Quando olhamos bem do alto, de um avião, por exemplo, nossos automóveis e nós mesmos podemos parecer formiguinhas, em grandes grupos e se movendo constantemente. Porém, a forma desordenada com que a maior parte de nossas áreas urbanas se desenvolve mostra que ainda temos muito a aprender com esses animais, especialistas em mobilidade.
Elas incomodam muita gente justamente por sua resistência e suas muitas formas de vencer barreiras. Formigas são resilientes, sustentáveis, possuem sistemas eficientes de aproveitamento de energia, seja pelo vento ou sol, e dividem o espaço em harmonia. Ainda que consideremos todas as enormes diferenças entre nossa espécie e as formigas, muito podemos aprender com elas sobre como pensar nossas cidades para as pessoas.
Um estudo publicado no Journal of the Royal Society Interface mostra os “planos de mobilidade” de uma colônia de formigas da Austrália, a Iridomyrmex purpureus. Elas vivem em grupos que podem chegar a mais de 60 mil indivíduos, divididos em diversos formigueiros. As trilhas formadas por elas podem atingir quilômetros de extensão e são desenvolvidas de forma a não provocar “congestionamentos” e, principalmente, ter diversas alternativas de rotas. Os caminhos nem sempre conectam o formigueiro diretamente até a árvore de onde elas extraem alimento. No caso de um obstáculo surgir, elas não precisam ficar horas em linha paradas.
O estudo revela que a malha viária desses insetos segue sempre a mesma lógica, o que os pesquisadores chamam de “modelo da ligação mínima” (MLM). As vias são sempre as mais curtas possíveis, mantendo a fonte de alimentos a uma distância que não exija um grande deslocamento. As formigas apenas conectam um ninho novo a uma árvore se a estrada a ser criada for mais curta do que a já existente, do contrário elas devem buscar provisões no ninho mais próximo. Ou seja, o custo de manutenção dessa rede é sempre o mais baixo possível – modelo que é frequentemente o aposto do praticado pelos humanos – e a rede é capaz de contornar distúrbios de forma resiliente.
Vias usadas pelas formigas também podem nos ensinar a compartilhar os espaços de forma inteligente. A observação feita no estudo revela que as formigas que saem dos formigueiros automaticamente abrem espaço àquelas que estão retornando com comida. As que voltam de “mãos vazias” também não ultrapassam as que estão com carregamentos, mas esperam e caminham em um ritmo mais lento atrás dessas. Humanos não costumam, por exemplo, ficar atrás de caminhões em uma rodovia. Porém, um artigo mostra como um futuro de carros autônomos pode funcionar seguindo a mesma lógica das formigas.
Cientistas já vêm transformando o fluxo de tráfego das formigas em algoritmos aplicáveis para o trânsito de veículos. Os resultados mostram como atitudes individuais podem resultar em um bem coletivo que, por fim, beneficia o individual. Ao pensar em um sistema inteligente para carros autônomos, esses princípios seriam possivelmente seguidos para acabarmos com nossos congestionamentos. “Basicamente teríamos que entregar o controle dos veículos a um sistema com inteligência coletiva que guiaria todos os automóveis da sua origem ao seu destino”, explicou o matemático da Bond University, Marcus Randall. “Pessoas seriam relutantes a isso, mas acidentes seriam virtualmente não-existentes e as viagens se tornariam muito mais eficientes.”
DENSIDADE
A concentração de formigueiros em uma colônia não é infinita. Conforme os pesquisadores suspeitam, as colônias não passam de 15 ninhos, já que uma expansão descontrolada colocaria todo o sistema em risco. Uma vez que a colônia atinge essa densidade, formigas pioneiras se separam e estabelecem novas colônias.
Os responsáveis pelo estudo das formigas da Austrália tentaram aplicar as mesmas regras do sistema de trilhas feitas pelos insetos em um contexto humano para ver o que aconteceria. “Uma vez que descobrimos o que a natureza faz, nós tentamos aplicar as mesmas regras simples para prever o que aconteceria em um sistema de redes elétricas, por exemplo, feito pelo homem”,explicou Arianna Bottinelli, uma das autoras.
A conclusão foi que, ao construir novos subúrbios, é necessário conectá-lo à área urbana mais próxima para que a rede de energia seja relativamente barata, mas também bastante eficiente. A robustez do sistema pode ser elevada ou reduzida ao mudar a frequência com que novos subúrbios são conectados aos servidores centrais, conforme o exemplo específico usado sobre centrais elétricas. Na conclusão dos pesquisadores, limitando o tamanho dos formigueiros, ou seja, dos “bairros”, a disponibilidade de recursos se torna muito mais eficiente. Seja debaixo da terra ou no interior de uma árvore, as formigas nunca permitem um crescimento descontrolado.
Observar o comportamento das formigas não necessariamente nos dá soluções, mas já serve de reflexão sobre os nossos problemas de mobilidade, desenvolvimento e planejamento urbano, e até resiliência. A famosa fábula da formiga e da cigarra – em que a formiga não deixa de coletar comida nem mesmo no inverno enquanto a cigarra se diverte – deixa evidente o caráter resiliente dessa espécie. Ao invés de esperar pelos problemas do inverno, esses insetos se preparam para ter as soluções disponíveis. A ligação que existe entre resiliência e todas as formas de planejamento urbano fica clara quando observada no contexto das colônias de formigas. A descentralização praticada por esses agrupamentos de insetos nos estimulam a repensar nossos centros urbanos.
Publicado originalmente em The CityFix Brasil com o mesmo título em junho de 2016.