"Criado originalmente para o jornal Homeland - News from Portugal – representação portuguesa na 14ª Exposição Internacional de Arquitectura – La Biennale di Venezia 2014".
O mercado imobiliário do Informal
Desde a entrada da troika em Portugal, houve uma revolução na estrutura de despesa do Estado.
Saúde e Educação deixaram de ser as maiores rubricas de gastos no Orçamento do Estado, ganhando particular relevância o pagamento da dívida, o valor gasto para salvar um banco e o pagamento das PPP's (parcerias público-privadas). Em 2013, 47,50% do Orçamento do Estado foi reservado para estas três últimas rubricas, reduzindo-se na Saúde (27,10%), na Educação (21,50%) ou na Segurança Social (19,90%). O Estado tende a desaparecer como actor de políticas públicas e sociais, assumindo-se como um cobrador de impostos para pagamento da dívida. Como se imaginará, com este cenário não há lugar para uma política nacional de habitação.
Mas o que se passa com a iniciativa privada?
Em virtude de uma lei dos anos 60, que congelou o valor das rendas durante décadas, o mercado de arrendamento foi diminuindo até 2008. As casas para alugar eram poucas e a preços proibitivos. O grande beneficiado deste desajuste imobiliário era a banca. O crédito imobiliário foi um negócio florescente.
Com os receios decorrentes do colapso financeiro e com o desbloqueamento violento da Lei das Rendas imposto pela troika, as rendas antigas estão a sofrer aumentos abruptos. Milhares de cidadãos, e em particular os mais velhos, estão a abandonar as suas casas de sempre.
O mercado da habitação está em agitação, ainda que não apareça nos dados oficiais, e é no informal que se sente o reflexo destas turbulências. A venda-de-chaves é prática corrente nos bairros não legalizados e, muitas vezes, a única solução com um tecto para quem perdeu a casa ou o emprego. Estas operações são marginais a todos os impostos de transação de imóvel e não requerem os certificados a que as directivas comunitárias obrigam. Basta apresentar o dinheiro para ficar com a chave da casa.
A Cova do Vapor, um bairro de génese ilegal construido à beira mar, num local edílico a 10 km de Lisboa, é um dos exemplos desta efervescência imobiliária. Com metade do bairro licenciado, são as casas sem papéis que estão disponíveis. A venda-de-chaves de uma casa com 50m2 situa-se entre os 10.000€ e os 20.000€ ao passo que as legais custarão mais de 50.000€.
A dimensão deste mercado está por medir, mas parece claro que as políticas de austeridade que estão a ser impostas ao país estimulam o regresso ao informal. Comprar uma casa não legalizada tem riscos, mas não envolve um empréstimo, uma hipoteca, um banco e diminui, substancialmente, o valor do investimento.