NÃO é só Luanda que está caótica. Caótico está o próprio conceito de cidade na versão habitual de andar por casa pensando que as cidades são os centros históricos da velha Europa, uns prédios apinhados, e umas auto-estradas, centros comerciais…, além extensos subúrbios, e pronto.
Na África havia aquela ideia de que a cidade era a cidade colonial com suas avenidas e jardins limpinhos, casas lindas e prédios tropicalmente modernos. O resto era o caniço, o musseque, os indígenas e os seus outros mundos. A ordem e a desordem urbana faziam-se com este dualismo entre supostos civilizados e indígenas, colonos, colonialistas e colonizados. De repente, passada a descolonização, o clarão da independência e os anos duros da guerra civil, Luanda apresenta-se como um enorme território rapidamente urbanizado, feito de retalhos ligados de modo frágil e congestionado onde desaguaram milhões de fugitivos de uma terra a ferro e fogo.
A Luanda pós-colonial é também a Luanda do capitalismo global, fragmentada em musseques, condomínios de luxo, cidades novas, prédios velhos, torres de escritórios, poder, ostentação, lixo e muita miséria. Ao sentido do todo sobrepõem-se as novas tribos[1], constelações de grupos e interesses que prevalecem sobre as grandes instituições e sistemas da modernização social e da organização do Estado; aí convivem o autoritarismo, a anomia e a pulverização social, muita esperança e vontade de futuro, também.
Um imbondeiro com um reclame em chinês na Rua da Estrada é apenas um afloramento das múltiplas africanidades que há em África; sinal de pequenos negócios que são grãos de poeira ao lado de outros que há daqui e d’além Kwanza.
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[1] Michel Maffesoli (2000), Le temps des tribus, La Table Ronde, Paris