5.000 câmeras 3D para preservar a arquitetura de um país em guerra. Uma equipe de arquitetos latinoamericanos que adentram os bairros mais conflituosos da Venezuela para projetar e construir equipamentos públicos junto à comunidade. Um arquiteto legendário que soube entender e aplicar na arquitetura as transformações da tecnologia nos últimos 50 anos. Esses são alguns projetos, iniciativas e pessoas que provaram ser líderes em 2015.
A equipe editorial de ArchDaily gostaria de reconhecer esses projetos por seu compromisso em promover práticas em arquitetura que atendem a muitas pessoas, em todos os cantos do mundo –da Bolívia a Londres, de Chicago a Veneza, de equipamentos públicos em favelas a terminais de drones na África. Essas são as histórias que nos inspiraram em 2015, e cuja influência esperamos continuar a ver em 2016.
Categoria: Novas Tecnologias
Harvard + Oxford Digital Preservation
Ao início do ano, à medida que o Estado Islâmico avançava através do Iraque e da Síria, suas tropas capturaram alguns dos sítios históricos mais apreciados do mundo, e não perdeu tempo em demonstrar uma iconoclastia que se encaixaria melhor com as guerras religiosas de séculos passados que hoje em dia. Enfrentados a essa atitude sobre o conflito cultural, o Instituto de Arqueologia Digital –um projeto colaborativo entre Harvard e Oxford– optou por uma resposta própria do século XXI. Armando seus parceiros locais com 5.000 câmeras 3D de baixo custo, esperam em 2017 reunir 20 milhões de imagens de estruturas históricas em franco risco, e planejam substitutos em 3D para aqueles monumentos onde o impensado venha a acontecer.
A escolha do Instituto de Arqueologia Digital por parte de ArchDaily é uma reflexão sobre o fato de que defender monumentos culturais na região é mais que somente reter a memória. Tal como argumenta Amr Al-Azm num artigo para a revista TIME, “uma vez que a violência atual termine, o povo da Síria necessitará encontrar a maneira de se reconectar com símbolos que alguma vez os uniu através de linhas religiosas e políticas. O passado do país, representado em seu rico patrimônio cultural, é chave”. Com sua resposta high-tech a essa ameaça existencial, o Instituto de Arqueologia Digital não só está preservando o passado da região, como também ajudando a guardar seu futuro. [RS]
Oculus Rift
A representação arquitetônica têm, ao longo do tempo, buscado transmitir a essência dos edifícios através de diferentes meios, de croquis a vídeos. Mas estes meios, os únicos até certo tempo atrás, careciam da possibilidade de capturar e transmitir verdadeiramente a experiência de estar em um edifício. Estórias de arquitetos que viajavam para os cantos mais longínquos do mundo a fim de aprender sobre a arquitetura daqueles lugares sempre comentam destes viajantes desenhando os espaços que visitaram pessoalmente. Le Corbusier fez isso em sua viagem ao Oriente, registrando sua experiência em anotações e croquis. A onipresença e facilidade da fotografia também teve um grande impacto na representação da arquitetura, e nos últimos anos, o registro em vídeo de edifícios e espaços acrescentou outra camada à narrativa arquitetônica. Mas é a realidade virtual que realmente abre novas portas para os meios como podemos transmitir uma experiência real. Não importa a quantos croquis, fotografias, desenhos ou vídeos do Panteão tenhamos acesso, não o conhecemos até que estejamos lá fisicamente para ver a luz passar pelo seu óculo. Agora, no entanto, esta experiência foi aproximada e capturada de um modo que faz frente a uma viagem à Itália.
A inovação tecnológica e certa acessibilidade do Oculus Rift abrem um mundo completamente novo para os arquitetos. Nossa profissão se baseia em materializar novas realidades que serão experienciadas de diferentes formas (dependendo da hora do dia e da estação do ano, por exemplo) e filtradas pelo olhar único de cada usuário.
Os avanços proporcionados pelo Oculus estão capitalizando as promessas dessa tecnologia e permitindo que os arquitetos transmitam a realidade por meios digitais. As oportunidades oferecidas pela realidade virtual são infinitas... e estimulantes. [DB]
Norman Foster
Na década de 1960, Norman Foster surgiu no cenário arquitetônico britânico como um personagem chave no movimento High-Tech, que utilizava a tecnologia como solução para problemas arquitetônicos. 50 anos depois, teria sido fácil manter a estética do movimento; em vez disso Foster carrega a chama desse espírito. ArchDaily ficou particularmente impressionado este ano por sua proposta para um Aeroporto de Drones que ajudaria a abastecer comunidades rurais de Ruanda. Com esse projeto, Foster mostrou verdadeiramente o poder de utilizar a tecnologia para fins humanitários. [RS]
Categoria: Comprometimento com a Sociedade
Lema da Bienal de Veneza 2016
Fiel a seu interesse por entender a arquitetura e as cidades como um atalho à igualdade, o arquiteto chileno Alejandro Aravena propôs como tema central da próxima Bienal de Arquitetura de Veneza "Reporting From the Front". Sob este tema, Aravena faz uma chamada a apresentar as batalhas com as quais os habitantes de diversos territórios do planeta lutam para melhorar seus entornos construídos, destacando práticas nas que, apesar da escassez de meios, puderam intensificar os recursos disponíveis.
Esse enfoque humanista que propõe Aravena à chamada da Bienal faz eco a uma tendência à qual o interesse das novas gerações se volta cada dia com mais força: a arquitetura com consciência social. Vimos com entusiasmo como os arquitetos jovens se sentem inspirados pela ideia de que desde suas próprias práticas podem contribuir à construção de um mundo melhor. Essa Bienal deveria ser o cenário perfeito de intercâmbio dessas experiências, numa versão mais inclusiva, que possivelmente diluiria o papel protagônico do arquiteto em uma figura mais coletiva, que envolve também as ações da sociedade civil e dos líderes políticos e sociais, em busca de melhorar nosso entorno construído. [PM]
Arquitetas Invisiveis
O coletivo brasileiro Arquitetas Invisíveis, criado por estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, promove a discussão sobre a igualdade de gênero dentro do âmbito da arquitetura e do urbanismo, por meio do reconhecimento e divulgação da vida e obra de arquitetas (des)prestigiadas pela história.
O coletivo iniciou suas pesquisas há dois anos em busca de mulheres que atuam no campo e descobriu diversos projetos de grande relevância que não tiveram o merecido destaque. No dia das mulheres de 2015 trouxeram à tona 48 arquitetas ao ArchDaily. Na proposta de divulgar e descobrir mais sobre o trabalho feminino na arquitetura, o coletivo abriu uma chamada pública de artigos que abordassem o tema e agora faz uma campanha de financiamento coletivo para possibilitar sua primeira publicação impressa. [VD]
PICO Estudio - Espaços de Paz
Formado em 2010, este coletivo venezuelano está devolvendo a boa arquitetura aos cidadãos. Seu trabalho em terreno se fez visível através dos Espaços de Paz, um exercício de projeto participativo que em dois anos pôde reunir mais de 30 equipes de arquitetos para levantar 10 novos espaços públicos nos bairros mais violentos e degradados de Venezuela.
Distanciados da caridade, das lógicas dos clientes e tomando a responsabilidade social do arquiteto como princípio básico, seus 13 integrantes conseguiram que cada um de seus projetos construídos fossem também um espaço de transferência de conhecimentos e experiências, baseados na cooperação e na retroalimentação entre diversos atores sociais. [JT]
Categoria: Comprometimento Urbano
Prefeitura de São Paulo
A Prefeitura de São Paulo aprovou o novo Plano Diretor da cidade em 2014, desde então seus principais eixos estruturais estão em andamento e já demonstram mudanças significativas no cotidiano da capital paulista, recebendo destaque da mídia internacional que avalia a atual gestão como visionária e corajosa.
Os princípios, estratégias e instrumentos do novo Plano Diretor se baseiam na criação do Fundo de Desenvolvimento Urbano, combate à ociosidade e retenção especulativa dos imóveis que não cumprem sua função social, compatibilização do crescimento urbano com um novo padrão de mobilidade, incentivos para que as novas construções melhorem a sua inserção urbana, além de reforçar o compromisso com a agenda ambiental e abordar outros pontos fundamentais como a habitação e zonas de interesse especial.
Mesmo sob pressão de uma sociedade conservadora, a atual gestão conseguiu impulsionar e ganhar reconhecimento da população em algumas de suas principais ações, como inserir uma rede de ciclovias que possibilitam o uso - até então inimaginável - de bicicletas, criar novas faixas exclusivas para ônibus, abrir a avenida Paulista – ícone da cidade – para que os pedestres possam ocupá-la durante todos os domingos, incentivar a arte e cultura urbana.
Janette Sadik-Khan, ex-secretária de transportes de Nova York, considera que a atual gestão está preparando o terreno para uma São Paulo mais sustentável. Se ainda não é possível colocar a maior cidade da América Latina como uma das mais desenvolvidas num âmbito global, certamente pode-se concluir que ela deu grandes passos para atingir este objetivo. [ADBR]
Creative Camp do Canal 180
Localizado a curta distância da capital de Portugal, na adormecida cidade de Abrantes, um efervescente grupo de jovens artistas, músicos, designers e arquitetos são talvez a última coisa que se esperaria encontrar. Durante uma semana de julho, um festival (chamado “campo criativo”) organizado pelo canal de televisão aberta, o Canal 180, proporcionou um notável aumento na vida dessa pequena e tranquila cidade. O foco em arquitetura e design do Canal 180 os levou a convidar ArchDaily a participar na seleção de projetos de intervenção urbana. [BQ]
Discussão sobre Espaço Público no México
O apagado contexto atual de Iztapalapa, uma das zonas mais desvalorizadas mas com grande riqueza ancestral de Cidade do México, tem sido um ponto focal para arquitetos e urbanistas, tanto locais como estrangeiros, que apostam pela recuperação do espaço público como meio de melhoria da habitabilidade e como unificador da estrutura social e cultural.
O exemplo desses três pontos urbanos reabilitados em seus aspectos formais e funcionais cria, a partir dessa discussão articulada com a comunidade, um efeito dominó para combater a insegurança e melhor a qualidade de vida dos habitantes. [DC]
Categoria: Projeto e Conceituação
Freddy Mamani
Freddy Mamani, arquiteto aimara boliviano, em sua infância brincava com os montes de areia, cimento e brita com que trabalhava seu pai. Sendo pedreiro, quis dar um passo adiante e estudou engenharia, construção e, recentemente, arquitetura. Aos 44 anos, já construiu mais de 60 obras em El Alto, propondo uma nova “arquitetura andina”. Em seus projetos em altura, concentra um rentável programa misto (comercial, residencial e social) caracterizado por um desenho eclético e formalmente expressivo, tanto em seu interior com em seu exterior, através de cores chamativas e elementos geométricos que projeta em obra, inspirados na cultura Tiahuanaco, antecedente do Império Inca.
Além do formalismo e rejeição local por parte das universidades e da elite branca, Mamani é uma resposta da convergência de específicos fatores econômicos, sociais e políticos na Bolívia. A nova burguesia comercial aimara, surgida no calor da expansão sem planejamento e controle de El Alto –a periferia de La Paz–, encontrou em Mamani alguém sem imposições academicistas que pretendia plasmar a identidade aimará na arquitetura, no consolidado processo plurinacional boliviano depois da ascensão de Evo Morales, seu primeiro presidente indígena. [NV]
Bienal de Arquitetura de Chicago
A tão esperada Bienal de Chicago cumpriu com todas as expectativas. Desde a construção de casas em escala real até a decisão dos curadores em destacar uma incrível gama de obras, a Bienal aproximou a arquitetura ao público de uma maneira sem precedentes (pelo menos nesse século e para América do Norte). Ao mesmo tempo, os arquitetos se uniram numa conversa sumamente frutífera e inclusive controversa. ArchDaily reconhece não só os organizadores e curadores da Bienal mas também Chicago como uma cidade com iniciativa. Ver como a cidade promove a preocupação pelo entorno construído é um algo notável. Revisa nossa cobertura da Bienal aqui. [BQ]
Assemble Architects
Fundado em 2010, o coletivo britânico Assemble se move entre a arte, o design e a arquitetura, utilizando seus projetos como “ferramentas para melhorar a vida social e cultural”. Seu trabalho ganhou força e reconhecimento internacional este ano ao levar seu interesse em “abordar a desconexão entre o público e o processo de criação de lugares” à primeira Bienal de Arquitetura de Chicago. Recentemente, tornaram-se os primeiros arquitetos a ganhar o Prêmio Turner pelo projeto Granby Four Streets, que enfrenta o atual processo de gentrificação em Toxteth, Liverpool. [JTF]
Categoria: Sustentabilidade Social, Ambiental e Econômica
Global South Architecture
O conceito de Sul Global é mais amplo que a definição estritamente econômica. Não se trata apenas dos países em desenvolvimento e daqueles ainda estagnados, mas também de um terreno fértil para a experimentação, desenvolvimento e consolidação de um tipo de arquitetura focada na identidade local e que recupera sua experiência construtiva e espacial, porém, adaptando-se a alguns cânones globais do “mundo desenvolvido”. Assim, o reconhecimento por parte do ArchDaily pretende destacar esta arquitetura local em um contexto global cada vez mais consciente de seu ecossistema econômico, social e político.
Em 2013, o então Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, se referiu à África como “o continente do crescimento do século XXI”. Esse crescimento previsto significa um desafio para os arquitetos: projeta-se que em 2030 a população do continente cresça 58% comparado a 2010. No mesmo período, a porcentagem da população urbana passará de 36% a 50%, somando quase 450 milhões de novos residentes às cidades africanas em apenas duas décadas.
A responsabilidade de satisfazer essa demanda cairá principalmente nas mãos dos arquitetos africanos. Nos últimos anos vimos gratificamente o surgimento de um crescente número de arquitetos africanos incrivelmente talentosos: desde David Adjaye, Francis Kéré e Kunlé Adeyemi, que triunfaram fora de seus países e depois regressaram, a profissionais como Mokona Makeka e Mphethi Morojele, até jovens promessas como Christian Benimana (MASS Design Group), que este ano apresentou uma proposta para a Bauhaus da África à ONU, com o objetivo de capacitar a próxima geração de arquitetos do continente.
Entre as diversas dicotomias dos países asiáticos, dois fatores em comum: a constante necessidade de criar novos espaços para o habitar devido a alta densidade populacional e a ameaça permanente dos desastres naturais. Eles devem construir e reconstruir permanentemente.
O grande desafio dos arquitetos reside na produção de arquitetura duradoura e de qualidade em contrapartida a arquitetura efêmera de emergência. Esta aparente problemática se transforma em uma oportunidade de criar soluções rápidas, de baixo custo e eficientes, variáveis de acordo a realidade econômica de cada país.
Condição que, de certa forma, instigou os grandes arquitetos à repensar o modo de produzir em outras escalas e proporções de valores -rapidez de execução, materiais alternativos e dimensões reduzidas - reaproximando-se da arquitetura vernacular e das tradições locais. Entre eles: o arquiteto japonês e Pritzker 2014, Shigeru Ban, desenvolveu projetos inovadores de refúgios emergenciais, habitacionais e equipamentos comunitários utilizando material reciclado. No Vietnã, respondendo à demanda habitacional em setores de pouco recurso, os arquitetos do Vo Trong Nghia, criaram protótipos de habitação acessíveis, de fácil montagem e remontagem, usando o bambu, como matéria-prima básica - abundante na região. Ambos exemplos citados, conseguiram de distintas formas, aproximar segmentos da sociedade através da boa arquitetura e atender um maior numero de pessoas.
A América Latina é rica em diversidade cultural, no entanto, o status quo da arquitetura tem premiado nas últimas décadas os projetos que transmitem uma imagem globalizada de desenvolvimento, de fachadas envidraçadas e completa desconexão com o contexto urbano, ou bem, a natureza como pano de fundo para complementar inspirações formais.
Agora, enquanto a arquitetura chilena, mexicana, peruana e argentina se voltam para as cidades, por toda a América Latina surgem coletivos jovens que saem às ruas para enfrentar o projeto participativo em povoados que mais necessitam, como é o caso de Arquitectura Expandida (Colômbia) e PICO Estudio (Venezuela). A América Latina permanece num limbo entre o desenvolvimento econômico e a carência de serviços básicos. Enquanto o gt2P e o LAB.PRO.FAB expandem o exercício do desenho paramétrico no continente, aqui é onde a lógica do projeto para o “1%” começou, timidamente, a se quebrar.
O discurso atual tem reconhecido o projeto coerente, sem ostentações, porém eficiente, conceitualmente sólido, consciente do ecossistema econômico e social de seu entorno e com capacidade de construir na escassez de recursos, como o recente segundo lugar do ODA, Smiljan Radic (Chile), Estúdio Terra e Tuma (Brasil), Gabinete de Arquitectura (Paraguai) y AMA (Peru).
Produto de seu amadurecimento, o desafio que enfrentará a maior parte destes arquitetos é ver se são capazes de ampliar a escala de seus modelos de gestão, projeto e construção. No caso dos coletivos emergentes, trata-se de colocar à prova a coerência entre teoria e prática, resistindo à rotatividade de suas equipes.
Participaram da nomeação, votação e redação dos textos: David Basulto (Fundador, CEO e Editor-Chefe), Becky Quintal (Editora Executiva), Pola Mora (Editora-Chefe, ArchDaily em Español/Plataforma Arquitectura), Joanna Helm (Editora-Chefe, ArchDaily Brasil), Rory Stott (Managing Editor, ArchDaily), Katie Watkins (Editor, ArchDaily), James Taylor Foster (Editor, ArchDaily), José Tomás Franco (Editor de Conteúdos, ArchDaily en Español), Nicolás Valencia (Editor de Conteúdos, ArchDaily en Español), Daniela Cruz (Editora de Conteúdos, ArchDaily México), Fernanda Castro (Editor de Conteúdo, Projeto), Diego Hernández (Production Editor, Projects), Danae Santibáñez (Editora Latam/Espanha ArchDaily), Luca Ameri (Editor, ArchDaily), Igor Fracalossi (Editor de Clássicos e Artigos, ArchDaily Brasil), Pedro Vada (Editor de Projetos, ArchDaily Brasil), Victor Delaqua (Editor, ArchDaily Brasil), Romullo Baratto (Editor, ArchDaily Brasil).