Cinema e Arquitetura: "Batman"

A representação de Gotham variou com o tempo, quase tanto como a própria concepção da cidade utópica do futuro. Nela se quis ver representada uma Nova York, uma Chicago ou uma Pittsburgh decadentes, no entanto sua essência se torna mais das problemáticas universais de qualquer cidade que perdeu o controle de si mesma.

Assim é como Gotham entra em crise, incapaz de combater a criminalidade através de um sistema policial ineficiente e corrupto, onde o dinheiro vale mais do que a vida humana e onde as indústrias inundam o panorama da cidade, a cobrindo de um ar espesso e contaminante, onde nunca brilha o sol e as pessoas vivem aterrorizadas.

É uma cidade que moribunda, se nega a sucumbir, que diariamente luta contra si mesma para voltar à vida, à um passado melhor. Sua doença parece incurável, pois o mesmo homem que a habita é aquele que a provoca e que nele recai a responsabilidade de seu futuro. Neste aspecto a cidade é moralmente ambígua, já que com sua própria estrutura participa na criação de seres sem raízes, que em seu desespero buscam se fazer com o controle da cidade para satisfazer seus desejos. E conforme o pesadelo cresce, seres cada vez mais estranhos e bizarros aparecem dentro dela.

O diretor aborda o personagem desde suas matrizes mais escuras, narrando de alguma forma suas origens e motivações. O protagonista, um outsider em todos os sentidos, é solitário e incompreendido, cheio de melancolia e vingança à morte de seus pais em um beco escuro.

É incapaz de se adaptar à sua cidade como homem e cria aversão por qualquer elemento que a relembre. Vive como um milionário excêntrico ante o público, fechado e isolado numa antiga mansão, mas sua verdadeira vida é vivida a noite, onde como um ser mitológico, se transforma e combate a criminalidade causante de sua dor.

É um vingador cuja motivação é aquela de mudar a cidade e convertê-la num lugar melhor para viver. De maneira irônica, este conflito provoca um antagonismo maior. A cidade resiste à uma mudança e de seus recantos mais macabros cria um novo mal, o qual, da mesma magnitude, busca de maneira extravagante converter-se num rei cheio de atenção ante as câmeras e o público.

Batman e o Coringa competem pelo domínio do pesadelo urbano. Lutam entre seus edifícios caóticos e carentes de significado onde as pessoas habitam. São invasivos e criam rejeição por onde passam. Se transformam em ícones de uma cidade selvagem e por ambos os lados criam seguidores, os quais depositam neles suas esperanças e seus desejos de cidade. A luta se transforma pelo controle de uma prisão na qual a humanidade busca escapar e em seu clímax é levada ao ponto mais alto da cidade, no alto de uma catedral, onde como se fossem deuses, decidem o destino de Gotham.

Ainda quando o vilão é derrotado, não existe catarse verdadeira. O vingador não encontra satisfação, mesmo quando encontra o culpado do assassinato de seus pais. Seu objetivo real, a cidade, continua ainda muito longe de sua influência e só pode permanecer nas sombras ante a espera de que um um novo mal apareça novamente. É um ciclo interminável cujo caráter se assemelha ao de uma tragédia grega clássica.

A cidade representada por Burton resulta então numa simbiose entre sua arquitetura e seus arquétipos. É tão escura e apavorante como seu guardião. Sua silhueta é como uma extensão da cidade, como se esta ganhasse vida e manifestasse vontade, farte de todas suas problemáticas, busca combatê-las por si própria. O conceito abordado neste filme se tornaria um recurso permanente na concepção do personagem.

CENAS CHAVE

1. Uma nova e verdadeira Cidade de Gotham

Para recriar a cidade de Gotham, o diretor se baseou na imagem obscura de Nova York, modelo prototípico de cidade super-povoada e dominada pela corrupção e a criminalidade.

2. Ecleticismo para uma Cidade Atemporal

De maneira intencional, foram combinados edifícios de caráter neoclássico, arranha-céus do estilo internacional e do movimento futurista para mostrar uma cidade parada no tempo.

3. A Decadência de uma Cidade Pós-Industrial

A cidade perdeu o controle de todos seus aspectos incluindo o urbano. As fábricas se somam às enormes chaminés cheias de fumaça e estruturas aparentes que suportam os edifícios.

4. O Ecleticismo com o Cine Noir

O filme, apesar de mostrar um figurino típico dos anos 80, possui um ar nostálgico de Cinema Noir dos anos quarenta, onde são frequentes os chapéus e casacos.

5. O Excentricismo de seus Protagonistas

Os arquétipos dos personagens aparecem exagerados, ressaltando sua "anormalidade" dentro de uma cidade na qual não têm lugar. O próprio protagonista é alguém socialmente não adaptado.

6. O Domínio das Sombras

Em todos os planos existe um predomínio evidente das sombras, criando ambientes e cenas que se tornaram emblemáticas no mundo do cinema. Exemplo disso é o nascimento do Coringa.

7. A "Nêmesis" da Cidade

O "Coringa" não é mais do que um gangster que encontra satisfação nos excessos. Sua risada delirante, sua extravagância, e sarcasmo se contrapõem com o caráter sombrio da cidade.

8. O Desenraizamento da Cidade

As ruas de Gotham se encontram em total abandono. As pessoas fogem delas por causa da criminalidade e ninguém quer viver nelas. Apenas o protagonista recorre a elas buscando um passado que se perdeu.

9. O Reflexo do Homem Não Adaptado

Homem excêntrico, sua casa se converteu numa caverna repleta de sombras, cheia de estruturas metálicas e a tecnologia mais avançada. Não existem elementos que refletem seu passado.

10. A Fábrica Química Axis

Para o esconderijo do vilão foi utilizada a imagem da Faculdade de Engenharia da Universidade de Leicester, projeto do Arq. James Stirling, adicionando elementos próprios da tipologia industrial.

11. A Grande Catedral da Cidade de Gotham

Como ponto mais alto da cidade foi utilizada a imagem da Catedral da Sagrada Família de Barcelona e se basearam na casa do filme “Psicose” para a criação do campanário.

O ESTILO TIM BURTON

Apresenta uma distinção clara em relação a outros autores contemporâneos. Apresenta características baseadas no expressionismo alemão, o gótico, os filmes de terror de categoria B e o exagero de atos de circo. Marca todas suas obras com trevas e sombras que se estendem e dominam os planos. Utiliza perspectivas acentuadas, que exageram as cenas e apelam para o grotesco.

É fascinado com as temáticas que nasce da metamorfose de seus protagonistas, de mundos totalmente contrastantes ente si, e a opção entre o bem e o mal. Em todos os momentos, busca separar seus arquétipos, que em geral respondem a um personagem cheio de dramaticidade, do mundo comum de cor e luz, mostrando-os como seres estranhos e irreais. É considerado como um diretor de personagens, dando uma importância fundamental aos protagonistas e/ou antagonistas ao longo da trama.

PERFIL DO DIRETOR

Timothy Walter Burtoné um diretor, produtor e desenhista estado-unidense nascido em Burbank, Califórnia em 25 de agosto de 1958. Se considera um introvertido e socialmente inadaptado. Suas grandes paixões foram o desenho, a pintura e o cinema, especialmente aquele relacionado com a ficção-científica e o terror.

Estudou no Instituto de Artes da Califórnia, fundada por Walt Disney para recrutar, de maneira alternativa, jovens interessados por animação. Destacou-se nesta instituição e foi contratado como artista conceitual, mas eventualmente, seus projetos não foram bem recebidos pela empresa. Ao realizar o curta-metragem “Frankenweenie”, a empresa o despediu por ser assustador demais e não foi antes do longa-metragem “Bettlejuice” que seu nome e selo cinematográfico veio a ser conhecido do público em geral. Obteve milhões em lucros e recebeu o Oscar de melhor maquiagem.

Seu projeto seguinte viria através do estúdio Warner Bros, recebendo um orçamento astronômico para realizar uma interpretação do personagem dos quadrinhos Batman. Teve momentos dentro da produção que o estilo visual acabou por ser tornar dark demais para os fãs do personagem, quase ao ponto do boicote. Quando estreou, foi sucesso de bilheteria e se converteu numa influência na concepção do personagem, sendo adotada pela geração seguinte de espectadores.

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 23 de Junho 1989
Duração: 126 min.
Gênero: Suspense / Ação
Diretor: Tim Burton
Roteiro: Sam Hamm / Warren Skaaren
Fotografia: Roger Pratt

SINOPSE

A escura e decadente cidade de Gotham encontra-se sob um manto de opressão por causa dos sindicatos do crime e a ineficiência de um corrupto corpo policial. Apesar do esforço do fiscal do distrito Harvey Dent e do comissário de polícia Jim Gordon, surge um novo príncipe do crime, o Coringa, que através de crimes bizarros e cruéis busca o controle da cidade.

Apenas uma figura misteriosa que sobrevoa a cidade e aterroriza os criminosos parece ser a solução, observado pelo olhar de Vicky Vale, uma jovem jornalista que tenta revelar o segredo por trás da identidade daquele que chamam de "o homem morcego".

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Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Batman"" [Cine y Arquitectura: "Batman"] 25 Jul 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/624547/cinema-e-arquitetura-batman> ISSN 0719-8906

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