E o que será isso de inovação em arquitectura, pensar sobre este assunto porventura será mais operativo e claro (em abstracto), se estivermos a pensar também noutras actividades artísticas, ou próximas, mais ou menos individuais ou colectivas, mais ou menos antigas ou recentes, seja a pintura, a escultura, o cinema, a música, a fotografia, etc. Assim será que existe um conceito ou ideia de inovação, ou será que existem ou coexistem várias formas de inovação… Assim de repente, lembro-me de pelo menos três formas de inovar, na arquitectura, na pintura, na música, no cinema ou onde seja.
A primeira forma de inovação, será a inovação técnica ou tecnológica, a segunda forma de inovar será ao nível das ideias, dos conceitos, ou do que lhe quisermos chamar. Por fim lembro-me de uma terceira forma de inovar, porventura a mais importante do ponto de vista da evolução de cada forma de arte, que é o modo de fazer, esta ultima forma de inovação é com certeza a mais difícil de definir, de apreender, medir ou mesmo entender.
Da inovação técnica ou tecnológica, todos nós temos uma noção clara do seu valor, das suas origens e das suas aplicações. De uma forma geral tem a sua génese no campo da ciência e da tecnologia, surgindo como forma de resolver um problema prático do presente, do passado ou mesmo do futuro próximo, sendo essas inovações à posteriori usadas e adaptadas a cada forma de arte ou oficio, seja para melhorar, ou ultrapassar e resolver um dado problema.
No caso da arquitectura lembro-me de inúmeros exemplos, desde o betão armado, a construção metálica, até à invenção do elevador. Sem qualquer destas inovações técnicas, a arquitectura moderna e as nossas cidades de hoje não existiam do mesmo modo. Estas inovações, ficam, e são constantemente melhoradas e aperfeiçoadas, acabando por serem com o tempo, assimiladas como um modo co-natural no pensar, projectar e fazer.
A inovação das ideias aplicadas a uma dada forma de arte, são de uma natureza mais cultural, económica, social, politica, humanística, numa palavra mais universais. Muitas das vezes são ideias contaminadas, de uma outra actividade e pensamento não artístico, são ideias que procuram criar uma qualquer afinidade colectiva, de entender e melhorar o mundo. Sendo adaptadas de formas diversas, consoante a conjuntura física, social, económica, ou outra. São ideias que nem sempre ficam, são muitas das vezes fruto do tempo e das circunstâncias, num dado momento parecem de facto ideias inovadoras, mas só o Tempo o dirá, se são de facto ideias inovadoras, ou apenas respostas datadas, para um certo tempo e espaço.
Por último temos a ultima, destas três formas de inovação, que surge dependente ou não das outras formas de inovação. Que será o Inovar no modo de fazer, no modo de construir, de compor, de trabalhar o todo e as partes, no modo de por de pé uma qualquer ideia, mais ou menos inovadora, com o natural recurso, ou não, a certas inovações técnica, seja na composição de uma obra musical, no escrever um livro, no realizar um filme, ou no construir um edifico. Esta forma de inovação é com certeza a mais enigmática e misteriosa forma de inovação, tanto na arquitectura, como na música, no cinema, ou onde for, pois esta forma de inovar, no fundo é que é a verdadeira fonte de inovação de uma qualquer actividade artística.
E o que foi de facto a Inovação na música de Bach, de Wagner, Stravinsky, Miles Davis, ou Coltrane, nos filmes de Murnau, Dreyer, Ozu, Bergman, Antonioni, Fellini, ou Tarkovsky, ou nas arquitecturas de Brunelleschi , Shinkel, Frank Lloyd Wrigth, Loos, Corbusier, Mies, Aalto, ou Arne Jacobsen. Terá sido, mais ao nível das inovações técnicas, das ideias, ou no modo de saber como fazer e construir, a um dado tempo e momento daquela forma específica, aquela obra em concreto. Na realidade esta será a grande questão da inovação, que só surge fruto do trabalho, da imaginação, da técnica, da persistência, do ofício, da cultura e de uma grande dose de humildade no momento do fazer.
Bach, Coltrane, Fellini, Tarkovsky, Wrigth, Loos, Mies, ou Jacobsen, entre outros tantos, foram homens de cultura, da cultura do seu tempo e da cultura do passado, que dominavam na perfeição as técnicas do seu ofício, conheciam muito bem as obras dos seus antecessores, e acreditavam que era no modo de fazer que estava a chave da inovação. Refazendo de um modo novo, o processo entre as ideias, o processo e os objectos finais, muitas das vezes a partir das ideias do passado, ideias agora já tratadas de um outro modo. Sempre sabendo rodear-se das pessoas mais talentosas, competentes e com uma visão próxima, nunca caindo na tentação de uma qualquer forma estática de linguagem, procurando sempre algo mais além do óbvio, alguma forma diferente de disser o mesmo, até chegar ao ponto de estarem a construir de facto, algo novo.
E assim de um modo próprio, mais ou menos acompanhados, a inovação no modo de fazer, é na realidade uma consequência de uma reflexão prática, sobre aquilo que já foi feito algures. Mas isso só surge fazendo, tentando, arriscando por vezes em continuidade, por vezes em ruptura, mas sempre na base do aprofundar das competências próprias de cada arte e ofício. Seguindo em primeira linha a sua natureza própria e as suas regras mais ou menos explícitas, para que inevitavelmente o resultado final, seja sempre fruto do mundo do seu autor, ou autores, e do modo como esse mundo, ou essa visão do mundo seja materializada numa dada obra, com mais ou menos talento, com mais ou menos experiência.
Bem sei que hoje em dia, estão na moda os colectivos, principalmente em arquitectura, onde se dilui na prática a importância das autorias. Na realidade, hoje como ontem, ele há ou houve obras interessantes fruto de colectivos, mas de facto, seja na arquitectura, no cinema, na música, ou onde seja, uma obra verdadeiramente inovadora e marcante, dificilmente é possível com mais de dois autores principais… depois ele há os directores de fotografia, os encenadores, os músicos, os engenheiros, enfim os outros diversos actores e colaboradores imprescindíveis à feitura de uma qualquer obra. Mas para o mundo, neste caso da arquitectura enquanto uma forma particular de arte, o que interessa a seu tempo, não é tanto o processo mais ou menos democrático, ou um qualquer juízo moral desse mesmo processo. Mas antes o seu resultado prático, as suas qualidades enquanto facto arquitectónico, enquanto espaço possível para o uso e o habitar do corpo e do espirito.
Assim como Coltrane fez e interpretou músicas notáveis a partir de ideias, muitas das vezes de uma enorme simplicidade, quase sempre de outros, onde a sua mestria ficou para a história, fundamentalmente pela forma como construiu, com o seu saxofone e mais dois ou três outros instrumentos, uma nova sonoridade musical. Ou como Alvar Aalto, enquanto arquitecto fez o mesmo nas suas obras, trabalhando o espaço, a luz, a sombra, a construção, os materiais, a escala, os interiores e os exteriores, e a humanidade dos seus espaços. Também Tarkovsky, foi um inovador no cinema, não tanto pelos temas, argumentos ou mensagens, mas pela forma como entendeu e filmou as imagens, na poética que introduziu num especifico modo da montagem, da fotografia, na ideia de moldar os ambientes próprios para cada um dos seus filmes, e claro na qualidade dessa construção geral, naquilo que os cineastas gostam de chamar de narrativa cinematográfica.
Assim, poderíamos disser que a história está cheia de inovações técnicas, de novas ideias e de obras inovadoras, mas para aqueles que fazem, o que conta mais é o modo como os outros fizeram, claro que interessa também conhecer as inovações técnicas e as ideias. Mas será melhor seguir o caminho do fazer, até porque também é seguro que não existe nenhuma teoria para fazer uma qualquer obra, mais ou menos inovadora. Existe sim uma prática, sendo que a melhor teoria é ir aprendendo com as obras do passado, mais ou menos recente. Principalmente com o seu modus operanti, numa palavra com o seu ofício, e então, depois juntarmos o nosso mundo, a nossa forma de ver, e as outras infinitas possibilidades de fazermos, seja enquanto arquitectos, músicos, realizadores, pintores, etc, etc.
Alexandre Marques Pereira, ingressou na ESBAP, a Escola de Arquitectura do Porto, em 1981. Arquitecto desde 1986 pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa, trabalhou com o Arquitecto Manuel Tainha, e tem atelier próprio desde 1996. É Professor de Projecto em Lisboa na Universidade Lusíada desde 1993. Doutorado em Arquitectura pela Universidade Lusíada de Lisboa, desde 2012.