Numa das entrevistas que fomos fazendo ao longo dos últimos meses, a primeira pergunta de um jornalista, habituado a entrevistar e escrever sobre o que se entendeu chamar “arquitectura portuguesa”, imediatamente após visitar connosco o Monte Xisto, foi: “o que fazem aqui?”
A pergunta é curiosa porque diz muito do castelo em que a arquitectura – não exclusivamente a portuguesa, mas a mais mediatizada – se encerrou.
Na verdade, ao longo da história, sempre houve arquitectos a trabalhar nestes contextos e, nos meios de comunicação da especialidade, a sua actividade tem tido ciclos de maior e menor visibilidade.
Mas, nas últimas décadas, a arquitectura foi hiper-mediatizada, massificando-se a sua difusão. A sua imagem foi um instrumento da propaganda de um mundo neoliberal – rico, feliz e espetacular – a que todos deviam aspirar. As várias crises que se foram sucedendo, com particular relevância para as da dívida soberana, abalaram a ilusão de que o mundo caminhava para a paz e de que o bem-estar chegaria no fim do caminho. Os mega-projectos, mais mediáticos, foram sendo suspensos ou desviados para a zonas reservadas, em que a bolha imobiliária ainda vai sendo mantida, do Médio Oriente à Ásia, em realidades sentidas como distantes e instáveis. Utilizando os mesmos instrumentos de divulgação, emergiu uma nova realidade de projectos mediáticos. Mais tarde do que cedo, isto também está a ter um reflexo em Portugal.
Em Matosinhos há muito por fazer. Não apenas no Monte Xisto mas também no Bairro dos Pescadores, em Gatões ou em Monte de Espinho como diagnosticamos na secção Matosinhos Informal. Monte Xisto, o bairro escolhido por Paulo Moreira para trabalhar e projectar uma intervenção, tem uma carga simbólica bem ilustrativa das transformações em um século de habitação em Portugal. Da história das quintas e do sistema de relações feudais, à conquista do seu avo de terra para a construção da casa sonhada, à tensão com o Estado a partir do conflito com a lei e o planeamento. A todo este novelo acresce, na zona para a qual Paulo Moreira projecta, a necessidade urgente de contenção das terras desestabilizadas pela demolição de algumas construções. O seu trabalho e o dos fotógrafos Nelson D'Aires, Paulo Pimenta e Valter Vinagre – ao longo destas três edições -, também serviu para dar visibilidade ao problema, desencadeando um processo junto dos poderes públicos que gostaríamos, mas infelizmente não podemos, anunciar como irreversível.
Por outro lado, uma intervenção urbana requalificadora de todo o Monte Xisto, só poderá ser pensada a partir da organização dos seus moradores em estruturas representativas, como associações de moradores. Uma representação que ultrapasse os conflitos de vizinhança, que ganhe em capacidade reivindicativa e que se consiga constituir como actor central do processo decisório. Que seja dos próprios moradores – a partir de processos democráticos e com o apoio técnico qualificado – o emanar de decisões sobre as praças, as ruas e os jardins necessários, tendo consciência que o enraizamento de uma cultura democrática, e de participação, não coloca em causa, ou retira responsabilidades, ao técnico ou à autarquia, mas antes, reforça e qualifica o carácter da transformação.
Num momento em que estas práticas profissionais estão na crista da onda mediática, importa manter a frieza de análise e objectivos, não permitindo que se reduzam ou glorifiquem na confortável ideia de operações que fazem o bem, sendo absorvidas para um canto da história da caridade – como Žižek explica no seu ensaio “First as tragedy, then as farce” (Verso, 2009) –, mas antes, que se amplifiquem e viralizem como acções transformadoras. Não se trata de fazer o bem, trata-se de produzir uma efectiva mudança.