A Bienal de Veneza de 2016 destacou que lidar com desastres naturais pode se tornar uma das maiores preocupações da arquitetura. Mas a natureza tem suas próprios modos de destruição e erupções vulcânicas estão entre os casos mais extremos. Na Ilha do Fogo, o Parque Natural do Fogo, projetado pelo escritório OTO – e eleito como Melhor Edifício do Ano de 2015 pelos leitores do ArchDaily – foi destruído por uma corrente de lava fundida pouco mais de um ano após sua inauguração em 2013. O edifício, que conciliava centro cultural e atividades administrativas, ajudou a ativar a economia na área mais remota da ilha. Depois do desastre, Adrian Kasperski, um estudante da Krakow University, dedicou sua dissertação de mestrado para reabilitar esta área, propondo a expansão das rodovias existentes e trilhas de escalada e desenvolvendo equipamentos para implementar alternativas oferecidas pelo turismo.
Kasperski primeiramente percebeu que o norte da ilha carecia de acessos por estradas. Estender a estrada existente ao norte iria contribuir para o desenvolvimento econômico da ilha e ajudaria a diminuir o tráfego ao sul. O projeto também sugere acessos aprimorados às crateras por meio de trilhas. Considerando que o projeto de OTO fica na cratera próxima ao vilarejo, Kasperski decidiu realocar as atividades do topo do vulcão para proteger das erupções. Em sua proposta, o centro cultural e antigo vilarejo estão localizados ao norte das crateras, além disso, um hotel e vinícola também foram propostos ao sul da estrada.
Talvez o centro cultural seja a parte mais interessante do projeto. Assim como o anterior de OTO, o estabelecimento foi desenvolvido de acordo com a topografia local. Localizado no limite de duas paisagens bastante distintas, "o edifício parece invisível a uma certa distância", explica Kasperski, "apenas ao se aproximar, uma pequena fração da caldeira começa a surgir". Assim como na Universidade Ewha Womans, de Dominique Perrault, o edifício apresenta uma praça pública, escadarias e área de permanência no centro. As fachadas de vidro ao longo da praça trazem luz natural para dentro da edificação que permanece quase que totalmente térrea. Além do mais, a esguia praça emoldura uma vista do vulcão, que é complementada pelo uso de uma cobertura com aberturas.
Para a vinícola e o hotel, Kasperski também utilizou-se da topografia local no núcleo de seu projeto. Desta vez, a estrutura não ficou totalmente térrea. O edifício apresenta baixa estatura – o que, assim como OTO já havia constatado, é bastante adequado para a paisagem existente. A forma vai se erguendo aos poucos do terreno para formar um bloco horizontal de um lado e, do outro, o contorno segue o declive a caldeira montanhosa.
Ao lado norte do vulcão, o vilarejo pretende realocar as pessoas que moravam na caldeira antes da erupção. O vilarejo é localizado na área mais remota da ilha para preservar um senso de comunidade. O projeto inclui equipamentos públicos – uma escola, um mercado e uma igreja, bem como uma rede de becos e vielas, canais de irrigação e pavilhões temáticos. Kasperski usa as linhas topográficas para definir as ruas e uma série de habitações emerge de acordo com a ladeira.
A ênfase térrea e a análise das linhas topográficas seguem uma temática recorrente na arquitetura contemporânea, como iniciada pela arquiteta formadora de tendências Zaha Hadid. Com o centro cultural, Kasperski ilustra o que o historiador Andrea Ruby chama de "térreo inflado". "Em vez de colocar o programa como um objeto no terreno", explica Ruby, "ele é injetado como um líquido" e "emerge da superfície do terreno à cobertura, no processo de criar uma topografia artificial."[1]
Porém, pode-se questionar a disponibilidade de materiais necessários e técnicas construtivas na ilha. Para o Parque Natural do Fogo, OTO utilizou blocos de alvenaria preta feitos de cimento e cinzas do vulcão. As cinzas também cobriam a cobertura, por isso camuflava o edifício com seu entorno. Na verdade, numa região tão pobre, parecia óbvio que usar fontes acessíveis era uma necessidade. Em vez disso, Kasperski não especifica nenhum uso de materiais locais. O centro cultural com sua topografia artificial e a vinícola e o hotel com suas formas não convencionais contariam ambas com técnicas altamente tecnológicas. A infraestrutura pública e a habitação do vilarejo parecem ambas longe da realidade econômica da ilha. Propostas para fortalecer a economia e se recompor de um desastre natural são bem-vindos; contudo, enquanto Kasperski oferece uma narrativa interessante que pode nos fazer imaginar seus sonhos e ideias similares para a Ilhado do Fogo, irá bem provavelmente permanecer hipotética pelos anos que estão por vir.
[1] Ilka & Andreas Ruby, Groundscapes: The rediscovery of the ground in contemporary architecture (Barcelona: Gustavo Gili, 2006), pp. 22-24.