"Situada na paisagem desértica que define a aparência de Nevada,
Ascaya parece ter sido moldada pelos elementos.
[...]
Onde as pedras sobem ao encontro do céu, existe um local chamado Ascaya."
- Site Promocional de Ascaya
Não é bem assim, de acordo com o livro Lake Las Vegas/Black Mountain de Michael Light, que será lançado em breve. Tratando do avanço da suburbana Nevada para o deserto, esse livro de duas partes analisa Lake Las Vegas, uma então abandonada vítima da crise imobiliária em 2008 que, desde então, emergiu do outro lado da falência, e para as redondezas de Ascaya, uma área residencial de alto padrão que ainda está em processo de estabelecimento em Black Mountain. As fotografias de Light não questionam muito diretamente os empreendedores, mas sim a destruição, a interferência e o aterramento da encosta e a construção de um grande empreendimento imobiliário na paisagem restante. Apresentando belas composições de fotos aéreas das áreas em construção e de campos de golfe cobrindo o deserto, o livro é uma clara crítica ao desenvolvimento destrutivo e insustentável em Nevada. Muito mais do que isso, Light está chamando atenção para a filosofia por trás de empreendimentos como Ascaya e Lake Las Vegas, que falham completamente em conectar a sociedade norte-americana à paisagem norte-americana de forma não destrutiva.
Light não é o primeiro fotógrafo a registrar o impacto desse tipo de desenvolvimento. Em 1975, William Jenkins foi curador de uma exposição chamada "New Topographics Photographs of a Man-Altered Landscape", apresentando fotografias do desenvolvimento urbano pelos Estados Unidos. Os fotógrafos na exposição apontaram suas câmeras para as fronteiras norte-americanas como eram então: desaparecendo sob as redes cristalinas totalmente mundanas e, importante notar, bem conhecidas pelos observadores (um homem inclusive reconheceu seu caminhão). A exposição documentou o sonho da fronteira norte-americana como ele era de fato, sem restrições estilísticas (eles alegaram não haver nenhum) e - ideia central de New Topography - conseguiu ser feita de forma completamente neutra.
Com Light e "New Topographics" cobrindo tópicos similares com um intervalo de 40 anos, cria-se um contraste interessante. As fotografias de Light certamente não se pretendem neutras: elas explicitam suas acusações de devastação ambiental, de arquitetura sem originalidade alguma e de um estilo de vida deslocado ao máximo da relação com a paisagem. Dito isso, mesmo em 1975 havia tensão no cerne da exposição, como sugere o título da montagem. Antes disso, as fronteiras norte-americanas eram tema, apenas de fotografias românticas da natureza de Ansel Adams ou tidas como parte do persistente sonho do Manifest Destiny de colonizar e domesticar o oeste.
Assim como a exposição falhou em conciliar as paisagens naturais e construídas ao descrevê-las sem julgamentos, os empreendedores não conseguem conciliá-las apesar do enorme montante de dinheiro -literalmente, bilhões- que foi investido em projetos na última década. Em seu ensaio sobre Lake Las Vegas/Black Mountain, Rebecca Solnit explora a forma como, Las Vegas de uma forma mais ampla rejeitou a paisagem do deserto e afastou a fronteira de forma admirável, destacando como Vegas deixou de incorporar a ideia do deserto para substituí-la por uma visão externa, que fornece um contexto muito necessário para o desenvolvimento. Apropriadamente, até mesmo o nome Ascaya é uma deturpação sem sentido de uma palavra importada do grego, "ascia", um tipo de ferramenta usada para esculpir e para agricultura, o que leva os empreendedores a afirmarem, sem ironia alguma, que trata-se de uma referência ao modo de dominação da paisagem que, poucas linhas antes tinha sido colocada como inspiração para todo o projeto.
Longe de serem "moldadas pelos elementos", esses novos subúrbios nem se quer parecem ter conhecimento de si, rejeitando qualquer influência americana ou design inovador e importando um estilo faux-Europeu totalmente incoerente com o contexto, com a réplica da Ponte Vecchio de Florença passando por cima do lago artificial do Lake Las Vegas e casas em subdivisões (chamadas "Barcelona" ou "Colinas de Roma") usando um pastiche de estuco e telhas vermelhas aparentemente mediterrâneas. Qualquer elogio ao estilo das casas que ao menos reconheça o calor do clima deserto é considerar, nunca tão pouco, a profusão dos campos de golfe escoceses que aquecem o lugar - ou nesse caso, o enorme lago artificial na área onde o reservatório Lake Mead perde até 1,2 bilhões de m³ de água por ano através da evaporação. Os estilos europeus importados estendem-se às casas mais caras na forma de pátios internos, para que a vida possa olhar para dentro de casa, casas introvertidas, estabelecidas a partir do interior e unidas através de terraços naturais, afastadas das comunidades e da compreensão da configuração da paisagem do deserto.
Na tentativa de se desvincular do excesso de Lake Las Vegas nos anos 90, as imagens promocionais da futuramente completa Ascaya tentavam afirmar que Ascaya acolhe as características do deserto de uma forma que Lake Las Vegas não fazia, com suas extensões de vidro e citações de Frank Lloyd Wright. Porém, as fotos aéreas de construções destrutivas de Light destacam uma espetacular paisagem de fronteira que seria perdida de uma perspectiva terrena, que poderiam ser tirada diretamente das mais antigas e confidentes representações do sonho americano. As perspectivas aéreas nos permitem visualizar o estilo de vida irrealista promovido por Ascaya. como colocou Solnit, para quem são as calçadas? Isto não é um desenvolvimento tranquilo em um clima tranquilo. A proliferação de piscinar privadas, alastrando plantas térrea e uma colcha de retalhos de campos de golfe, promovem uma visão sobre a forma de vida vislumbrada pelos desenvolvedores do Ascaya.
Compare, por exemplo, as fotografias de Julius Shulman do Los Angeles Case Study House, construído em 1940 até 1960 como modelo de casas para o desenvolvimento futuro do oeste norte-americano. Estas são imagens otimistas das novas habitações dominando a paisagem, mas de certa forma esta é a intenção de reinterpretar todo o espaço do deserto como local de lazer, aceitando e incorporando a fronteira na vida. Enquanto eles indicam uma sociedade confiante na ligação entre paisagem e estilo de vida, a exposição da Nova Topografia é a sociedade perdendo essa confiança, o que permite que os fotógrafos estabeleçam um diálogo sobre a relação entre o sonho do Oeste e a construção do meio ambiente - apesar da possibilidade colocar essa relação em questão. As fotografias de Light, então, o permitem que faça uma declaração bem sucedida definitiva sobre a forma como esta ligação foi transferida.
É por isso que Light retrata o processo de construção em suas fotos: elas o permitem que se envolva com a paisagem que de outra forma seria obscura. As claras comparações para topo das montanhas de mineração, remoção e os padrões formados pelo aterramento inacabado lhe permite reunir o sonho de fronteira e do ambiente construído de uma forma que o New Topographics, em sua neutralidade declarada, não podia. Ao fazer a comparação direta entre Ascaya e os arredores e fazer tão clara a condenação, Light é capaz de mostrar como os desenvolvedores reagiram à perda de confiança no sonho de fronteira que New Topographics ilustrava: rejeitando completamente a ligação e estabelecendo uma visão completamente nova.
É fácil zombar de empreendimentos como estes, com todo o seu pastiche e prosperidade exacerbada. Engraçada, a condenação de Light também era efetiva e verdadeiramente necessária. No entanto, os danos que ele ilustra tão bem não são causados apenas pela construção suburbana imprudente, mas por uma falha de articulação de uma relação de confiança com a paisagem que o sonho romântico da fronteira, para todos os seus defeitos, tinha. Reconciliar os ideais de paisagem e o ambiente de construção é essencial para uma arquitetura de sucesso, e muitos outros edifícios além dessas casas falham nesse sentido. Em um momento que, ao redor do mundo, parece haver um movimento crescente de rejeição contra a arquitetura homogênea e globalizada - o concurso para projetar uma alternativa para o próximo Museu Guggernheim em Helsink, por exemplo, ou o "Absorbing Modernity" de Rem Koolhaas, provocação para os Pavilhões Nacionais da Bienal de Veneza de 2014 - devemos ser cuidadosos na leitura do trabalho de Light como um retrato do ridículo e do mau gosto. A desconexão entre as paisagens natural e construída, entre o sonho norte-americano e a realidade norte-americana, é o verdadeiro assunto destacado por ele. Deveríamos escutar.
Com grande agradecimento a Aaron Shaw por sua considerável experiência na história da fotografia