Numa capital cultural como Berlim, onde lojas "pop-up" surgem em armazéns abandonados, marcas locais emergem de lojas invadidas e boates realizam festas em usinas de energia, não é estranho que uma galeria de arte se estabelecesse num casulo de concreto quase indestrutível. Este é o caso do "Berlin Bunker", no coração do "descolado" bairro Mitte.
Monolítico e simétrico, decorado apenas com singelas linhas de janelas verticais em suas quatro fachadas idênticas, este abrigo nazista contra ataques aéreos é uma relíquia do passado alemão. No entanto, um olhar mais atento para além de suas linhas duras revela algo inesperado: jardins exuberantes e um apartamento de luxo coroam a severa estrutura. Esta é a residência de Christian Boros, um colecionador de arte cuja coleção particular está armazenada e exposta nas profundezas do bunker.
Construído sob o comando de Hitler em 1943, o bunker foi concebido como um abrigo contra ataques aéreos para os passageiros da estação de trem mais próxima. No caso de ataque, o bunker, com paredes de 180 cm e um teto de três metros de espessura, poderia abrigar e proteger 3.000 pessoas sentadas, distribuídas em cinco andares. O projeto de Karl Bonatz seguiu à risca as orientações de Albert Speer, arquiteto chefe do Terceiro Reich e um membro do círculo íntimo de Hitler. Nos anos seguintes à queda do regime nazista, o bunker teve funções diversas - de um depósito para frutas tropicais (conhecido pelos locais como "Bunker Banana") a local de festas techno na década de 1990 - até que foi fechado pela polícia em 1995.
Em 2003, Christian Boros, colecionador de arte e proprietário de uma agência de publicidade de sucesso, decidiu comprar o bunker e converte-lo em sua própria casa e galeria. A renovação foi iniciada em 2004, pelo escritório “Realarchitektur”, de Berlim, que foi escolhida para projetar tanto a galeria como os espaços residenciais. Utilizando um método de subtração a partir da forma original, mais de 750 metros cúbicos de concreto foram cortados e cuidadosamente removidos manualmente. Os acréscimos construídos ao longo dos anos foram removidos, as fachadas limpas, mas as paredes internas foram mantidas como estavam, com os traços de suor, sangue e tintura neon deixada pelos diversos programas que a edificação abrigou ao longo das décadas.
O espaço de galeria com 3.000 m² contém 80 ambientes de diferentes formatos e tamanhos. Enquanto alguns quartos mantém a altura original de 2,3 metros (íntimos, quase claustrofóbicos), outros têm o dobro ou mesmo o triplo de altura. A circulação dentro dos cinco andares da galeria permanece central e visível, permitindo momentos de orientação dentro da complexa estrutura espacial. As obras de artistas contemporâneos, como Ai Wei Wei, Oulafour Eliason, e Wolfgang Tillmans, surgem ao longo das paredes nuas; retratos, instalações sonoras, esculturas, e fotografias completam a evolução programática da edificação.
Uma escada de aço, que transpassa o teto de três metros de espessura, conduz a uma cobertura de 450 m² construída sobre o bunker. Este ático, com 26 metros de largura, segue o contorno das paredes da antiga edificação. Panos de vidro que vão do chão ao teto oferecem perspectivas para a cidade e para um jardim privado. A cobertura conta ainda com uma grande piscina esculpida no concreto.
Então o que é viver dentro (ou melhor, no topo) de um bunker da Segunda Guerra Mundial? "Eu ainda não me mudei totalmente," disse Christian Boros em uma entrevista realizada em 2013, uma década após sua compra, “eu olho para o edifício e ainda não consegui acreditar que moro nele. A estrutura é tão maciça que não é fácil de digerir." Karen Boros, sua esposa, acrescenta: "é impossivel esquecer o passado quendo se vive em uma construção monstruosa que respira sua inevitável severidade."