Texto por Lis Cavalcante e Mariana Morais
É possível promover mudança a partir da participação social? Se olharmos em volta, veremos que nossas cidades são construídas também pelas mãos das suas comunidades. Ao mesmo tempo, vemos que planejadores muitas vezes não contemplam as necessidades da população, impondo estruturas urbanas dissociadas das realidades em que trabalham. Como podemos unir o saber técnico ao conhecimento e experiência dos seus usuários, construindo cidades de maneira mais colaborativa?
Com o avanço da cultura digital, da propagação da tecnologia, do aumento da consciência ambiental e demais transformações urbanas e sociais, novas práticas de gerir, desenhar e participar das nossas cidades são demandadas. A partir do Urbanismo Colaborativo, buscamos aproximar os cidadãos das decisões coletivas, conferindo autonomia às populações locais e promovendo a integração de todos os atores envolvidos na construção das nossas cidades.
O livro “Designing for Social Change” [Projetando para a mudança social] nos traz inspirações de como trabalhar colaborativamente de forma efetiva. A obra de Andrew Shea, focada no design gráfico, sugere que a função social da profissão é satisfazer as necessidades da sociedade em geral - especialmente daqueles com dificuldade de acesso a serviços especializados. São apresentados 20 casos de trabalhos voluntários com comunidades dos Estados Unidos, e estratégias de engajamento são ilustradas.
Apesar do autor entender que sugerir estratégias específicas pode não ser muito realista - já que cada comunidade tem sua particularidade -, ele ainda assim acredita que tais sugestões podem ajudar a identificar os desafios, guiar o processo, identificar e resolver problemas neste tipo de trabalho.
Acreditamos que os tópicos elaborados podem ser aplicados a outros profissionais e instituições que procuram trabalhar colaborativamente com comunidades. Por isso, com base na obra de Andrew Shea e na nossa experiência, compartilharemos aqui 10 estratégias que podem auxiliar na construção de alguma mudança a partir da participação social. Confira:
1. Aproxime-se da comunidade com que está trabalhando
Trabalhos com comunidades exigem integração e compreensão. Dedicar seu tempo para conhecer as pessoas com quem estará trabalhando, conhecer os líderes comunitários e incentivá-los a serem seus parceiros no projeto aumentará o entendimento sobre suas necessidades. Preparar-se para perder um pouco do controle sobre seu processo de trabalho e deixar as ideias da comunidade direcionarem as decisões também é importante.
2. Construa relações de confiança
Para se conectar e criar um vínculo de confiança com os membros da comunidade, é importante construir relações pessoais e parcerias de trabalho autênticas. Algo que pode ajudar é tentar satisfazer rapidamente alguma necessidade emergencial da comunidade. Aproxime-se de suas atividades diárias, demostre com atitudes que você está os levando a sério e que você se importa de verdade.
3. Prometa apenas o que poderá cumprir
A transparência e clareza na comunicação é fundamental em projetos comunitários. É normal, ao se envolver com uma comunidade, querer ajudar ao máximo, mas não tente resolver todos os problemas de uma só vez. Estime precisamente o tempo e os recursos que você tem a oferecer no momento; e busque respeitar o prazo final do projeto e o orçamento previsto. Soluções reais são melhores que promessas utópicas.
4. Priorize o processo
Seja paciente e evite soluções rápidas, que não representam a comunidade e são elaboradas com pouco engajamento de seus membros. Explique a todos que o processo colaborativo pode demandar mais tempo e levar a resultados inesperados, mas certamente irá criar soluções mais eficientes às necessidades específicas da comunidade.
5. Enfrente as polêmicas
Em projetos comunitários, as soluções adotadas devem representar a todos. Com a ajuda de grupos menores da comunidade, ouça a percepção dos moradores, identifique reações negativas e positivas e aprenda com elas para melhorar o trabalho. É importante manter um diálogo aberto com os membros, e verificar se as ideias do grupo respondem às questões polêmicas e os representam.
6. Identifique as potencialidades da comunidade
Ao invés de apontar as problemáticas da comunidade, focar em suas potencialidades contribuirá para aumentar a autoestima de seus membros e estabelecer um laço emocional positivo. Identifique habilidades e talentos e incorpore-os no trabalho. A comunidade se torna mais confiante e independente ao ver que é capaz de satisfazer suas próprias necessidades.
7. Utilize recursos locais
Encontre maneiras de incorporar os recursos existentes da própria comunidade em seu trabalho, observando quais materiais são comuns e utilizando infraestruturas existentes. Soluções de baixo custo contribuem para a sustentabilidade financeira e a utilização de matéria prima local reduz o impacto ambiental do projeto.
8. Trabalhe considerando a voz da comunidade
Um trabalho comunitário deve se conectar à identidade local. Buscar inspiração nas cores, tipografia, e outros elementos que se destacam na comunidade fará com que ela se identifique mais facilmente com o resultado. Considere as linguagens locais, as normas culturais dos membros ao longo do processo. Promover o engajamento a partir de ferramentas acessíveis fará com que questões de escolaridade, habilidade ou comunicação não limitem a participação.
9. Incentive a comunidade a se apropriar do projeto
Empodere a comunidade fazendo-a se apropriar dos métodos e ferramentas de projeto. A comunidade deve estar presente desde o início, para que possa aprender em todas as etapas, possam desenvolver senso de pertencimento e se orgulharem do resultado alcançado com o auxílio da sua participação.
10. Promova o engajamento contínuo
Consolide sua parceria com a comunidade, mantendo contato após finalizar o trabalho. Um projeto participativo de sucesso promoverá uma independência dos membros, mas continuar os apoiando e mantendo um contato frequente com os líderes comunitários poderá resultar em futuras novas colaborações.
Trabalhos desenvolvidos de maneira colaborativa fazem com que os cidadãos passem de expectadores a protagonistas na tomada de decisão. Unir seus desejos e visões por um propósito coletivo comum pode produzir resultados que além de efetivos, orgulham e emocionam os diversos atores envolvidos.
Se quisermos construir cidades mais democráticas, precisamos desenvolver práticas projetuais inclusivas. E você? Tem alguma sugestão para colaborar? Compartilhe sua ideia, nos conte sobre sua experiência e ajude a promover mudanças através da participação social.
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