Olhos que não vêem é o título de três textos de Le Corbusier, um dedicado aos transatlânticos , outro aos aviões e o último aos automóveis. Saber ver a arquitetura é o título de um livro de Bruno Zevi. Os arquitetos, ao menos é o que dizem, vêem outras coisas. Não sei se mais, porém outras.
Todavia, Walter Benjaim - que não era arquiteto mas muito escreveu sobre edifícios e cidades, e levou Sigfried Giedion, que tampouco era arquiteto mas construiu boa parte da mitologia do modernismo no raiar do século passado - dizia que o cinema é percebido como a arquitetura: de maneira distraída e coletivamente. Ninguém entra em um edifício, dizia Benjamin, apenas para observá-lo. Ou sim: os turistas; mas esses são um caso à parte, ainda que numerosos.
E o que vêem os arquitetos?
Há algumas semanas vi essa foto feita por Lorenzo Díaz Campos publicada no Podio. Na foto estão, em primeiro plano, David Chipperfield, arquiteto do museu, Mauricio Rocha e Michel Rojkind. Os três estão olhando para cima, coisa que fazemos apenas, creio, ao ar livre, para ver o céu, as nuvens ou algum avião ou, se sob um teto, para olhar a iluminação. A menos, claro, que se esteja na Capela Sistina ou algum edifício similar, se não, não há razão para ver o teto. Mas os três arquitetos olham para cima. Cada um para um lado.
Provavelmente Chipperfield descreve um detalhe geral ou explica as razões de ter tomado certa decisão - que a luz seja uniforme, por exemplo - e não algo específico - "vejam aquela mosca ali em cima." Essa atenção concentrada em um ponto ou objeto, em um edifício e seus detalhes, não é, se acreditarmos em Benjamin, a maneira habitual de ver um edifício. Tampouco de descrevê-los.
Também há pouco tempo, folheando o jornal, li um anúncio imobiliário. A imagem que o ilustrava me recordou outras. Não era a melhor fotografia de um edifício que, pouco antes, Lucio Muniain havia mostrado em sua página no Facebook. Lucio descreve seu projeto a partir de certas decisões que tiveram, de novo, consequências formais: não projetar deixando-se guiar pela forma mais simples de se livrar de restrições, abrir-se às vistas ou responder à topografia. Comentaram no Facebook que a planta tem referências óbvias nas de Alvar Aalto: claro, respondeu Lucio. O projeto segue, pois, razões que respondem à legislação, ao terreno e às vistas, à história da arquitetura. Como o descreve o vendedor? "Área de 173 m², dois ou três quartos, duas vagas na garagem, sala de eventos, academia equipada, jardim."
Insisto: suponho que o vendedor sabe o que faz. Ele explica o projeto segundo o que julga interessar o possível comprador e talvez ao possível morador que, provavelmente, não sabe o que a legislação exige e prefere ver uma televisão de 60 polegadas à perspectiva de sua janela. Muito provavelmente, nem o vendedor nem o comprado jamais tenham ouvido falar de Alvar Aalto - e talvez não tenho por que ter ouvido falar dele. O curioso, por assim dizer, é que algum desses compradores poderia ser um leitor assíduo de livros, bons ou ruins, não importa - e reconhecer o que lhe agrada por suas características: pelo tema ou estilo do autor, pelas influências que reconhece em seus textos. Ou poderia ser um apreciador incondicional de música, amante de Bach ou fanático por Radiohead, e ter todos os álbuns, mesmo os mais difíceis de encontrar. Porém, com a arquitetura é diferente, chega a ser excepcional o interesse daqueles que não são arquitetos - para dizer a verdade, as vezes há inclusive arquitetos que ignoram muito disso e pensam em seus projetos nos mesmos termos do vendedor: metros quadrados, número de quartos e vagas na garagem, amenidades.
Poderá a arquitetura despertar a paixão do grande público - isto é, massivamente e não de modo excepcional? Ou está condenada, como sugere Benjamin, a ser vista apenas de relance, a ser usada, ocupada, e habitada, às vezes carinhosamente, é verdade, mas nunca com a atenção que se observa um quadro.?
Às vezes penso que nem sequer esses edifícios que muitos leigos aplaudem, apesar dos arquitetos os detestarem, são capazes de conseguir essa façanha. Tampouco os ícones, antigos ou novos, indispensáveis no itinerário do turista profissional. E caso não seja uma falha, mas apenas uma condição: assim é e será. Mas então, quando prestam atenção a uma obra ou quando descrevem seus próprios projetos, o que vêem os arquitetos?
* Alejandro Hernández Gálvez, Arquiteto Mexicano. Finalista e vencedor de diversos concursos através de seu escritório f304. Projetou exposições e participou nas principais bienais de arquitetura do mundo. Editor da revista Trazos, diretor editorial da revista Arquine e colunista do jornal Reforma.
Esse artigo foi escrito por um de nossos leitores e selecionado por nossa equipe editorial.