Por Ana Luiza Nobre
Em Bruxelas, o terreno disponível tinha configuração irregular e cerca de 2500 m2. Tratava-se de um lote de declive bastante acentuado, em posição francamente desfavorável e marginal dentro do setor internacional da área da exposição (um parque de 200 hectares, a 7 km do centro de Bruxelas, que já havia sediado uma exposição internacional em 1935). O Pavilhão do Brasil tinha como seus vizinhos mais próximos os pavilhões do México, da França e da Inglaterra. Prevendo que o público, ao chegar ali, já estivesse exausto, Bernardes resolveu “desenrolar um tapete vermelho de concreto”[1]. O espaço para exposições foi definido então basicamente por uma rampa que se desenvolve sem interrupções em torno de um jardim central – projetado por Roberto Burle Marx – até chegar ao nível inferior, onde estão localizados o bar e o cinema. Com esta rampa de inclinação suave, recupera-se assim um elemento largamente utilizado em pavilhões expositivos, que Lucio Costa e Oscar Niemeyer já haviam explorado no Pavilhão do Brasil na Exposição Mundial de Nova York em 1938. Mas ao inverter o sentido da rampa, conduzindo a um movimento em princípio descendente, o projeto de Sergio Bernardes remete antes à solução mais incomum usada pouco antes pelos irmãos Roberto no edifício Marquês do Herval, no centro do Rio de Janeiro (1952).
Outra característica fundamental do projeto de Sergio Bernardes é que a rampa se desenvolve ao abrigo de uma espécie de “lençol de concreto”, de 40 x 60 metros: uma cobertura leve e fina, suspensa nas extremidades por quatro torres metálicas de estrutura triangulada. Tal cobertura é viabilizada por uma rede de cabos de aço composta por 16 cabos principais (longitudinais), a cada 2 metros, trabalhando em associação com cabos perpendiculares. Sobre essa rede, foram colocadas três camadas de materiais distintos: placas de eucatex, placas de 3cm de concreto e por último uma camada impermeável, de plástico isolante. Esta última camada apresentava um material novo (Cucooum), mais econômico que o vidro e igualmente capaz de oferecer uma luz suave e difusa ao interior do pavilhão.
Conforme observado por Paul Meurs[2], uma análise dos cinco projetos com coberturas suspensas na Exposição, publicada na revista The Architectural Review[3] no mesmo ano de 1958, levantou a suspeita de que as torres do pavilhão brasileiro fossem leves demais para suportar o peso da cobertura, e que as treliças metálicas não fossem de fato sustentadas pelas torres e sim por pilares, responsáveis por 4/5 das cargas[4]. De fato, quando se observam as fotos, nota-se melhor a presença de pilares que de tão delgados permanecem quase invisíveis, mesmo em planta. A despeito dessa polêmica, o pavilhão foi amplamente publicado na época , não só no Brasil mas também no exterior[5], e destacado com um prêmio oferecido pelo Comissariado Belga da Exposição.
O que mais provocava surpresa, na verdade, não era propriamente a cobertura, mas um balão vermelho de sete metros de diâmetro, inflado de gás hélio, que flutuava sobre uma abertura cilíndrica de seis metros de diâmetro na cobertura – que o próprio Sergio Bernardes definiu como um “impluvium”, numa clara referência ao elemento tradicionalmente usado na arquitetura doméstica clássica para captação das águas da chuva. Com tempo bom, o balão subia ao céu, deixando o jardim interno aberto e provocando um diálogo à distância com a estrutura do Atomium. Em dias mais frios, o balão era recolhido e bloqueava a abertura central. E em dias de chuva, a água escorria pelo balão e criava uma espécie de cascata no interior do pavilhão, sobre o jardim aquático.
Por mais que a estrutura fosse arrojada, à distância o que chamava atenção, portanto, não eram as vigas treliçadas nem os cabos de aço, senão um enorme balão vermelho, que pairava acima mesmo da bandeira do Brasil. O balão dava ao pavilhão brasileiro um caráter lúdico, quase zombeteiro da confiança na alta tecnologia ostentada por outros pavilhões. Talvez trouxesse consigo a memória das tradicionais festas juninas no Brasil, como supõe Paul Meur[6]. Mas segundo o arquiteto Murillo Boabaid, associado a Sergio Bernardes na época e seu colaborador no projeto do pavilhão[7], a sugestão veio do filme Le Ballon Rouge[8].
Notas
[1] Cf Paul Meurs. “Expo 58: the Brasil Pavilion of Sergio Bernardes”. In: Paul Meurs, Mil de Kooning, Ronny de Meyer, University of Ghent’s, Department of Architecture and Urban Planning, 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, 2000.
[2] Meurs, Paul. Op. Cit.
[3] PRINCE, Renate; HOBIN, Richard. ‘The hanging roof’, in: The Architectural Review 124 (1958) 739, 132-136.
[4] “It seems that the designers of this pavillion had some preconceived idea of a light and elegant structure – a thin membrane between four thin pyloons – but they have chosen a structural form where stablitity is directly dependent on weight. Faced with this dilemma, the designers have chosen to “express” a make-believe structure and to disguise the actual (e.g. the main) columns, which appear to do no more than hold up the decorative screens, are heavily plated on the inside and actually carry four-fifth of the load of the roofs, whereas the four ‘main’ pylons could probably be omitted all together.’ (PRINCE, Renate; HOBIN, Richard. ‘The hanging roof’, in: The Architectural Review 124 (1958) 739, 132-136).
[5] Ver, por exemplo, L’Architecture d’aujourd’hui 78, jun.1958, e Franck, Klaus. Austellungen. Stuttgart. Gerd Hatje, 1961.
[6] Meurs, Paul. Op.Cit.
[7] A ficha técnica do projeto registra a seguinte equipe: Sérgio Wladimir Bernardes (Projeto de Arquitetura); Nicolaï Fikkoff (Assistente); Paulo Fragoso e Emmanoel Magalhães (Projeto Estrutural); Kylzo Carvalho e Murilo C. Boabaid (Desenho); : Max Winders (Conselheiro); Roberto Burle Marx (Paisagismo); João Maria dos Santos (Interiores); Eduardo Anahory, Jack van de Beuque e Artur Lício Pontual (Assistentes) e Libbe Smit (Iluminação). Cf Meurs, Paul. Op. Cit. P.
[8] in: Cavalcanti, Lauro e Bernardes, Kykah (orgs). Sergio Bernardes. Rio de Janeiro, Artviva, 2010. p. 60.
Referências
Ana Luiza Nobre, Fios Cortantes. Projeto e Produto, arquitetura e design no Rio de Janeiro (1950-70). PUC-Rio, Departamento de História, 2008.
Ana Luiza Nobre, A Feira Mundial de Bruxelas de 1958: o Pavilhão Brasileiro, em ARQTexto n.16, Porto Alegre.
- Ano: 1958