Derrubada a monarquia, uma das primeiras medidas de fundo de reorganização da sociedade, tomada pelo governo republicano, foi dirigida às questões da habitação. Até 1910, as classes trabalhadoras viviam em habitações arrendadas com contratos precários. Os despejos eram fáceis e recorrentes. A Lei do Inquilinato, publicada cinco semanas após a implantação da República, tornou os despejos mais difíceis e regulou o aumento das rendas – até aí um mercado totalmente liberal. Os primeiros governos republicanos – houve 45 governos em 16 anos –, sobretudo os liderados por Sidónio Pais, foram muito activos a planificar uma intervenção no plano da habitação a custos controlados. Mas em 1922, o governo empossado quis romper com as políticas dos seus antecessores e propôs um programa de austeridade em que abdicava do plano de construção de novos bairros operários. Quatro anos depois, dar-se-ia o golpe militar que abriria caminho à ditadura de Salazar.
Numa primeira fase, Salazar recuperou parte do plano dos governos republicanos concretizando, até ao início da II Grande Guerra, alguns dos bairros projectados e acrescentando-lhes outros, num processo apenas travado pelas dificuldades financeiras do pós-guerra e, mais tarde, com o início da Guerra Colonial nos anos 60. Ainda que, nos anos 60 e 70, tenham sido realizadas, sobretudo nos centros urbanos, algumas experiências importantes ao nível da habitação, o Estado não consegue responder à pressão dos enormes fluxos migratórios do campo para a cidade. Lisboa e Porto são cidades circundadas por extensos bairros de lata informais que iam acolhendo famílias e novos residentes, muitas vezes, por região de proveniência.
Carlos Macedo Rodrigues, em “Clandestinos em Portugal”, defende que é “no sector da habitação que a cidade portuguesa se distingue da generalidade das cidades da Europa Ocidental, uma vez que uma percentagem significativa dos fogos construídos a partir dos anos 60 tem sido processado por aquilo a que se pode chamar o sector informal da habitação”.
Com a revolução dos cravos de 25 de Abril de 1974, o problema da habitação ganha visibilidade. O aumento demográfico com a chegada dos retornados das colónias e vários processos de ocupações de larga escala de edifícios e bairros, nalguns casos ainda em construção, faz aumentar a pressão sobre o Estado, a que os primeiros governos da democracia não são alheios. A primeira Constituição saída da revolução consagra, no seu Artigo 65º, a universalidade do Direito à Habitação.
Passados três meses do dia da revolução, o então secretário de Estado Nuno Portas propõe ao governo lançar um programa nacional de construção de habitação, pioneiro e inovador, que procurava articular o Estado, o financiamento, arquitectos e engenheiros, e cidadãos, organizados em torno de associações de moradores. O programa chamava-se SAAL e foi tão curto quanto revolucionário.
Mas a disponibilidade política não conseguia dar resposta às necessidades de um povo a que a liberdade devolveu o direito de sonhar e exigir uma vida melhor.
A par de manifestações com palavras de ordem como “Casas sim, barracas não!” ou “A casa do proletário não pode sair do seu salário”, as pessoas iam organizando as suas casas e os seus bairros de uma forma informal, na esperança que um dia chegassem a água, as ruas e o saneamento.
Aliás, é nesse contexto que surge parte da construção do Monte Xisto, em Matosinhos, na qual se centra a intervenção a ser realizada no âmbito deste sector, nesta representação na Bienal. Ainda que não se possa identificar o bairro com uma época específica, uma boa parte da sua construção, no pós-25 de Abril, resultou da divisão em avos de grandes áreas agrícolas para que nessas parcelas os trabalhadores construíssem as suas casas.
Se antes do 25 de Abril existia um problema de habitação, a acção do Estado procurava torná-lo invisível e silencioso à luz da sociedade. Com a revolução, e durante os anos que imediatamente se lhe seguiram, teria sido difícil planificar melhor a explosão da bolha que teria de rebentar. A sensação de liberdade, de que tudo seria possível – independentemente das dificuldades económicas – e, sobretudo, a perda do medo, levaram a que a maioria dos que viviam em condições miseráveis reivindicasse, exigisse e tomasse nas suas mãos a melhoria das suas condições de vida.