHAVES

1. Desaparecido dentro da Multidão

Em meio a uma forte chuva, o protagonista é sequestrado e por entre o passar das pessoas, não há pista de seu paradeiro. É a cidade e seu anonimato que o devoram na obscuridade das ruas.

2. A prisão Contemporânea

Fechado num quarto de hotel, o confinamento é uma referência clara a nosso modo de vida moderno, em pequenos apartamentos das quais só saímos para trabalhar e sub-existir.

3. O vício da "Social Media"

Dentro deste confinamento, nosso único meio de interação é a "social media", na qual passamos horas e se converte em nossa escola, amiga e amante.

4. Reintegrar-se a um Espaço Urbano em trânsito

Acontece o mesmo com as pessoas da modernidade e com o protagonista, se integrar ao espaço-urbano que se encontra em constante mudança e que ignoram quando estão em confinamento.

5.Uma cidade sem Coesão Social

Apesar de ser coberto de sangue, ninguém parece se importar com a presença do protagonista. Caminhe por uma cidade anônima e indiferente, mesmo quando ele cai no chão pedindo ajuda.

6. O Fenômeno do Grande Irmão

Dentro de sua prisão, todas os apartamentos estão vigilados. Mas dentro de nossos lares também não temos câmeras integradas a nossos computadores?

7. A Referência a "Vertigo"

A cena da cobertura, onde o protagonista é liberado, é uma homenagem clara do autor ao cinema de Hitchcock. Oh Dae Su nos surpreende como a paisagem da cidade mudou.

8. Um Filtro Cinza para um Passado Esquecido

Recordações confusas e banais vêm a mente do protagonista envoltos numa nuvem cinza. O filtro da câmera muda ao se referir a um passado que tinha se esquecido.

9. Escapando pelas Escadarias de Penrose

Ao reviver uma cena de seu passado, o protagonista percorre o lugar como se estivesse em um labirinto. Seus pensamentos aprisionados são uma advertência do perigo.

10. O Recinto daquele "Que Tudo Vê"

O "vilão" do filme dentro de uma luxuosa cobertura no alto da cidade. Com ele não apenas demonstra seu poder econômico, mas também sua onipresença sobre o protagonista.

11. O Universal da Vingança

Por dentro,a cobertura é uma planta livre, sem divisões nem com objetos da modernidade. É completamente anônimo e quando aparece no filme, não dá pistas sobre a identidade de seu habitante.

12. A Cena do Espelho

Apenas no final é que conhecemos o motivo de sua "vingança" e é através do espelho, objeto de introspecção, que o 'vilão' se confessa ao público enquanto olha seu passado nas fotografias.

PERFIL DO DIRETOR

De nacionalidade sul-coreana, nasceu em 23 de agosto de 1963 na cidade de Seul. Seu pai foi professor de arquitetura mas se encantou pela filosofia na Universidade de Sogang, onde criou um clube de cinema e onde publicou uma série de artigos de cinema contemporâneo. Originalmente sua intenção era se converter num crítico de cinema, mas depois de ver "Vertigo” de Alfred Hitchcock resolveu se converter na direção de filmes. Depois de sua graduação, escreveu numerosos artigos em revistas e se converteu em ajudante de direção.

Tempos depois conseguiu fazer seus próprios filmes, mas estes não tiveram muito sucesso, até que no ano de 2000 dirigiu “Joint Security Area”, sucesso de bilheteria em seu país natal, o que permitiu que bancasse seu seguinte projeto pessoal: “Sympathy for Mr. Vengance”. Com este filme, resultado de uma total liberdade criativa, iniciaria o que é conhecido como a trilogia da vingança.

Este último filme foi seguido de “Old Boy” e “Sympathy for Lady Vengance”, as quais não estão relacionadas entre si, mas em suas temáticas. "Old Boy" seria a que mais se destaca entre as três, recebendo o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2004, em grande parte graças a seu roteiro ser a adaptação de um mangá de certo renome, com o mesmo nome, e de grande potencial de argumentação, escrito por Garon Tsuchiya e desenhado por Nobuaki Minegishi.

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 21 de Novembro 2003
Duração: 120 min.
Gênero: Drama / Suspense 
Diretor: Chan-Wook Park
Roteiro: Joon-Hyung Im / Chan-Wook Park
Fotografia: Chung-Hoon Chung
Adaptação: Old Boy, de Nobuaki Minegishi

SINOPSE

Oh Daesu é um homem de família, casado e com uma filha pequena, que depois de uma bebedeira é sequestrado de maneira estranha. É aprisionado dentro de um quarto de hotel e através da televisão, descobre horrorizado que há pouco tempo que sua esposa foi assassinada e é tido como o único suspeito.

Durante o tempo que passa aprisionado, se exercita e se prepara para se vingar de quem o capturou. Depois de 13 anos é liberado sem razão aparente, recebendo a chamada de um estranho que o convida a conhecer a verdade de seu aprisionamento. 

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Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Old Boy"" [Cine y Arquitectura: "Old Boy"] 06 Jun 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/619994/cinema-e-arquitetura-old-boy> ISSN 0719-8906

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