Para os oitenta anos de Álvaro Siza, em 2013, escrevi um texto para o jornal Público e a Ordem dos Arquitectos de Portugal. Falei no mestre utilizando palavras e expressões como luta corpo a corpo, capacidade de pensamento sincrético, treino de alta competição, intervenções cirúrgicas, serenidade, densidade, silêncio, combates, esforço, paciência, entusiasmo, reserva, prudência e medo, mas, principalmente, alegria.
Após a viagem Neighbourhood, o périplo pela Europa em companhia de Álvaro Siza e Nuno Grande (que partilhou comigo a curadoria do Pavilhão de Portugal na atual Bienal de Veneza), é um dever juntar àquelas palavras, mais uma: disponibilidade!
Em 2016, Siza regressou aos lugares de quatro bairros, Veneza (Campo di Marte), Berlim (Schlesisches Tor), Haia (Schilderswijk), Porto (Bouça). Entrou nas casas dos residentes, conversou com eles. Ouviu, falou, compreendeu, partilhou, mas sobretudo foi disponível, como “um médico do campo”, um assistente social.
A sua arquitetura dá forma a um lugar; esse lugar permite às pessoas viver melhor.
Parabéns mestre!
Álvaro Siza é um “consumista”, alimenta-se e consome tempo.
Compra e gasta tempo, porque tem tempo para tudo e tem tempo para todos.
Na sua arquitetura não existe hierarquia nos espaços, nada é secundário, também as pessoas são todas iguais, estão todas no mesmo plano: Alvar Aalto acreditava numa sociedade sem classes e ele (o Siza) no mundo dos indivíduos sem títulos de doutores ou de senhores doutores. Aprende tudo com todos.
A sua curiosidade tornou-o um vampiro onde o sangue é tudo o que os seus olhos veem.
Aprendi com ele (e passo a citar) a não ter pressa, saber esperar, ter paciência: que remédio!
Andar com pezinhos de lã.
A desfrutar do silêncio.
Que é uma coisa que funciona, também é bonita.
Que a paisagem é tudo o que está no campo visível.
Não ter medo de dizer feio ou bonito (belo).
Que, às vezes, não vale a pena levar demasiado a sério a vida.
Que não existe génio sem treino.
Que um grande campeão quando corre não mostra o esforço porque tudo é natural.
Que o importante é dar continuidade, a qualquer coisa, mas também transformá-la.
Quando há quase 20 anos me licenciei, o Siza escreveu a apresentação da minha tese, que é o meu tesouro. O texto utilizava palavras como: "a luta corpo a corpo, capacidade de pensamento sincrético, treino de alta competição, intervenções cirúrgicas, serenidade, densidade, silêncio, combates, esforço, paciência, entusiasmo, reserva, prudência e medo". Mas sobretudo uma frase que me acompanha desde então: A prática da arquitectura deve ser a da Alegria, uma Alegria que possa contaminar os espaços.
Álvaro Siza é um mestre, o meu mestre.
Parabéns.
*texto de Roberto Cremascoli, publicado pelo jornal Publico, 26.6.2013