É mais perigoso ser um soldado ou um trabalhador da construção civil? Assombrosamente, a reposta correta é a segunda. Segundo uma recente reportagem do The Guardian, 448 soldados britânicos perderam suas vidas no Afeganistão desde 2001. No mesmo período, 760 operários da construção morreram nos canteiros de obras.
A vida é barata no custo final da arquitetura, e não apenas no Reino Unido. O número de fatalidades dentre trabalhadores que emigraram do subcontinente indiano para trabalhar nas ambiciosas obras arquitetônicas dos estádios da Copa do Mundo no Qatar em 2002 tem sido tema de muitas discussões. E com razão - mais de 400 operários indianos e nepaleses morreram no Qatar em 2013, e a International Trade Union Confederation (ITUC) alertou que mais de 4.000 trabalhadores podem morrer antes que a bola finalmente comece a rolar em 2022.
Se 400 pessoas morressem num acidente de avião, haveria uma exaustiva série de inquéritos sobre a segurança da aeronave, lições seriam aprendidas e estratégias de melhorias implementadas. Haveria também uma sensação palpável de perda e responsabilidade. Mas uma fatalidade aqui e ali num canteiro de obras em um período longo de tempo não tem o mesmo impacto.
E além disso, o show deve continuar; tempo é dinheiro e, apesar de tudo, o último projeto de uma super estrela não espera por ninguém. É apenas quando as estatísticas são averiguadas que a dimensão dos custo humanos se torna friamente aparente. "Projetar edifícios geralmente não é perigoso", escreve Fran Tonkiss, mas contruí-los pode sê-lo.
Essa é uma questão emotiva, mas a pergunta deve ser feita: qual a responsabilidade dos arquitetos nisso tudo? Julgando pela reação de Zaha Hadid em relação às condições no Qatar, onde ela projetou o principal estádio da Copa do Mundo, nosso envolvimento não passa de um encolher de ombros despreocupado. "Não posso fazer nada sobre isso porque não tenho poder para fazer nada sobre isso" tem sido a citação mais frequente da arquiteta, e que provavelmente é a verdade.
Obviamente, a regularização dos canteiros de obra e as condições de trabalho dos imigrantes, que estão no limiar do trabalho escravo, são responsabilidade do governo do Qatar. Mas como aponta Fran Tonkiss, "se é verdade que os arquitetos não podem fazer nada a respeito das condições de trabalho e das fatalidades entre os trabalhadores, então, não seria o único poder dos arquitetos o de decidir não fazer nada em tais contextos? Qual é exatamente o dever de um arquiteto neste (ou em qualquer outro) contexto em relação às pessoas que erguem seus edifícios?
De certo modo trata-se de uma autoridade moral ultrapassada. Arquitetos costumavam liderar a equipe de construção, mas foram progressivamente marginalizados. No entanto, como instigadores e coreógrafos da construção, eles certamente têm o dever de cuidar e o poder de negociação que pode ir além do encolher de ombros. O que Tonkiss chama de "técnica humana" do processo de construção deveria ser tão importante quanto a preocupação fetichista em relação a materiais e tecnologias. Em última instância, a arquitetura não precisa custar vidas.
Este artigo foi originalmente publicado em The Architectural Review.