Recentemente a 6ª Bienal de Urbanismo e Arquitetura Bi-Cidade UABB) abriu as portas ao público em Shenzhen. Sob o tema geral "Re-Vivendo a Cidade, " os curadores Alfredo Brillembourg e Hubert Klumpner do Urban Think Tank lideraram a exposição "Urbanismo Radical" na sala principal. Brillembourg e Klumpner convidaram os visitantes da exposição para demonstrar como podemos aprender a partir de iniciativas pontuais e não hierárquicas soluções urbanas alternativas. No seguinte artigo, originalmente publicado no catálogo do UABB de 2015 - os curadores nos chamam a atenção para "repensar como nós operamos dentro da cidade, aprender de sua inteligência emergente e moldar seus resultados para fins radicais e táticos."
A noção de urbanismo radical inevitavelmente nos leva a esfera político. Imaginar um futuro com mais igualdade e mais sustentabilidade envolve uma crítica implícita das condições espaciais e de sociedade produzida pelas lógicas urbanas prevalecentes. [1] Como tal, nós não apenas somos lembrados do célebre ultimato de Le Corbusier "arquitetura ou revolução," mas seu eco geral no pronunciamento ainda mais catastrófico de Buckminster Fuller "utopia ou esquecimento.”[2] Ambos eram cenários nascidos da abertura social, seja as privações e tensões do período do entre guerras, ou os conflitos e ansiedade ecológica do final dos anos 1960. Enquanto a onda de práticas experimentais "pós utópicas" que emergeram nos anos 1970 se posicionaram explicitamente se opuseram as falhas perceptíveis do movimento moderno, esses grupos distintos compartilhavam uma crença - embora desencantada - com seus antecessores na ideia que a diferença radical era possível, assim como a convicção que uma pausa seria necessário.
É exatamente esta potente mistura de idealismo e criticidade que nós queremos explorar sob a rubrica de "urbanismo radical" - sonhos utópicos temperados por um comprometimento inabalável com a realidade social. Estamos interessados naqueles que defendem o excepcional enquanto camuflado nas armadilhas da rotina. Aqueles que infiltram disciplinas periféricas, vestidos de observadores externos, e alavancam um ponto de vantagem para influenciar decisões e políticas. Aqueles que abrem mão do controle direto em favor de uma autonomia distribuída e feedback instrumental. Estamos interessados em projetos que buscam distância dos limites disciplinares, e de normas jurídicas, políticas e sociais. O possível imanente e o muito improvável, o absolutamente necessário e o tabu proibitivo. Um projeto radical não necessariamente visa um desenho como uma solução, nem como maneira de elucidar uma questão, mas como reestruturação fundamental de hipóteses da maneira como vivemos e os ambientes que são necessários para dar suporte a essa vida. [3]
A história da arquitetura e do urbanismo é repleta de indivíduos, grupos, movimentos, estruturas, obras não construídas, projetos conceituais, programas de pesquisa, teorias, exposições, publicações e apresentações que traçam de maneira coletiva uma tradição potente da intenção radical. O que une essas atividades diversas numa só não é o desejo de escapar fronteiras disciplinárias totalmente, mas sim redefinir as possibilidades de arquitetura e do design como um meio para inaugurar uma alternativa ao status quo. Embora urbanismo radical possa assumir inúmeras formas, podemos destacar três campos potenciais de contestação que incorporam modos alternativos de prática, pensamento ou comprometimento. O primeiro se dá destacando uma visão provocativa que desafia o pensamento normativo do tempo. O segundo é através da reinterpretação do papel do arquiteto para questionar o que é pragmaticamente possível quando intervindo em um ambiente urbano. O terceiro é operar na vanguarda das mudanças políticas, ou, em outras palavras, arquitetura como revolução.
Se aceitamos as crenças fundacionais modernistas que se dirigir as realidades da vida contemporânea significa trabalhar na e pela cidade, então arquitetura e urbanismo podem representar subversão radical de estruturas sociais estabelecidas e além de questões materiais de forma e estética. De visões não realizadas e projetos como La Citta Nuova de Antonio Sant’Elia, Ville Spatiale de Yona Friedman, Nova Babilônia de Constant Nieuwenhuys, e Potteries Thinkbelt de Cedric Price às provocações avant-garde de Plug-In City de Archigram, Monumento Contínuo de Superstudio e No-Stop-City de Archizoom, o humanismo inclusivo de the Smithsons, o hibridismo animista de Pancho Guedes, o 'utopianismo techno' de Metabolists, e as propagandas repletas de carga política de grupos como Ant Farm, Utopie, e Haus Rucker Co, podemos ver uma mudança da compreensão limitada da arquitetura como o projeto de estruturas discretas, para uma noção expandida que a arquitetura e urbanismo podem incorporar uma forma de crítica cultura, ou canal ainda mais decisivo no domínio da ação política e social. [4]
Isto se encaixa como uma linha paralela de pensamento que vê o papel do arquiteto como se estendendo além do puro desenho, de apoiar a agência de indivíduos e comunidades cujos cotidianos moldam o ambiente construído em evolução. Vemos isto nos conceitos de edifício aberto e flexível de John Habraken, o simples sistema de habitação modular de Walter Segal, as teorias de auto construção e auto gestão de John Turner, as estratégias cooperativas e o "anarquismo pragmático" de Colin Ward, a tecnica povera de Riccardo Dalisi com crianças do Traiano Quartiere em Nápoles e o "planejamento de ação" de Otto Koenigsberger na Índia. Além da preocupação comum com os grupos de "usuários" comumente marginalizados ou excluídos por processos formais de autoridade e controle, esses projetos estão conectados por uma modéstia que que contrasta com as projeções heroicas do movimento moderno. É um urbanismo radical caracterizado pela sensibilidade em relação à escala e tempo, uma apreciação de contexto, e uma mudança de autor para agir como capacitador. [5]
O terceiro tipo de radicalismo emana de dentro pra fora, onde o urbanismo é adotado como um bloco construtivo institucionalizado prefigurando um novo modo de vida. Embora desacreditado em seu disfarce mais determinista, a crença arrogante na habilidade em "corrigir sociedade na prancheta de desenho" - esse alinhamento direto de arquitetos e projetistas com governança revolucionária é talvez urbanismo em sua faceta mais "radical".[6] Enquanto o caso emblemático permanece os condensadores sociais" de Mozei Ginsburg e os construtivistas russos, que eram dirigidos conscientemente a induzir coletivismo, se faz presente o eco no envolvimento de Alvaro Siza com as "brigadas" do programa de habitação do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) seguindo a revolução portuguesa, o Proyecto Experimental de Vivienda (PREVI) lançado no Peru em meados dos anos 1960, intervalo entre ditaduras militares e as novas cidades periféricas projetadas pelos Vāstu-Shilpā Consulting de BV Doshi na Índia pós independente. Em sintonia com as agendas políticas emancipadoras, esses esquemas procuraram sustentar formas alternativas de desenvolvimento econômico e social.
Reyner Banham descreveu sonhos de um mundo melhor como os verdadeiros "fantasmas na máquina" da arquitetura do século XX enquanto Tahl Kaminer argumenta que a perda do "horizonte utópico" significa que a ideia de progresso foi rejeitada como mito.[7] Faz sentido então falar de um urbanismo radical contemporâneo? Em suma, estamos convencidos que faz. Cidades são espaços híbridos complexos onde maneiras divergentes de atuação, reflexão e viver uma vida urbana colidem e transformam. E nesses espaços, uma nova geração de arquitetos, designers, advogados, artistas, sociologistas, antropologistas, economistas e ativistas estão reimaginando de maneira coletiva novas táticas para abordar questões urbanas e sociais críticas. A cidade hoje é talvez mais radical que aqueles que a operam de dentro. Ele calcula possibilidades desconhecidas, realiza experimentação de alto risco, e telegrafa futuros previamente desconhecidos de forma mais rápida e mais completa do que a balsa de profissionais encarregados de sua administração, análise ou desenho.
É necessário um debate em torno de projetos concretos e escaláveis para reformular o termo "radical" e as suas potencialidades para o projeto no século XXI. A exposição "Urbanismo Radical" nesta Bienal trará maior visibilidade aos modelos alternativos de habitação, mobilidade, produção e recreação fundamentados na busca da justiça social e ambiental, diversidade e igualdade. Ela irá destacar as formas de práxis radicais que questionam o papel do arquiteto e redefinem a disciplina, reivindicando novos territórios, novas funções e nova legitimidade para o pensamento de arquitetura e design. Vai dar espaço a projetos que sejam ao mesmo tempo corajosos e provocadores - que chamam a atenção para o jogo de mudança de agentes urbanos de amanhã. Ela vai mostrar como é possível desenvolver táticas pioneiras de intervenção e envolvimento durante a operação legitimamente dentro dos pontos cegos de estruturas de poder existentes. E vai reafirmar a capacidade de arquitetos e designers de articular empoderamento, transformação, confrontação e as visões realizáveis do nosso futuro coletivo urbano.
Notas de rodapé
- David Harvey, "The Crisis of Planetary Urbanization" em Pedro Gadanho, ed, Uneven Growth: Tactical Urbanisms for Expanding Megacities (New York: The Museum of Modern Art, 2014), 29.
- Ver Le Corbusier, Toward an Architecture, trans John Goodman (London: Frances Lincoln / Getty Trust, 2007), publicado primeiro em francês como Vers une architecture (Paris: G. Cres, 1924); R. Buckminster Fuller, "Invisible Future," San Francisco Oracle 11 (December 1967), 24.
- Esta e outras partes deste texto são extraídas de uma declaração dos assessores de curadoria da UABB, Ersela Kripa e Stephen Mueller, da AGENCY.
- Fredric Jameson, Archaeologies of the Future: The Desire Called Utopia and Other Science Fictions (New York: Verso, 2005), 168.
- John R. Gold, The Experience of Modernism: Modern Architects and the Future City, 1928-53 (London: Thomson Science, 2013) 15-16.
- Meyer Schapiro, "Architect's Utopia: Review of Architecture and Modern Life," Partisan Review 4 (1938) 46, 89-92.
- Reyner Banham, Theory and Design in the First Machine Age, 2nd ed (Cambridge, Mass.: MIT: 1980), 12; Tahl Kaminer, Archi tecture, Crisis and Resuscitation:. The Reproduction of Post-Fordism in Late-Twentieth-Century Architecture (New York: Routledge, 2011) 19.