Para a comemoração do centenário de Lina Bo Bardi, selecionamos algumas citações da arquiteta retiradas de seus textos, aulas e conferências, para que sirvam de inspiração no nosso dia-a-dia como arquitetos e humanos.
As citações foram retiradas do livro “Lina por Escrito”, da editora Cosac Naify. Aqui, elas foram separadas em alguns temas: arquitetura, cultura, política e crítica, o “presente histórico”, vida e obra.
Veja todas as citações escolhidas, a seguir.
ARQUITETURA
"Sou contra ver a arquitetura somente como um projeto de status. Estou em desacordo com o meu querido amigo Kneese de Mello quando diz que os pedreiros não devem fazer arquitetura. Acho que o povo deve fazer arquitetura."
“A estrutura de uma obra de arquitetura tem que ser projetada por um arquiteto, mesmo se calculada por outros, mas os problemas, que eu chamei de prática científica, devem ser conhecidos e nisso o ensino é terrivelmente falho.”
“Bom, para mim, pessoalmente, como arquiteta, arquitetura é estrutura. Quer dizer, a estrutura de um edifício é elevada ao nível da poesia, como parte da estética. Não há nenhuma diferença. Um arquiteto deve projetar a estrutura como projeta arquitetura, no sentido doméstico da palavra”
“Depois do racionalismo a arquitetura moderna retoma contato com o que de vital, primário, anticristalizado existe no homem, e estes fatores são ligados aos diferentes países, e o verdadeiro arquiteto moderno pode resolver, quando chamado, as realidades de qualquer país, [...] chegar àquela compreensão e formulação dessas realidades que às vezes os próprios arquitetos que ali nasceram não alcançaram.”
“Um anacronismo é também se inspirar na pura técnica como valor expressivo; a técnica não possui valores expressivos em si mesma, mas apenas na eficiência do seu emprego. Quando a única virtude da técnica é o seu aspecto, a sua aparência, cai-se na decoração; (...) a novidade pela novidade, o estranho pelo estranho podem preencher os olhos mas não a inteligência e o coração.”
“A posição de revolta do arquiteto Niemeyer, ao fazer o contrário daquilo que ele teria podido fazer, enfrentar a especulação imobiliária para servir-se dela como uma arma, contra a própria especulação (a sua celebridade o teria permitido), é uma posição de artista desligado de problemas sociais, uma posição de l’art pour l’art”
“O arquiteto que projeta um edifício não convive com o pedreiro, o carpinteiro ou o ferreiro. (...) O desenhista técnico tem complexo de inferioridade pela ausência de competência prática. O operário executor é aviltado pela falta de satisfação ética do próprio trabalho.”
“(...) o arquiteto perdeu a sua figura de arquiteto individual para se transformar num empreendedor. Pode-se trabalhar muito bem montando um pequeno escritório ou escritórios nas diferentes obras, trabalhando coletivamente. A figura do arquiteto trabalhando em cooperativa é perfeita”
“As escadas sempre fascinaram o homem. As grandes escadarias das cidades, as escadas dos tronos, dos templos... são um elemento fascinante, e eu sempre fui, como arquiteta, fascinada pelas ideias de uma escada. Nunca tomei uma escada como um elemento prático, para subir de um nível a outro.”
“Hoje se chegou a um impasse e vocês vivem um período muito “complicado” da história da arquitetura. Não se sabe o que olhar, o que fazer, e pensa-se que tudo é permitido.”
CULTURA
“(...) não somos contra a cultura, ao contrário, estamos ao máximo do lado da cultura, mas queremos esclarecer o significado dessa palavra; para nós a cultura no sentido cristalizado e amorfo da palavra não tem sentido; nós somos por uma intensificação e extensão da cultura, mais precisa, e é condição absolutamente necessária limitar os problemas. Um conhecimento enciclopédico é hoje impossível – o que precisa fazer é iluminar, ter a percepção exata da existência dos problemas, e na limitação e no âmbito duma profissão, deixar abertas as possibilidades de aprofundar os mesmos quando necessário.”
“A liberdade do artista foi sempre “individual”, mas a verdadeira liberdade só pode ser coletiva. Uma liberdade ciente da realidade social, que derrube as fronteiras da estética, campo de concentração da civilização ocidental; uma liberdade ligada às limitações e às grandes conquistas da prática científica (prática científica, não tecnologia decaída em tecnocracia). Ao suicídio romântico, é urgente contrapor a grande tarefa do planejamento ambiental, desde o urbanismo e a arquitetura até o desenho industrial e outras manifestações culturais. Uma reintegração, uma unificação simplificada dos fatores componentes da cultura.”
“A industrialização abrupta, não planificada, estruturalmente importada, leva o país à experiência de um incontrolável acontecimento natural, não de um processo criado pelos homens. Os marcos sinistros de especulação imobiliária, o não planejamento habitacional-popular, a proliferação especulativa do desenho industrial: gadgets, objetos na maioria supérfluos, pesam na situação cultural do país, criando gravíssimos entraves, impossibilitando o desenvolvimento de uma verdadeira cultura autóctone.”
“Uma tomada de consciência coletiva é necessária, qualquer divagação é um delito na hora atual, a “desculturação” está em curso. Se o economista e o sociólogo podem diagnosticar com desprendimento, o artista deve agir, como parte ligada ao povo ativo, além de ligada ao intelectual.”
“Acredito que o Brasil é um país com grande futuro socioeconômico; se falhar, a culpa vai ser de vocês e nossa também, porque ele tem todas as possibilidades de realizar uma grande “modernidade” (...) o Brasil não tem muita vocação artística, isto é, para as artes plásticas, por exemplo, mas tem uma grande e moderníssima vocação que é a prática científica, da qual depende a total formação moderna. É o país mais adiantado do mundo nesse sentido. Não é brincadeira, não. A poesia também está implícita na ciência, que, por sua vez, não é o contrário da poesia. Enquanto aqui muitas das artes plásticas corriqueiras são uma solene porcaria, sem nenhum conteúdo, um pequeno esforço científico tem sempre uma contribuição humana e um conteúdo humano-poético muito importantes. No Brasil, temos a sorte de não ter os horizontes fechados. É um grande país, com um povo que tem uma capacidade dizer “não”, de maneira cafajeste e elegante, a tudo aquilo que não merece ser levado a sério.”
POLÍTICA E CRÍTICA
“Estamos na undécima hora para resolver o problema [habitacional], que tem de ser resolvido com a condição de satisfazer um “direito” que não adianta ocultar com as desculpas de que os pobres põem nas casas modernas as galinhas dentro das banheiras e os sapatos nas geladeiras. A “Invasão” tem que ser eliminada por meio de uma séria e honesta planificação e não com as tropas de choque.”
“(...) os que se ocupam das necessidades de uma parcela bem reduzida da sociedade, os autores da serena tomada de anotações dos fatos, os que não fazem escândalo, estão, com certeza, de outro lado.”
“Um dos mais desoladores resultados desses tempos cheios de amarguras e desilusões é a indiferença com a qual governantes, homens políticos, jornalistas, numa palavra, todos aqueles que formam o elemento condutor do país, consideram os problemas técnicos e científicos. Destinam-se verbas enormes a obras públicas, esgotando as finanças nacionais, sem se perguntar se a obra e o fim corresponderão ao sacrifício feito pelo país, e se essas obras merecem realmente esse sacrifício.”
“O problema das casas populares levanta problemas econômicos e sociais de grande envergadura, interfere e atinge interesses econômicos particulares. A impostação econômico-social e científica tem que ser feita com o concurso de técnicos de toda a natureza, desde os sociólogos e arquitetos, até médicos e cientistas. Precisamos levantar o problema.
“Importante é aceitar, fazer uso antropológico, quando necessário, de coisas esteticamente negativas: a arte (como a arquitetura e o desenho industrial) é sempre uma operação política.”
“(...) o design internacional acabou no sentido de que não é mais a salvação do homem, nenhum homem pode se salvar pelo design. Um bonito copo nos salva da sede? Um prato muito bonito ou uma cadeira bonita nos salvam da fome, da miséria, da doença, da deseducação e do desemprego? Essa é uma grande falha.”
O “PRESENTE HISTÓRICO”
“É preciso se libertar das “amarras”, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história; o que é preciso, é considerar o passado como presente histórico. O passado, visto como presente histórico é ainda vivo, é um presente que ajuda a evitar as várias arapucas. Diante do presente histórico, nossa tarefa é forjar um outro presente, “verdadeiro”, e para isso é necessário não um conhecimento profundo de especialista, mas uma capacidade de entender historicamente o passado, saber distinguir o que irá servir para as novas situações de hoje que se apresentam a vocês, e tudo isto não se aprende somente nos livros”
“Portanto, se a gente acreditar que tudo o que é velho deve ser conservado, a cidade vira um museu de cacarecos. Em um trabalho de restauração arquitetônica é preciso criar e fazer uma seleção rigorosa do passado. O resultado é o que chamamos de presente histórico”
VIDA E OBRA
“O que eu poderia dizer é que não existem tupiniquins; existem brasileiros. Claro, eu disse que o Brasil é o meu país de escolha e por isso meu país duas vezes. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Quando a gente nasce não escolhe nada, nasce por acaso. Eu escolhi o meu país.”
“Voltei muitas vezes [à Fábrica de Tambores da Pompeia], aos sábados e aos domingos, até fixar claramente aquelas alegres cenas populares.
É aqui que começa a história da realização do SESC Fábrica da Pompeia. Existem “belas almas” e almas menos belas. Em geral as primeiras realizam pouco, as outras realizam mais. É o caso do MASP. Existem sociedades abertas e sociedades: a América é uma sociedade aberta, com prados floridos e o vento que limpa e ajuda.”
“Tenho pelo ar-condicionado o mesmo horror que tenho pelos carpetes. Assim, surgiram os “buracos” pré-históricos das cavernas, sem vidros, sem nada. Os “buracos” permitem uma ventilação cruzada permanente.” [Referindo-se às aberturas nas quadras do SESC Pompeia]
“Quando o músico e poeta americano John Cage veio a São Paulo, de passagem pela avenida Paulista mandou parar o carro na frente do MASP, desceu, e andando de um lado para outro do belvedere, os braços levantados, gritou: “É a arquitetura da liberdade!”. Acostumada aos elogios pelo “Maior vão livre do mundo, com carga permanente, coberto em plano”, achei que o julgamento do grande artista talvez estivesse conseguido comunicar aquilo que queria dizer quando projetei o MASP. O museu era um “nada”, uma procura da liberdade, a eliminação de obstáculos, a capacidade de ser livre perante as coisas”