A arquitetura estereotômica é caracterizada por duas razões de força, sua continuidade nas cargas axiais que fazem chegar ao solo seus componentes, ao natural, na terra, e a busca pela luz onde suas paredes maciças são perfuradas para iluminar e permitir a habilidade humana. É partindo deste ponto que este projeto adquire sua potência e declara sua intenção.
Apresentamos o projeto do mês de maio, o qual pela busca de simbolismos eclesiásticos, acude a natureza como uma expressão ritual. A encomenda consistia num espaço para acolher atos e rituais religiosos para uma remota localidade, num contexto onde o tempo se reflete nos materiais reciclados e reutilizados na obra, que já fazem parte do lugar há um século. Isto estabelece critérios de construção baseados em antigas técnicas de alvenaria que permitiram a execução da obra. No entanto, o projeto contemplou a utilização de novos materiais em seu interior.
Capela San Bernardo / Nicolás Campodónico
Através de uma cuidadosa seleção e disposição dos materiais, foram apontados dois momentos, o testemunho do tempo do lado de fora e a sensação do lugar protegido no interior. A intensidade de cores do tijolo interno gera, produzida pelo reflexo da luz, uma atmosfera quente.
‘’A ideia principal do projeto está na relação de entrada da luz baixa horizontal do entardecer e a projeção da cruz no interior ’’ - Nicolas Campodónico, Arquiteto
O sistema de abóbodas interno, com referências nos fornos de carvão historicamente usados na Argentina para o cozimento de tijolos, foi aplicado para gerar continuidade na entrada de luz direta sem interrupções, permitindo um contraste entre o vermelho do tijolo e a sombra proporcionada pelas vigas, que, na hora certa, formam a cruz da Capela. Aludindo a Via Crucis, o arquiteto, com apenas um gesto, deixa a natureza executar o trabalho, unindo estes elementos e criando a cruz, como um ritual que propõe algo mais elevado que o ato do homem.
Podemos concluir que a sensualidade dos materiais e como se introduz a natureza no projeto, nos fala muito de um lugar onde se materializa a atemporalidade e nos eleva a percepção de estar em um lugar sagrado e que as vezes, inclusive na arquitetura moderna, a necessidade se volta na origem.
Seguem abaixo algumas perguntas que fizemos para o arquiteto sobre os processos de trabalho.
Como foi o processo de desenho? Que tecnologias foram utilizadas para desenhar a forma e sua estabilidade?
O processo de desenho partiu de certas premissas, algumas provenientes da própria demanda e outras com temas que gostaríamos de desenvolver. Alguns destes assuntos eram mais concretos, como os relacionados ao local, e outros eram mais conceituais, como a ideia de substituir simbolismos por rituais. Os espaços (tanto externos como internos) foram concebidos e desenhados para ser instrumentos dos conceitos pensados. A forma do espaço interno foi desenvolvida com ferramentas analógicas (desenhos à mão e sobretudo maquetes físicas). A implantação do projeto, que deveria obedecer em uma posição solar determinada, foi pensada através de uma maquete física 1:20 implantada no local no dia 20 de agosto de 2011, dia de São Bernardo. A estabilidade da estrutura foi baseada nos Fornos de Carvão Argentinos, também chamados de “Meia Laranja”, mas uma parte dela foi removida para possibilitar a entrada da luz horizontal. Esta operação constituiu um desafio maior, tanto construtivo quanto estrutural. Tudo isso nos levou a investigar tecnologias antigas, que estão em desuso, e tentar reconstruir saberes empíricos.
Como a disposição dos tijolos influencia na estrutura? Poderia exemplificar com algum diagrama ou detalhe?
A disposição dos tijolos é radial espacial, ou seja, conceitualmente cada tijolo está diretamente alinhado ao centro de uma esfera de 6 metros de diâmetro inscrita na capela. Esta condição esférica da estrutura permite trabalhar fundamentalmente com a compressão. Tendo este conceito como base, o maior desafio foi dar consistência estrutural para todas aquelas partes do projeto que estavam fora deste sistema. Para planejar e gerenciar a obra de alvenaria com um “compasso” (inspirado no instrumento utilizado na construção dos fornos de carvão), que permite traçar as curvas de cada fiada e ao mesmo tempo dá a inclinação certa para cada tijolo.
Além da esfera inscrita como ideia principal da espacialidade e estrutura, e inspirada pelo Panteão de Agripa, a composição final dos espaços combina na região cilíndrica, duas paredes tangentes, prolongadas no sentido oeste, e um seguimento de cúpula, uma abóboda cônica.
Você utilizou algum sistema de forma para a instalação da estrutura? Há registros fotográficos deste processo?
A ideia principal do projeto é a relação da luz baixa e horizontal do entardecer e a projeção da cruz no interior. Por esta razão era muito importante que a área interna fosse contínua e sem grandes saliências para produzir a sombra da cruz. Esta linha de trabalho nos levou a pensar que se colocássemos alguma forma correríamos o risco de descobrir algum defeito incorrigível depois do processo. Devemos recordar que sob a luz baixa, alguns milímetros de superfície podem criar sombras enormes. Por estes motivos, decidimos utilizar duas técnicas associadas (o Forno de Meia Laranja e a Abóboda Mexicana) com as quais poderíamos construir a casca de maneira autoportante e controlar o avanço da obra, expondo-a permanecente à luz solar.
Quais são os desafios estruturais de utilizar o tijolo reciclado?
Neste caso, não são muitos, quando o interior é mais solicitado estruturalmente, utilizamos tijolos novos, especialmente fabricados com dimensões menores (5cm x 10cm x 20cm) com referências na Abóboda Mexicana. O tijolo reciclado foi utilizado para toda a área externa e tem maiores dimensões (6cm x 16cm x 28cm) e bastante variável por ser feito no campo. Esta área externa da capela não possui nenhuma exigência estrutural.
Também, esta diferença entre a utilização de dois tijolos completamente distintos entre a área externa e a interna, potencializa a ideia de que se trata de dois movimentos pertencentes a mundos também distintos. Os tijolos reciclados já estão no local, tendo pertencido a uma casa de 100 anos que foi demolida alguns anos atrás. Nos pareceu interessante que estes tijolos ficassem ali com uma nova forma, dando o testemunho do tempo, além disso estavam lindos com uma pátina esverdeada de musgo. Foi, claro, também uma forma de aproveitar recursos. Quando recolocados, a argamassa os limpou, como se estivessem novos, perdendo a bela pátina do tempo que haviam adquirido e isto parecia uma grande perda. O surpreendente foi que nas primeiras chuvas a matéria orgânica, acumulada no interior do tijolo, voltou a crescer como se tivesse memória e em algumas semanas os tijolos estavam com o mesmo aspecto centenário, cobertos desta pátina cinza esverdeada e a capela parecia estar ali desde sempre.
Te convidamos para ver a publicação completa desta obra:
Capela San Bernardo / Nicolás Campodonico